sexta-feira, 2 de julho de 2010

Elogio à sesta

Leonardo Boff *

Van Gogh, A sesta, 1890

Depois que o jornalista e amigo Zuenir Ventura se aventurou, num importante jornal do Rio (29/05), a exaltar os benefícios da sesta como algo que faz bem à saúde e, mais ainda, que representa uma necessidade biológica tornando as pessoas mais inteligentes, me animei a fazer o elogio da sesta. É um velho propósito que alimento há anos, tendo feito até pesquisas sobre o assunto. Era até para justificar o fato de que sou um inveterado sesteiro. Tão inveterado que condiciono algumas palestras à possibilidade de fazer uma pequena sesta depois do almoço nem que seja numa poltrona ou cadeira.

Em Friburgo na Alemanha tomaram tão a sério a minha vontade que numa sala montaram uma cama de campanha para que pudesse fazer a bendita sesta. Mas não aconteceu, porque alguns alemães têm o mau gosto de organizar, durante o almoço, um encontro com algum grupo que quer conversar até sobre questões metafísicas. O resultado é que estragam seu almoço ou você acaba não comendo e, o que é pior, não tem mais tempo de fazer a indispensável sesta.

Pessoalmente vou para cama sempre recalcitrando. Não gosto de dormir e retardo o mais que posso a hora de me deitar. Mas há poucas coisas melhores, entre as gratas satisfações que o Criador deu aos "degradados" filhos e filhas de Adão e Eva, do que uma boa sesta. Não precisa ser longa. Bastam uns 20 minutos. À exceção dos sábados e domingos. Ai, como bom descendente de italianos, tomo dois copos de vinho. Não é tanto pelo vinho, mas por aquilo que ele propicia: uma sesta mais profunda e mais prolongada. Ai eu durmo "a piernas sueltas" como dizem os espanhóis, bem traduzido pelos caboclos mineiros "durmo de pé espalhado".

É misteriosa a origem da sesta. Mas por sua bondade intrínseca deve estar ligada ao processo da antropogênese, quer dizer, deve existir desde que irrompeu o ser humano. Se até os animais fazem sesta, como não iríamos fazê-la nos humanos, irmãos e irmãs mais complexos dos animais?

Alguns acham que no Ocidente ela foi oficialmente introduzida pelos monges e pelos frades. Há um dito saboroso em espanhol que diz: "si quieres matar un fraile, dále de comer tarde e quítale la siesta", traduzindo:"se queres matar um frade, dá-lhe de comer tarde e tira-lhe a sesta". Na Espanha a sesta é tão sagrada que grande parte do comércio fecha por duas horas. Nos conventos, assisti que frades chegavam a colocar pijama para fazer a sesta, especialmente depois de tomarem uns bons copos de vinho seguidos de um excelente conhaque.

Conta-se que Newton e Churchil tiveram suas melhores idéias depois da sesta. Victor Hugo falou da sesta ao se referir ao leão num poema que tem por título: "la meridienne du lion"(a sesta do leão). Beaudelaire en "La belle Dorothée" diz inteligentemente (porque fazia sesta): "a sesta é uma espécie de morte saborosa, na qual quem dorme, semi acordado, degusta as volúpias de seu desaparecimento". René Louis, em suas "Mémoires d'un Siesteur" (Memória de um Sesteiro) diz muito bem: "a sesta permite me observar dormindo; é o momento em que o tempo pára e se cala". F. Audouard, em seus "Pensées" diz belamente: "Na Provence o sol nasce duas vezes: de manhã e depois da sesta".

Aqui está para mim a vantagem da sesta: ela nos brinda uma segunda noite e dois nasceres do sol. A sesta nos permite ter, no mesmo dia, um segundo dia. Ao despertar da sesta, tudo recomeça com renovado vigor como se reiniciássemos o dia.

Se me tolhem a sesta, o corpo se vinga, especialmente durante palestras que ouço: dormito, pestanejo e, não raro, durmo mesmo. Nem posso imaginar um dia inteiro com atividade mental, prestando atenção a tantas coisas e tendo que ordenar não sei quantas ideias sem uma sesta reparadora.

A sesta é uma sábia invenção da vida. Descansa a cabeça, faz esquecer os aborrecimentos e nos dá a rara experiência virtual de docemente morrer (o sono é uma bela metáfora da morte) e de novo ressuscitar.
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* Teólogo, filósofo e escritor
Fonte: Adital online, 02/-7/2010

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