Luis Fernando Verissimo*
O que você estava fazendo quando o mundo não acabou?
Estava embaixo de uma cama, imaginando se embaixo de uma cama era mesmo o melhor lugar para estar durante um tsunami?
Estava numa igreja, se confessando, esforçando-se para lembrar seus
piores pecados e até inventando alguns, para a redenção da sua alma
estar à altura do Apocalipse?
Pensando em ligar para os maias e dizer: "Se vocês têm algum palpite para o brasileirão - não interessa!"?
Lembrando sinais de revolução cósmica no passado, como a vez em que
latas cheias de maconha começaram a dar na praia e muitos interpretaram
como um prenúncio da segunda vinda do Messias?
Olhando pela janela de vez em quando, por via das dúvidas, para não perder nada caso acontecesse mesmo?
Gastando adoidado e pagando tudo com cheque pré-datado?
Saindo de casa e levando um choque ao ver aquela bola incandescente
no céu, pensando no que fazer, para onde correr e se proteger,
estranhando que ninguém mais na rua parecia estar em pânico - até se
lembrar que era o Sol?
Achando muita infantilidade essa preocupação com o fim do mundo,
quando está claro que o fim virá precedido de fenômenos anormais como
ondas de frio intenso e calor inédito nos hemisférios Norte e Sul, o
derretimento das calotas polares, furacões violentos, navios de cruzeiro
deitando de lado e casamentos do mesmo sexo?
Preparando sua câmera para registrar tudo e mostrar para os amigos depois?
Suspirando e pensando: finalmente, alguma coisa de excitante na minha vida?
Se dando conta: o fim do mundo vai dar um toque especial na minha autobiografia?
Refletindo sobre a necessidade que as pessoas têm de que o universo
seja previsível e o futuro conhecido, que nosso destino esteja escrito
nos astros, que as civilizações antigas tinham o código do mundo e seus
profetas a visão do que viria, o que explicava a sedução de todas as
teorias improváveis e ridículas que muitos aceitam sem pensar - tudo
isso sem sair debaixo da cama?
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O fim que nos espera, segundo a Bíblia, é terrível, mas do ponto de
vista literário o Apocalipse bate qualquer outra versão ou previsão.
Inclusive as dos poetas, como T.S. Eliot, que anteviu corretamente nosso
desânimo final.
"É assim que termina o mundo
Não com um estouro mas um gemido."
A julgar pela reação geral ao palpite errado dos maias, poderia-se acrescentar: "E um bocejo".
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* Escritor. Cronista.
Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,o-que-voce-estava-fazendo-,981103,0.htm 06/01/2013
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