sexta-feira, 31 de maio de 2013

Best-seller sueco, ‘O ancião que saiu pela janela e desapareceu’ ganha edição no Brasil

Sucesso inesperado. Ex-jornalista, Jonas Jonasson virou autor aos 47 anos Foto: Terceiro / Divulgação/Jonas Fönster


Sucesso inesperado. Ex-jornalista, Jonas Jonasson virou autor aos 47 anos Terceiro / Divulgação/Jonas Fönster 

Livro de Jonas Jonasson vendeu milhões de cópias em seu país 

Rio - Forrest Gump pode guardar sua caixa de bombons. Com “O ancião que saiu pela janela e desapareceu”, o escritor sueco Jonas Jonasson lançou um sério concorrente ao posto de viajante mais excêntrico: trata-se de Allan Karlsson, um velhinho teimoso que foge do asilo no dia de seu aniversário de 100 anos, e termina numa corrida frenética — e de pijamas — pela Suécia. O romance, que acaba de chegar ao Brasil pela Record, é a estreia tardia de Jonasson na literatura. Jornalista de formação, ele começou a escrever ficção aos 47 anos, após vender sua milionária agência de consultoria de mídia, passar por duas grandes cirurgias nas costas, e enfrentar um divórcio difícil. Logo na primeira tentativa, emplacou um best-seller inesperado, adquirido por 35 países.

— Terminei de escrever o livro em meu 47º aniversário — conta Jonasson, hoje com 52 anos. — O que estou querendo dizer é: eu não estava pronto para escrevê-lo... seja aos 23 ou aos 37, ou com qualquer idade antes disso. O romance foi escrito de forma que eu mesmo pudesse lê-lo, sem considerar de que maneira um livro “deveria” ser escrito. Fiquei tão feliz quando meu manuscrito foi aceito por uma editora, que não me importava se vendesse 600 ou 6 mil cópias. Eu tinha uma identidade de novo, eu era um autor.

Roubos e explosivos
Embora o autor jure que não tenha antecipado nada, seu personagem parece ter sido criado na medida para agradar a um determinado público. Após fugir do asilo, Allan Karlsson afana uma bagagem cheia de dinheiro e logo se vê perseguido pela polícia local e por uma gangue de criminosos. Apesar das pernas fracas, atrai cúmplices (entre eles, uma elefanta), neutraliza seus adversários e ainda se revela um especialista em explosivos. Com seus muitos talentos, torna-se suspeito de triplo assassinato pela imprensa sueca.

Paralelamente às aventuras atuais do ancião, Jonasson narra, em uma série de flashbacks, sua trajetória ao longo do século XX. Por coincidências inexplicáveis, Karlsson participou de alguns dos principais eventos da Humanidade. Além de ter sido amigo do ex-presidente americano Harry S. Truman, conheceu Mao Tsé-Tung, Kim Jong-il, Churchill e até um irmão ilegítimo de Einstein num gulag.

— Desde o início tive a ideia de descrever o século XX de forma humorística, mas ainda assim ressaltando as lacunas da Humanidade — explica Jonasson. — Para isso eu precisava de um guia através do século, e o personagem tinha que ter idade o suficiente para cobri-lo. Mas, durante a escrita, Allan e eu acabamos por nos conhecer melhor. No fim, foi ele que virou o centro da história, e não o século.

Jonasson diz que seu livro vendeu mais de 6 milhões de cópias. Já a editora crava 4,5 milhões. De qualquer maneira, “O ancião que saiu pela janela e desapareceu” é mais um sucesso comercial sueco, que desta vez varia um pouco dos thrillers de Stieg Larsson (da trilogia “Millennium”). Jonasson, aliás, não sabe explicar por que tantos best-sellers sangrentos são exportados por seu país.

— Tenho pensado bastante sobre a questão, mas nunca cheguei a uma resposta — diz. — Eu não estava ciente do sucesso internacional da ficção de crime sueca até virar, eu mesmo, autor e ter de defendê-la.

Depois de superar seus problemas físicos e emocionais, Jonasson começou uma nova vida como escritor. Hoje mora confortavelmente numa ilha sueca, com seu filho e uma criação de galinhas. Ele consegue prever que tipo de velhinho será se chegar, como seu personagem, aos 100 anos?

