Para Damásio, existe grande relação entre o cérebro e a
sociedade que construímos.
O uso das redes sociais nas explosões
emocionais que tomaram as ruas do Brasil trouxe, a seu ver, algo de
muito novo para o movimento.
(imagens: Wikimedia Commons)
Em viagem ao Brasil, neurocientista português António
Damásio aborda relações entre emoções, sentimentos e a construção de
nossa vida social e política, além de comentar ‘explosão emocional’ vivida no país.
Há mais de 30 anos sem visitar o Brasil, o neurocientista português
António Damásio se deixou levar pela saudade. Conhecido por seu trabalho
que busca construir as pontes entre a neurociência e o estudo das
emoções e dos sentimentos humanos, Damásio veio ao país para cumprir uma agenda com diversos encontros.
Na última segunda-feira (01/07), apresentou palestra na Fundação
Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, na qual, além de discutir seus
trabalhos mais recentes, avaliou o momento político conturbado pelo qual passa o Brasil, a partir das bases da neurociência.
Segundo o português, existe grande inter-relação entre o cérebro e a
sociedade que construímos. Para ele, nossa consciência se molda a partir
do ambiente, mas a pessoa social também é determinada pela biologia e
por fenômenos que podem ser estudados pela neurobiologia, como as emoções. “É possível abordar temas como
religião, justiça e política a partir da neurociência”, afirmou
Damásio. “Não há nada de pouco respeitável nisso; apesar de sermos em
grande parte biologia, não somos só biologia, mas também frutos da
civilização, o que cria espaço para a individualização.”
“Se as situações de sofrimento não chegam a ser novas, a comunicação em rede dá um caráter muito diferente às mobilizações, temos algo de muito novo em tudo isso”
Para o neurocientista, as manifestações no país têm relação com a ruptura de ‘valores sagrados’ instituídos ao longo do tempo nessa estrutura biológica e social, como saúde e respeito pela verdade. “Quando um grupo razoável de pessoas considera que há falta de cuidado com essas questões, podem surgir reações emocionais como as que vemos nas ruas, muitas vezes violentas”, avaliou.
Ele destaca a espontaneidade do movimento e a importância das redes
digitais nesse processo. “Se as situações de sofrimento não chegam a ser
novas, a comunicação em rede
dá um caráter muito diferente às mobilizações, temos algo de muito novo
em tudo isso”, avaliou. “No caso dos protestos do Brasil, há, sim,
alguma relação com questões globais, mas as circunstâncias brasileiras também são muito particulares.”
Linguagem, emoções e complexidade
Na avaliação de Damásio, o estudo da neurociência começou
ao revés, a partir da linguagem, uma capacidade surgida numa etapa
avançada da evolução. Seu trabalho procura mapear processos cerebrais
mais básicos: sentimentos e emoções. Para ele, as emoções – como nojo, medo, alegria, orgulho e admiração – são ‘exteriores’, lidas com facilidade e ligadas a programas de ação preestabelecidos, embora complexos; já os sentimentos têm maior grau de sofisticação biológica e ligação com o que ocorre no interior do corpo.
“As emoções são programadas pela educação que recebemos e pela
biologia, tanto que podemos encontrar precursores em outros seres com vida social, embora sem a mesma complexidade”,
explicou Damásio. “Já os sentimentos permitem, por exemplo, aprender e
prever situações vantajosas, fundamental para a capacidade de planejar,
além de abrir as portas da imaginação, do conhecimento, da consciência e
de uma cultura complexa.”
As emoções são programadas pela educação e pela biologia, tanto que podemos encontrar precursores em outros seres com vida social. Já os sentimentos abrem as portas da imaginação, da consciência e de uma cultura complexa
Em seu laboratório na Universidade do Sul da Califórnia, o português
realiza trabalhos experimentais sobre neurociência cognitiva, em
especial estudos na interface entre neurologia, fisiologia e psicologia.
"Empregamos, por exemplo, mapeamentos de ressonância magnética e
técnicas de eletrofisiologia, que avaliam a atividade elétrica cerebral,
em seres humanos normais ou com
lesões cerebrais, para testar uma larga gama de tópicos", explicou
Damásio. "Também usamos métodos de neurobiologia celular e molecular
para estudar a base celular dos sentimentos."
Seus estudos têm mostrado, por exemplo, que, embora o córtex cerebral (parte mais ‘complexa’ do órgão) seja a menina dos olhos da neurociência, a origem dos sentimentos pode estar em níveis mais ‘básicos’ – como destaca em seu último livro, de 2012.
“Em pacientes que perderam partes específicas do cérebro, os
sentimentos persistem, prova de que o córtex não é a base neural deles”,
avaliou. “O ‘eu’ nasce em uma região mais primitiva, o tronco cerebral,
que regula funções como
frequência cardíaca e pressão arterial.” Para o português, no entanto, o
córtex continua fundamental por ser a base para aspectos como raciocínio, o conhecimento e a memória.
Sobre nós e os outros
Segundo Damásio, um maior conhecimento das bases biológicas de
emoções e sentimentos pode ter um enorme impacto na saúde pública. “A
neurociência dos sentimentos e emoções pode vir a responder muitas das
incógnitas que rodeiam os vícios, a depressão e outras síndromes
psiquiátricas no que diz respeito às suas causas e contribuir para criar
novos tratamentos e medicações”, avaliou.
Além disso, suas pesquisas podem ajudar a conhecer melhor os animais. Por exemplo, como o tronco cerebral é uma estrutura que compartilhamos com muitos deles, o neurocientista defende que o homem não é o único ser vivo com
acesso aos sentimentos. “Nos níveis mais baixos, a emoção marca um
início de consciência; já no nível mais alto, existe um ‘eu’
autobiográfico na mente, complexo,
capaz de pensar sobre si e de criar uma linguagem elaborada”, explica.
“Acho altamente improvável que os animais não tenham consciência, mas
ela não deve ser tão complexa como a nossa.”
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Reportagem Por: Marcelo Garcia
Fonte: http://cienciahoje.uol.com.br/noticias/2013/07/o-cerebro-o-2018eu2019-e-a-sociedade
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