RUBENS BARBOSA*
O presidente FHC, em abril de 2011, portanto, há uns
bons dois anos, em artigo na revista Interesse Nacional
(www.interessenacional.com) discutiu o papel da oposição. Por sua
atualidade, mas sobretudo pela previsão de muitas das circunstâncias
atuais das manifestações sociais e da hesitação das oposições, achei
oportuno resumir e transcrever literalmente alguns trechos com as
opiniões então expressas pelo ex-presidente.
"A maior complexidade para as oposições se firmarem no quadro atual
não diminui a importância de fincar a oposição no terreno político e dos
valores, para que não se perca no oportunismo.
Os cidadãos cansaram de ouvir tanto horror perante os céus sem que nada mude.
É preciso que as oposições se deem conta de que existe um público
distinto do que se prende ao jogo político tradicional e ao que é mais
atingido pelos mecanismos governamentais de difusão televisiva e
midiática em geral.
Existe toda uma gama de classes médias, de novas classes possuidoras
(empresários de novo tipo e mais jovens), de profissionais das
atividades contemporâneas ligadas à TI (tecnologia da informação) e ao
entretenimento, aos novos serviços espalhados pelo Brasil afora, às
quais se soma o que vem sendo chamado sem muita precisão de 'classe C'
ou de nova classe média. A imensa maioria destes grupos - sem excluir as
camadas de trabalhadores urbanos já integrados ao mercado capitalista -
está ausente do jogo político-partidário, mas não desconectada das
redes de internet, Facebook, YouTube, Twitter, etc. É a estes que as
oposições devem dirigir suas mensagens prioritariamente.
Se houver ousadia, os partidos de oposição podem organizar-se pelos
meios eletrônicos, dando vida não a diretórios burocráticos, mas a
debates verdadeiros sobre os temas de interesse dessas camadas.
Não deve existir uma separação radical entre o mundo da política e a
vida cotidiana, nem muito menos entre valores e interesses práticos. No
mundo interconectado de hoje, movimentos protestatários irrompem sem uma
ligação formal com a política tradicional.
Os oposicionistas, para serem ouvidos, precisam ter o que dizer. Não
basta criar um público, uma audiência e um estilo. O conteúdo da
mensagem é fundamental.
O maior equívoco das oposições, especialmente do PSDB, foi o de
haverem sido postas à margem as mensagens de modernização, de
aggiornamento do País, e de clara defesa de um capitalismo democrático
comprometido com causas universais. Neste, a função social do Estado se
mantém tanto na regulação da economia como em sua indução, podendo
chegar a exercer função investidora.
Um Estado moderno será julgado por sua eficiência para ampliar o
acesso à educação, à saúde e à previdência social, bem como pela
qualidade da segurança que oferece às pessoas. A corrupção continua a
ter o repúdio não só das classes médias, como de boa parte da população.
Cabe às oposições serem a vanguarda nas lutas por estes objetivos.
Defender o papel crescente do Estado nas sociedades democráticas,
inclusive em áreas produtivas, não é contraditório com a defesa da
economia de mercado. Pelo contrário, é preciso que a oposição diga em
alto e bom som que os mecanismos de mercado, a competição, as regras
jurídicas e a transparência das decisões são fundamentais para o Brasil
se modernizar, crescer economicamente e se desenvolver como sociedade
democrática.
Cabe às oposições não apenas desmascarar o cinismo, mas, sobretudo,
cobrar o atraso do País: onde está a infraestrutura que ficou bloqueada
em seus avanços pelo temor de apelar à participação da iniciativa
privada nos portos, nos aeroportos, na geração de energia e assim por
diante?
Dirão os céticos que nada disso interessa diretamente ao povo. Ora,
depende de como a oposição venda o peixe. Se especializarmos três ou
quatro parlamentares ou técnicos para martelar no dia a dia, nos
discursos e na internet, o quanto não se avança nestas áreas por causa
do burocratismo, do clientelismo, da corrupção ou simplesmente da
viseira ideológica e se mostrarmos à população como ela está sendo
diretamente prejudicada pelo estilo petista de política, criticamos este
estilo de governar, suscitamos o interesse popular e ao mesmo tempo
oferecemos alternativas.
Na vida política, tudo depende da capacidade de politizar o apelo e de dirigi-lo a quem possa ouvi-lo.
É possível mostrar o quanto pesa no bolso do povo cada despesa feita
para custear a máquina público-partidária e manter o capitalismo
burocrático dos novos dinossauros. E para ser coerente, a oposição deve
lutar desde já pela redução drástica do número de cargos em comissão,
nomeados discricionariamente, bem como pelo estabelecimento de um número
máximo de ministérios e secretarias especiais, para conter a fúria de
apadrinhamento e de conchavos partidários à custa do povo.
Em suma: não há oposição sem 'lado'. Mais do que ser de um partido, é
preciso 'tomar partido'. É isso que a sociedade civil faz nas mais
distintas matérias.
É preciso estabelecer uma agenda. Tomemos um exemplo, o da reforma
política, tema que o governo afirma estar disposto a discutir. Pois bem,
o PSDB tem posição firmada na matéria: é favorável ao voto distrital
(misto ou puro, ainda é questão indefinida).
No mundo contemporâneo, essa agenda brota também da sociedade, de
seus blogs, twitters, redes sociais, da mídia, das organizações da
sociedade civil, enfim, é um processo coletivo.
Na verdade, falta-nos estratégia. Estratégia não é plano de ação: é o
peso relativo que daremos às questões que considerarmos desafiadoras
para nosso futuro e como as abordaremos.
As oposições políticas, por fim, se nada ou pouco tiverem a ver com
as múltiplas demandas do cotidiano, como acumularão forças para ganhar a
sociedade?"
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Pela transcrição, Rubens Barbosa, editor responsável da Revista Interesse Nacional.
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