segunda-feira, 1 de julho de 2013

Produtivismo acadêmico – Sobre as dificuldades de escrever!

Antonio Ozaí da Silva

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A Profa. Ana Maria Netto Machado, no texto publicado na obra A bússola do escrever: desafios na orientação de teses e dissertações, organizada por ela e o Prof. Lucídio Bianchetti, afirma:
“A observação prática nos mestrados demonstra, de uma maneira inquestionável, que 15 ou mais anos de língua português não desenvolveram, na grande maioria dos adultos, qualquer intimidade com a sua própria escrita, de modo que eles não conseguem escrever com facilidade, nem razoavelmente, nem corretamente, nem sem sofrimento. Isto é válido para autores ávidos, oradores eloqüentes e bem-sucedidos, cuja cultura não lhes garante a habilidade para escrever. É fácil constatar essas teses no meio acadêmico entre bons professores”.[1]
Ela conclui que, “salvo raras exceções, podemos insistir, sem equivoco, que 15 anos de língua portuguesa não habilitam para escrever”.[2]

Embora a obra referida tenha sido publicada há 10 anos, o diagnóstico é, no mínimo, preocupante. Será que o quadro geral mudou? Não tenho condições de aferição plena, pois não participo da pós-graduação, mas me parece que a percepção da professora permanece válida. A minha experiência em participação em bancas, enquanto leitor dos trabalhos acadêmicos na graduação e como editor e consultor dos artigos ditos científicos confirma-o. Não é meu intuito desvalorizar nenhum autor, graduando ou pós-graduando, mas apenas constatar um fato que corrobora as palavras da professora.
Espera-se dos pós-graduandos que concluam seus trabalhos e defendam suas teses e dissertações, especialmente se recebem bolsas. São recursos da sociedade e, portanto, há imperativo ético. A responsabilidade social do pós-graduando é imensa e não diz respeito apenas ao orientador, programa e instituição.

Nem sempre a defesa e o título conquistado têm relação estreita com o domínio da escrita e o escrever bem. Aliás, a experiência editorial, especialmente na Revista Urutágua, demonstra que não existe relação de causalidade entre titulação e capacidade de escrever. Já li textos de graduandos melhores escritos do que outros cujos autores são pós-graduandos, mestres e até mesmos doutores.
Se o pós-graduando enfrenta dificuldades para escrever sua dissertação ou tese, por que exigir que escreva artigos para periódicos? Ora, sejamos sensatos, nem todos temos inspiração ou competência inerentes ao bom escritor. Escrever é algo mais do que juntar palavras, organizar citações, apresentar tabelas e quadros que possam impressionar. A escrita por obrigatoriedade produz resultados desanimadores e, muito vezes, o auto-engano. A vaidade é também uma forma de ilusão! No mercado dos bens simbólicos, a publicação de um artigo não oferece certificado de boa escrita, mas apenas a constatação de que se cumpriu a demanda produtivista. Se o pós-graduando se vê pressionado a publicar, por que não antecipar a publicação da dissertação em forma de artigos? Como pode o mestrando/doutorando se dedicar ao seu trabalho final se tem que publicar agora? É preciso muita capacidade para se desdobrar…

Para muitos escrever é quase como uma tortura – não é por acaso que pós-graduandos entram em crise psíquica e, muitas vezes, comprometem a saúde física e as relações pessoais. Deveria ser suficiente esperar que concluam o trabalho de pós-graduação. Há as exceções, os que não têm problemas em produzir, ou seja, lidam com a escrita de forma tranqüila – e há também os competidores compulsivos, os quais se alimentam psiquicamente da pressão produtivista. Não obstante, para além das exigências formais e éticas, é mais sensato aceitar o fato de que nem todos gostamos de escrever, que não temos o mesmo domínio da escrita e aptidão. Não é melhor resguardar o direito de quem não quer publicar ou escrever de acordo com a capacidade e condições?

Por que e prá quê publicar? Por que obrigar o pós-graduando a isto? Não é suficiente que conclua a pós-graduação da melhor forma possível? Que ele publique, mas se for capaz e desejar. Da mesma forma, por que exigir do seu orientador a publicação de artigos? Também ele não tem o direito de ser “improdutivo”? As exigências produtivistas nos cegam diante de um simples fato: escrever não é fácil e nem está automaticamente vinculado à titulação. Publicar e escrever bem não são sinônimos. Escrever deveria ser um exercício prazeroso e não um tormento!

[1] MACHADO, Ana Maria Netto. A relação entre autoria e a orientação no processo de elaboração de teses e dissertações. In: BIANCHETTI, Lucídio e MACHADO, Ana Maria Netto (orgs.) (2002) A bússola do escrever: desafios na orientação de teses e dissertações. Florianópolis: Editora da UFSC; São Paulo: Cortez Editora, p.52
[2] Id., p. 53.

