Noemi Jaffe*
Apesar do nome infeliz - "Polegarzinha" - e do fato de o livro ser a
reprodução de um discurso feito por Michel Serres na Academia Francesa
em 2011, o que o torna bem mais superficial do que poderia, esse livro
com cara de autoajuda supera as expectativas. Polegarzinha é o nome que o
autor criou para definir a nova geração de jovens, para quem o
conhecimento, a intuição e o prazer estão todos concentrados no toque do
polegar - GPS, celular, iPads, controles remotos, mensagens. E a
palavra está no feminino - polegarzinhA e não polegarzinhO - porque, ao
longo de sua experiência letiva de mais de 30 anos na Universidade de
Stanford, no Estado da Califórnia, nos EUA, constatou que as garotas são
muito mais diligentes, criativas e - aguentem, rapazes - inteligentes
do que os garotos. A tese inesperada - mas convincente - do filósofo é
que as coisas não estão tão ruins quanto apregoam pensadores importantes
da esquerda e da direita e adultos em geral. As novas gerações, que
aparentam dependência total dos "gadgets" eletrônicos e consequente
alienação de um saber aprofundado, personalizado e processual, estariam,
na verdade, segundo a opinião de Serres, construindo uma outra forma -
múltipla, rápida, intuitiva e criativa - de conhecimento. Os jovens
atuais não teriam o mesmo corpo que nós - ex-jovens. Outra expectativa
de vida, outras formas de comunicação, outra percepção da natureza;
nascidos com peridural e data programada, não temem a mesma morte, não
falam a mesma língua. São a geração literalmente "maintenant" (em
francês, "agora"), porque "tenant" ("seguram") o tempo com a "main"
("mão"). São mais físicos, concretos e não dão tanta importância para os
nossos conceitos abstratos, embora, segundo o autor, cheguem aos mesmos
lugares e conclusões por vias narrativas e simbólicas. Não vivem com a
tecnologia, mas na tecnologia e, portanto, para eles nossos dilemas
existenciais com as máquinas nem representam um problema.
No livro, o autor também detecta problemas educacionais e sociais
relacionados a uma teimosia conservadora em manter as instituições ainda
presas a um modelo "escrito", centrado na página e na abstração e
propõe formas mais caóticas de aprendizado e estruturação social.
Será que uma educação que leve o caos em consideração, que opere mais
por montagem do que por justaposição e por um mosaico de estímulos -
misturar física com linguística com literatura com história com
matemática, em espaços amplos e criativos, com burocracia mínima e sem
as famosas "notas" -, teria penetração e eficácia maior com a juventude
atual, que carrega o tempo no polegar? Penso que sim. Penso que a
educação, de forma lenta, precisa caminhar globalmente nessa direção, se
quisermos que os jovens aliem, à obrigação de ir à escola, também o
desejo de frequentá-la. Não se trata de seduzi-los, tentando
artificialmente falar sua língua. Trata-se de, também nós, processarmos
nossos saberes sob abordagens mais poéticas, maleáveis e descentradas.
De ampliarmos a ideia de rigor científico e comportamental para
horizontes mais físicos e móveis.
Como fazer isso? Ainda não sabemos e é preciso suportar esse não
saber e caminhar com ele em nosso cotidiano, sem disfarçá-lo ou
ocultá-lo, o que é ainda pior. Muitas escolas estão - justamente em
função da dificuldade cada vez maior dos alunos em se concentrar
apostando no caminho oposto: mais rigidez, mais regras e burocracia.
Tenho a impressão de que essa atitude é equivalente a martelar
mensagens em tabletes de pedra, depois da invenção da prensa. A
tecnologia é um meio e se a recusarmos como meio ela, ao menos para nós,
se transformará num fim. Algo a ser temido, não utilizado. E aí sim não
haverá mais como contornar o problema.
------------------------ Noemi Jaffe é doutora em literatura brasileira pela USP e autora de "Quando Nada Está Acontecendo" (Martins Editora)
E-mail: nejaffe@gmail.com
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