Leonardo Sakamoto*
Tenho dado bonecas de pano de presente para filhos de alguns
amigos. Há algumas lojas que vendem brancas, negras, indígenas,
asiáticas.
Diante do estranhamento dos pais (“Ah, mas ele é menino!”), tento
explicar que brincar de boneca e de casinha deveria ser algo incentivado
a ambos os sexos.
Formaríamos homens mais conscientes e menos violentos se eles
entendessem, desde cedo, que cuidar de bebês, cozinhar, limpar a casa
não são tarefas atreladas a um gênero, mas algo de responsabilidade do
casal. Não há nada mais anacrônico do que tomar como natural que o homem
deve sair para caçar e a mulher ficar cuidando da tenda no clã. Em
alguns países, após um período inicial de licença maternidade básica, o
casal escolhe quem continua fora do trabalho para cuidar do pimpolho.
Podem decidir, por exemplo, que ele ficará em casa e ela irá para a
labuta.
Enquanto isso, damos armas e espadas de brinquedo para os meninos.
Dia desses, vi um par de pequeninas luvas de boxe expostas em uma loja –
para lutadores de seis anos. Evoluímos como sociedade, mas continuamos
fomentando a agressividade entre eles como se fosse algo bom. A
indústria de brinquedos, com raras exceções, trabalha com essa dualidade
“meninas precisam aprender a cuidar da casa e ficar bonitas para os
meninos” e “meninos precisam aprender a governar o mundo”. Quem quer
romper com isso encara certa dificuldade para encontrar produtos.
O filho de um amiga ganhou de presente um kit de panelinhas, prato e
talheres de brinquedo. Ele adora. Mas foi duro encontrar um modelo que
não tivesse estampas com desenhos de meninas. Isso sem contar as caixas,
que trazem garotas brincando de cozinha, como se o produto não pudesse
ser utilizado por garotos também. Isso sem falar dessa imbecilidade de
que rosa é cor de menina e azul de menino. Quando alguém começa a
defender esse maniqueísmo pobre, dá uma preguiça…
Brinquedos não deveriam trazer distinção de gênero. Ou como diz uma
imagem que estava correndo o Facebook: “Como saber que um brinquedo é
para menino ou para menina?” E faz uma pergunta: “Vibra?” Se a resposta
for sim, não é para crianças. Se a resposta for não, vale para ambos os
sexos.
O homem é programado, desde pequeno, para que seja agressivo.
Raramente a ele é dado o direito que considere normal oferecer carinho e
afeto para outro ser em público. Ou cuidar de bebês e da casa.
Manifestar sentimentos é coisa de mina. Ou, pior, é coisa de “bicha”. De
quem está fora do seu papel. Papel que é reafirmado diariamente: dos
comerciais de produtos de limpeza em que só aparecem mulheres sorrindo
diante do novo desentupidor de privadas até a escolha de determinados
entrevistados por nós jornalistas, que também dividimos o mundo entre
coisas de homem e de mulher. “Ah, mas o mundo é assim, japa.” Não, não é
assim. Nós que não deixamos ele ser diferente.
Homens que trabalham no Brasil gastam 9,5 horas semanais com afazeres
domésticos, enquanto que as mulheres que trabalham dedicam 22 horas
semanais para o mesmo fim. Os dados são da Organização Internacional do
Trabalho (OIT). Com isso, apesar da jornada semanal média das mulheres
no mercado ser inferior a dos homens (36 contra 43,4 horas, em termos
apenas da produção econômica), a jornada média semanal das mulheres
alcança 58 horas e ultrapassa em mais de cinco horas a dos homens – 52,9
horas – somando com a jornada doméstica. Ou 20 horas a mais por mês. Ou
dez dias por ano.
A análise mostra também que 90,7% das mulheres que estão no mercado
de trabalho realizam atividades domésticas. Enquanto isso, entre nós
homens, esse número cai para 49,7%. Porque brincar de casinha é coisa de
menina.
Trabalho doméstico não é considerado trabalho por nossa sociedade,
mas sim obrigação, muitas vezes relacionado a um gênero, que tem o dever
de cuidar da casa. Às vezes, o casal trabalha fora e, nesse caso,
terceiriza-se o serviço doméstico para outra mulher, seja ela babá,
faxineira ou cozinheira. Sem, é claro, garantir a elas todos os direitos
trabalhistas porque, até o Congresso Nacional aprovar nova lei, são
cidadãs de segunda classe. E, diante da possibilidade de pagar direitos
trabalhistas a quem faz o trabalho doméstico, a classe média pira.
A disputa é no campo do simbólico e, portanto, fundamental. Todos
nós, homens, somos inimigos até que sejamos devidamente educados para o
contrário. E os brinquedos que escolhemos para nossos filhos fazem parte
dessa longa caminhada a fim de garantir um mínimo de decência para com o
sexo oposto.
Abaixo, vídeo de uma sensacional campanha do governo do Equador contra o machismo que traduz em imagens o que quero dizer: http://youtu.be/NTxUWQ2IE6s
*Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política. Professor
de Jornalismo na PUC-SP, é coordenador da ONG Repórter Brasil e
blogueiro do Uol.
Imagem da Internet
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