 Produtivismo acadêmico – Sobre as dificuldades de escrever (2)

Se alguém nota que
estás escrevendo bem,
toma cuidado: é caso de
desconfiares… O crime
perfeito não deixa vestígios
.
(Mario Quintana)
1171 
Um dos efeitos perversos do produtivismo acadêmico é o atropelo e, muitas vezes, o assassinato da língua de Camões. Na urgência de publicar violenta-se a “última flor do Lácio, inculta e bela”.[1] A pressa é inimiga da perfeição, afirma o dito popular. Nem se trata de exigir o texto perfeito, pois o erro é próprio do humano – o perfeccionismo é a angústia do ser que se eleva à altura dos deuses, mas encontra-se acorrentado à condição humana necessariamente imperfeita.

A precipitação é má conselheira, atropela o bom senso e exige muita paciência dos leitores. Autores encaminham textos sem a adequada revisão gramatical e ortográfica. Alguns nem se dão ao trabalho de utilizar a ferramenta de revisão disponível no editor de textos. Ausência ou excesso de autoconfiança? Preguiça intelectual? O editor do periódico e/ou professor orientador que se virem! Editores, pareceristas e professores que orientam etc., são convertidos em revisores.[2] Muitas vezes, veem-se diante de textos acadêmicos auto-proclamados científicos que exigem muito mais do que a revisão ortográfica e gramatical, ou seja, precisam ser reescritos. Isto é exigir demais, até mesmo dos revisores profissionais. Talvez o professor-orientador, pressionado por prazos e exigências formais se sujeite a este papel – o que, em muitos caos, reforça a pretensão à co-autoria.

Desconhecimento da língua? Dificuldades com a escrita? Provavelmente. Mas o infeliz do candidato a escritor vê-se obrigado a publicar, é pressionado por exigências acadêmicas – especialmente nos programas de pós-graduação. Por que se expor? Por que não tomar as precauções mínimas? Por que não utilizar os recursos tecnológicos à disposição? Por que não solicitar ajuda? Se é necessário, por que não recorrer aos préstimos do revisor profissional? O caminho que parece mais fácil nem sempre é o melhor. Pior é o auto-engodo. O ególatra não vê o óbvio, ressente-se diante da crítica quando deveria agradecer, permanecer alerta e nutrir a humildade.

Não por acaso, periódicos exigem que os textos sejam revisados antes da submissão e que o autor apresente declaração do profissional – há situações em que é exigido aos autores que encaminhem seus trabalhos a revisores indicados pelos periódicos, o que constitui reserva de mercado. Seja como for, há a necessidade de revisão. Isto sugere que os textos que porventura lemos – artigos, dissertações e teses – não expressam, necessariamente, o domínio da língua e da escrita por parte dos autores. As dificuldades neste campo são minimizadas e acobertadas pelo trabalho do profissional que faz a revisão – isto quando é encaminhado antes de passar pelos trâmites formais da academia. Quantos encaminham seus textos à revisão antes das bancas de qualificação e defesa ou mesmo depois? Entre os agradecimentos, geralmente registrados nos trabalhos acadêmicos, deveria constar a referência ao revisor. Como, em geral, esta é uma atividade profissional, o pagamento monetário parece suficiente.

A experiência docente e como editor de revistas tem demonstrado que escrever bem não é sinônimo de titulação acadêmica. O título de doutor ou pós-doutor não indica necessariamente habilidade na escrita ou ausência de dificuldades. O trabalho do revisor permanece necessário, bem como o alerta sobre o auto-engodo e a humildade de reconhecer as próprias limitações. Escrever bem é trabalhoso e exige aprendizado permanente. O tempo da escrita nem sempre se ajusta ao tempo do produtivismo acadêmico![3]

* Ver Produtivismo acadêmico – Sobre as dificuldades de escrever!, publicado em 15/12/2012.
[1] Soneto do poeta Olavo Bilac. Ele se refere à última língua derivada do latim vulgar falado no Lácio, região italiana, por camponeses e camadas populares. Apesar da sua origem popular, “inculta”, é uma língua “bela”.
[2] Ver, em Produtivismo acadêmico – Sobre as dificuldades de escrever!, a observação da Profa. Ana Maria Netto Machado sobre as dificuldades para escrever, mesmo após 15 ou mais anos de aprendizado formal da língua portuguesa.
[3] A propósito, sugiro a leitura de A arte de escrever e Como escrever?
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Fonte:  http://antoniozai.wordpress.com/2013/06/29/produtivismo-academico-sobre-as-dificuldades-de-escrever-2/

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