— Ah, eu gostaria de citar Groucho Marx nessa: “Pretendo viver para sempre, ou morrer tentando.” Groucho falhou, vamos ver como me saio. Como serei aos 100 anos? Provavelmente insuportável.
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Reportagem por Bolívar Torres (Facebook · Twitter)
Fonte:http://oglobo.globo.com/cultura/best-seller-sueco-anciao-que-saiu-pela-janela-desapareceu-ganha-edicao-no-brasil-8547583#ixzz2Uu4zjXYE

‘Má imagem do Banco do Vaticano prejudica mensagem do Papa’

Aos 52 anos, Ernst von Freyberg garante ter encontrado transparência e cooperação nos bastidores do Banco do Vaticano Foto: Elisabetta Piqué / La Nación

Aos 52 anos, Ernst von Freyberg garante ter encontrado transparência e cooperação nos bastidores do Banco do Vaticano Elisabetta Piqué / La Nación 

Ernst von Freyberg, novo presidente do Instituto para Obras de Religião, defende política de tolerância zero diante de irregularidades O empresário descarta os rumores de que o Papa Francisco tenha interesse em fechar a instituição financeira Sua principal missão é limpar a imagem do IOR, onde suspeitou-se que até Osama bin Laden tinha uma conta

ROMA — O novo presidente do Instituto para Obras de Religião (IOR), Ernst von Freyberg, tem pela frente um desafio gigantesco: limpar a imagem do chamado Banco do Vaticano. Ele é o sucessor de Ettore Gotti Tedeschi, o banqueiro do Opus Dei, afastado em meio a um escândalo no ano passado.
Freyberg contratou uma empresa americana de auditoria contra as denúncias de lavagem de dinheiro na instituição. E para provar que uma nova era, de transparência, começa na contestada instituição, esse empresário e advogado alemão, de 52 anos, abriu pela primeira vez as portas de seu escritório ao jornal argentino “La Nación” — integrante do Grupo de Diários América (GDA), do qual O GLOBO faz parte.

Por que o IOR tem uma imagem tão ruim e o que fará para revertê-la?
Essa é a única pergunta importante, um tema essencial. Meu objetivo principal é acabar com essa má imagem que fere a mensagem do Papa ao mundo. Na minha análise, um triângulo criou essa imagem negativa: o primeiro lado é que muitas coisas no passado não deveriam ter ocorrido, e menciono apenas o Banco Ambrosiano. O segundo, o IOR está sujeito a uma interminável sequência de rumores e calúnias que são apenas fantasmas. O terceiro lado do triângulo é que o IOR nunca se comunicou. Alguém que não se comunica está também mandando uma mensagem.

O que fará para reverter isso?
Para começar, aplicar uma política de tolerância zero diante de qualquer irregularidade. Eu contratei os melhores consultores do mundo, peritos em políticas de combate à lavagem de dinheiro, do Promontory, dos Estados Unidos, para revisar todas as contas que temos, uma a uma. E para revisar nossas estruturas e procedimentos de forma a cumprir com os máximos padrões internacionais contra a lavagem de dinheiro.

Mas houve lavagem de dinheiro?
Não sei quanto ao passado muito distante. Mas hoje não tenho indicações de que se tenha lavado dinheiro. Se eu detectar um caso, vou agir sem piedade.

Não existem contas ocultas ou anônimas, como se denunciou?
Agora vamos à segunda parte do triângulo, a que não diz respeito a feitos, mas a fantasmas. Um deles é o de que há contas ocultas. Mas não há, é contra a lei e desde 1996 é impossível tê-las em nosso sistema. Há pelo menos 15 anos, não há contas ocultas aqui e não sei se havia antes.

O presidente anterior do IOR, Ettore Gotti Tedeschi, depois de ser demitido no ano passado, alegou que temia ser assassinado, que havia contas ocultas e que, quando pediu informações sobre elas, teve acesso negado. Ele acusou o vice-presidente Paolo Cipriani de ocultar dados. Isso é um fantasma?
Nunca conheci Tedeschi e não posso falar da experiência dele. A minha experiência é a de que o instituto é muito cooperativo, que Cipriani é muito cooperativo. Uma das primeiras coisas que fiz foi verificar todos os nomes ligados a nós. Eu mesmo sentei com Cipriani e o vice-diretor na frente do computador e olhei todos os nomes impróprios, se tinham alguma conta aqui. Nenhum tem.

