Beatriz Mendes*
Instituto Alana defende a ideia de que crianças não conseguem separar a programação do comercial, ficando mais vulneráveis às mensagens publicitárias
Entre
um bloco e outro de um programa de tevê, exércitos de bonecos, ursinhos
e super-heróis não medem esforços para vender para as crianças o mais
novo brinquedo do mercado. Na internet, aquele que conseguir fazer o
personagem comer uma maior quantidade de sanduíches é o vencedor do jogo
criado especialmente para uma rede de fast food. Pequenas reproduções
de logomarcas de empresas deixam os jogos de tabuleiro com uma cara mais
próxima à realidade.
Não existe ainda no Brasil uma legislação específica para a
publicidade de produtos infantis, de modo que atualmente cabe apenas às
normas do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária
(Conar) e aos pais moderar a grande quantidade de informação que chega
aos pequenos. Tramita na Câmara dos Deputados há mais de dez anos o
Projeto de Lei 5921, do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB – PR), que
pretende proibir a publicidade destinada a vender produtos infantis. O
texto já sofreu modificações na Comissão de Defesa do Consumidor e na
Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio e chegou à
Comissão de Ciência e Tecnologia na última terça-feira 3, para ser
consultado em audiência pública.
Durante a reunião, o deputado Salvador Zimbaldi (PDT-SP), relator do
PL na Comissão, concluiu que o Conar tem sido ineficaz na fiscalização
das agências publicitárias e que o País não deve continuar sem
regulamentação para publicidade infantil. “Nós vamos tentar buscar o
melhor para população e particularmente para as crianças. Hoje, estamos
convivendo com a população infantil obesa, por conta do consumismo, do
sedentarismo. O que queremos, na verdade, é buscar um meio termo para
que a propaganda não venha a ser restrita, mas, por outro lado, também
não haja um incentivo, um estímulo absurdo ao consumo, conforme estamos
vivenciando hoje”, afirmou.
“Nós entendemos que esse projeto de lei é uma iniciativa muito
importante para a proteção da infância brasileira”, considera Ekaterine
Karageorgiadis, advogada do Instituto Alana, entidade líder na campanha
em favor da vedação de qualquer tipo de publicidade dirigida a menores
de 12 anos. Para ela, crianças ainda não têm capacidade psicológica
suficiente para compreender a mensagem publicitária. “A criança não
consegue entender o que é publicidade e o que é programação ou conteúdo.
Por exemplo, ela acha que a boneca que aparece no desenho é a mesma que
aparece na propaganda. As empresas estão vendendo para ela sem ela
saber”, explica, em entrevista à CartaCapital.
Ekaterine lembra que a proibição apenas de propagandas de produtos
infantis não é suficiente, uma vez que as crianças ainda estariam
expostas ao comercial destinado aos adultos. “O posicionamento do
Instituto Alana não é apenas a proibição de publicidades infantis, mas o
fim da publicidade direcionada ao público infantil, independentemente
do produto. Porque muitas vezes algumas mensagens de vendas de produtos
adultos, como carros, celulares também usam de artifícios para que a
criança haja como promotora de vendas”, afirma.
Recentemente a Fiat passou a veicular seu logotipo em brinquedos como
carrinhos e jogos de tabuleiro. No início de junho, em entrevista ao
jornal Valor Econômico, João Batista Ciaco, diretor de
publicidade e marketing de relacionamento da empresa e presidente da
Associação Brasileira de Anunciantes (ABA), revelou que a estratégia
visa criar uma relação afetiva do público infantil com a Fiat para
influenciar as compras da família.
Uma pesquisa realizada pelo Instituto Alana já mostrou que a criança
tem influência sobre as compras gerais da casa em cerca de 80%. “O
público infantil vai interferir na compra do veículo, na compra do
alimento, na compra do material de limpeza, do plano de saúde. Por isso a
publicidade é destinada para ela”, explica Ekaterine. E completa: “Dada
as condições socioeconômicas da nossa sociedade, que tem a televisão
como uma babá virtual, as empresas sabem que as crianças têm mais acesso
à mídia porque os responsáveis estão trabalhando. Quando os pais chegam
em casa, elas reproduzem esse conteúdo, os jingles, as canções”.
O substitutivo proposto em 2008 pela então deputada Maria do Carmo
Lara (PT-MG), na Comissão de Defesa do Consumidor, analisava a questão,
afirmando que não haveria motivos para restringir a publicidade se o
produto infantil fosse anunciado aos pais. O texto, aprovado pela
Comissão, foi considerado radical pelos agentes de mercado, mas bastante
completo pelos demais envolvidos na questão, definindo o que é uma
mensagem dirigida às crianças, propondo uma regulamentação para as
mensagens destinadas aos adolescentes e incluindo punições. De acordo
com o projeto, a comunicação mercadológica abrange, dentre outros, a
própria publicidade, anúncios impressos, comerciais televisivos, spots de rádio, banners e sites na internet, embalagens, promoções, merchandising e disposição dos produtos nos pontos de vendas.
“Nós, do Instituto Alana, não somos contra a publicidade. Contra esse
tipo de estratégia que é deliberadamente feita para que a criança aja
como um promotor de vendas é que lutamos. Não queremos restringir a
liberdade de expressão de ninguém, apenas que o comercial exista para
quem pode decidir se quer ou pode comprar determinado produto”, conclui
Ekaterine.
Outro Lado
Rafael Sampaio, vice-presidente executivo da ABA, defende que a
autorregulamentação é o principal modo para lidar com a publicidade
infantil. “Nossa posição oficial é a favor da publicidade infantil com
as restrições que já existem hoje, com as normas do Conar”, diz.
A argumentação de Sampaio parte do exemplo de outros países. Ele
afirma que das 192 nações ligados à ONU só se encontram restrições
legais sobre o assunto, na dimensão em apenas 2 países e em alguns
estados da Suécia e da Noruega e na província de Quebec, no Canadá.
Durante entrevista à CartaCapital, ele afirmou: “O caso de
Quebec é simbólico. Foi o primeiro lugar do mundo a banir a propaganda
infantil e três meses depois o índice de obesidade infantil não
aconteceu nenhuma mudança relevante. Inclusive, em relação às demais
áreas do Canadá, a diferença era apenas de 1%”.
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* Por Carta Capital.
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-publicidade-infantil-em-debate/
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