Não saíram à luz os nomes de mafiosos e criminosos?
Sim. Lendo os jornais, diziam que Osama bin Laden tinha conta com a gente: fui ao sistema e pesquisei se tínhamos um Osama, ou um Bin ou um Laden. Tampouco encontrei Toto Riina (um mafioso do grupo Cosa Nostra) ou gente da Magliana (grupo criminoso que atuava em Roma entre os anos 1970 e 1980). Não só não encontrei esse tipo de nomes como também tive a maior cooperação da administração. Encontrei transparência. Agora, como presidente, não posso controlar as 19 mil contas e, por isso, contratei a Promontory, que é numero um no mundo na luta contra a lavagem.

Então o plano básico é limpar a imagem do IOR...
O plano tem dois elementos essenciais: limpar a imagem e limpar nossas contas, o que significa controlar se há contas impróprias. No momento, não temos indicações disso. Quanto à imagem, é preciso ser transparente e conversar, começando por falar com nossos funcionários, com a Igreja, com os cardeais, com a Cúria, e por fim, com cada um dos católicos do mundo. Nossa reputação incide na mensagem da Igreja em todo o mundo.

Muitos acham que o Papa poderia determinar o fim do IOR ou transformá-lo em um banco ético...
Eu estou aqui para servir ao Papa e para que o IOR seja uma instituição bem administrada, de boa reputação. O Papa decidirá o que quiser, mas eu não quero que o IOR seja um problema para ele.

O fechamento poderia ser possível ou é apenas um rumor?
É só um rumor. É um dos tantos fantasmas que nos rondam, e eu prefiro os fatos. Os fatos são que eu tenho a tarefa de gerenciar o IOR com os mais altos padrões de ética internacional, e o Papa deve decidir se vai mudar a missão. O que é certo é que os nossos 19 mil clientes precisam do serviço. E por falar em transparência e reputação, vamos publicar um relatório anual, incluindo o ano de 2012, e também as contas auditadas. Além disso, vamos abrir no dia 1º de outubro um site onde poderá ser feito via internet o download do relatório anual com a situação financeira.

O senhor se reuniu e discutiu tudo isso com o Papa?
Não. Tenho o privilégio de ficar também na Residência de Santa Marta e, uma vez, depois da missa da manhã, pude saudá-lo brevemente.

Então, nunca falou com ele da reforma do IOR...
Não. Estou aqui para servi-lo, acho que o Papa tem coisas mais importantes a fazer e, reitero, meu trabalho é que ele não tenha problemas com o IOR.
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Construindo Derrida

 Ulf Andersen/Getty Images / Ulf Andersen/Getty Images
Judeu sem ser judeu, porque a perseguição nazista obrigou a família a esconder as origens judaicas. Francês sem ser francês, porque nasceu em uma colônia que depois abriria guerra contra a França. Filósofo sem ser filósofo, inúmeras vezes criticado e rejeitado por não seguir as regras da pesquisa filosófica. De esquerda sem ser marxista, o que muitas vezes lhe rendeu desconfianças políticas. É desse estranho lugar sem ser lugar que fala "Derrida" (ed. Civilização Brasileira; trad. André Telles; 742 págs.; R$ 79,90), a biografia do pensador franco-argelino Jacques Derrida (1930-2004) escrita pelo também filósofo Benoît Peeters, de 56 anos. O autor do livro conta como Jackie Élie Derrida, nascido em um subúrbio da Argélia, quarto filho de uma família modesta de magrebinos, se transformou no pensador Jacques Derrida, autor de uma obra filosófica imensa, de outros tantos conflitos com seus contemporâneos franceses, e de um reconhecimento internacional que incluiu sólida carreira acadêmica nos Estados Unidos.

Se, como argumenta o psicanalista francês Gérard Wajcman, o século XX é o século dos objetos, e o melhor objeto que representa o século XX é a ruína, o livro mostra como Derrida foi um dos pensadores mais importantes do século das ruínas por ter proposto uma experiência filosófica a partir da desconstrução - que virou moda em uma interpretação frívola e superficial -, tantas vezes confundida com destruição e motivo de conflitos com contemporâneos como Michel Foucault (1926-1984) ou com mestres como Jacques Lacan (1901-1981).

Resultado de dois anos de pesquisas e entrevistas, Peeters teve acesso aos arquivos de Derrida na França e nos EUA (o filósofo guardou obsessivamente tudo o que fez, as cartas que escreveu, e foi arquivista de sua obra) e situa a vida e produção do filósofo como parte de um tempo particularmente rico do pensamento francês. "Não são elementos filosóficos, mas também não são elementos estranhos à filosofia. É um jogo entre o que está dentro e o que está fora da obra", diz Peeters.
Seu maior desafio foi escrever de um ponto de vista que não fosse o de discípulo, filósofo ou amigo, embora tenha conhecido Derrida e o admirado. "Quis escrever um livro que não fosse reservado apenas aos que já conhecem a obra de Derrida, mas que também servisse para mostrar a grande ressonância da obra desse filósofo, considerado tão difícil de ler", afirma Peeters na entrevista a seguir.

Valor: O senhor escreveu uma biografia de Derrida como uma tentativa de dar um sentido lógico e cronológico ao pensamento do filósofo?
Benoît Peeters: Como atribuímos a ele a palavra "desconstrução", é paradoxal querer construí-lo. Mas tentei mostrar como ele se construiu como filósofo, como indivíduo, sua trajetória e também seu contexto, a história de suas ideias, os outros pensadores em torno dele, além dos fatos históricos, como a guerra da Argélia, o pós-colonialismo, os acontecimentos de Maio de 68, o 11 de Setembro - que tiveram forte influência sobre seu pensamento. Derrida não aceitaria a ideia de que a vida explica a obra, mas penso que aceitaria a ideia de que a vida tem uma relação estranha e múltipla com a obra. Derrida foi um filósofo que pensou sobre a autobiografia, por acreditar na importância da singularidade de um filósofo. Não era um filósofo do neutro, do impessoal, da humanidade em geral, mas um filósofo da diferença, da singularidade, e que conferiu um lugar especial à experiência individual. Sua biografia - a Argélia da sua infância, o judaísmo, sua carreira internacional - me pareceu interessante de ser recontada.

Valor: O senhor apresenta um jovem Derrida inseguro, tímido, que não corresponde ao grande filósofo que veio a se tornar depois.
Peeters: Antes da publicação de seu primeiro livro ["Introdução à Origem da Geometria de Husserl"], Derrida não se parece em nada com a ideia que a maioria das pessoas têm dele. O primeiro Derrida é angustiado, carente de autoconfiança, talvez por causa de sua origem argelina, de sua expulsão da escola, aos 12 anos, durante a Segunda Guerra. Inseguro porque só saiu da Argélia pela primeira vez aos 19 anos, quando foi para Paris, onde se sente um pouco perdido, temeroso em relação ao concurso para a Escola Normal Superior. Nesse período, seu temperamento é melancólico e ele alimenta dúvidas sobre sua capacidade de escrever. Derrida só se liberta dessa dificuldade depois que seu primeiro livro é bem recebido e quando surgem os pedidos de artigo e de conferências. A partir daí, Derrida agiu sempre como um filósofo de circunstâncias, de situação, que respondia às demandas. Ele construiu uma obra a partir disso, mas não se permitia escrever sozinho. Derrida tinha necessidade de responder ao outro, por isso escreve sobre hospitalidade, com hospitalidade.

"Ao longo da vida, Derrida se representou 
como uma vítima, um mal-amado, 
um rejeitado, um marginal", 
diz Peeters

Valor: Essas angústias iniciais orientam os temas de sua obra? E os conflitos com seus pares?
Peeters: Derrida é um filósofo do seu tempo, mas também era intempestivo, como diria Nietzsche, que buscava agir com liberdade, a partir dos seus temas, e não se limitava a obedecer ao pensamento dominante. A França daquele momento é um período brilhante, com pensadores como Michel Foucault, Roland Barthes, Jacques Lacan, Louis Althusser, Emmanuel Levinas, Gilles Deleuze e muitos outros. Ele viveu em uma época muito rica. Dois de seus colegas de classe eram Pierre Bourdieu e Michel Serres. É nesse ambiente que vai procurar seu lugar, seu caminho singular. Nos primeiros tempos, Derrida tem dificuldades com as instituições, com a tradição filosófica, e faz experiências que não são bem compreendidas, como os livros "Glas" e "Cartão-Postal" [ed. Civilização Brasileira], ambos diferentes da tradição filosófica. Só ao fim da vida ele se permitiu falar de temas como hospitalidade, o segredo, o perdão, o testemunho e a pena de morte, que já estavam no coração de sua obra. Os temas subjacentes do seu pensamento se tornam explícitos nos anos posteriores, também porque sua notoriedade o permite ser ele mesmo, afirmar suas preocupações.

Valor: É nesse momento que o tema da hospitalidade ganha destaque no seu pensamento?
Peeters: A hospitalidade é uma das questões mais importantes de seu pensamento na medida em que ele - judeu, argelino, excluído - solicitou hospitalidade e não a recebeu, ou a recebeu de forma difícil. Ele pensa a hospitalidade a partir do lugar de quem bate à porta e não está seguro de que será atendido. É por isso que, ao fim da vida, ele se engaja na causa dos "sans-papiers" [sem-papéis], que tem relação com seus primeiros trabalhos sobre o lugar e a função do texto e da escrita. Derrida é engajado, mas tenta ligar suas intervenções públicas aos temas que estão no coração do seu pensamento. É um filósofo que busca uma forma nova de intervir no debate público. Ele não esquece a filosofia em prol da atuação política.

Valor: O senhor pode dar um exemplo desse tipo de engajamento?
Peeters: No seu apoio a Nelson Mandela, por exemplo, Derrida se empenha em mostrar como ele é um grande jurista e como seu pensamento sobre o direito é mais forte do que o pensamento dos dirigentes da África do Sul - o que indica a possibilidade de ele vir a se tornar um grande líder político. Ele diz que se deveria, sim, defender Mandela, mas sobretudo se deveria ler Mandela (não diz apenas que é preciso libertá-lo). Da mesma forma, o seminário sobre a pena de morte é também uma releitura da tradição filosófica sobre a pena de morte. Derrida desconstroi essa tradição. A imagem pública da filosofia de Derrida é de uma filosofia longe do mundo, afastada, distante, reservada apenas aos iniciados. O que tentei fazer no livro foi mostrar que seu pensamento é profundamente inscrito na turbulência do século e pode ser lido por todos aqueles que quiserem discutir as questões sobre as quais trabalhou.

 "A filosofia é um lugar de combate, de poder, 
é um campo de guerra. Mas esse combate não é estéril.
 Quando dois pensadores se confrontam, pode surgir alguma coisa de novo. Um pensamento se constrói contra outro. 
Nessa cena filosófica, Derrida foi por vezes vítima, 
por vezes combatente."

Valor: Derrida foi um personagem muito turbulento e alguns de seus conflitos ficaram famosos. Quais mais o marcaram?
Peeters: Quando se diz que Derrida e Foucault tiveram um conflito, parece que eles nunca se entenderam. Na verdade, em 1963, quando Derrida, de forma muito tímida, perguntou a Foucault se poderia dedicar uma conferência à "História da Loucura", Foucault não apenas aceitou como ficou feliz. Foucault, que era cinco anos mais velho que Derrida, começava a dar aulas e ficou contente de ter um jovem filósofo escrevendo sobre ele. Nesse primeiro momento, escreveu uma carta a Derrida, dizendo: "Você leu Descartes melhor do que eu". Alguns anos depois, Foucault e Derrida se tornaram iguais, do ponto de vista institucional, e rivais filosóficos. Foi só a partir do momento em que se tornou famoso que Foucault rejeitou a crítica de Derrida. O interessante nesse caso é a temporalidade. O mesmo ocorre em relação a Lacan, que se considera um mestre, já que é 29 anos mais velho. Quando se conheceram, entre 1963 e 1965, Lacan o achava notável e percebeu que Derrida seria um bom discípulo. Mas Derrida, embora estivesse muito interessado em Lacan, não pretendia tornar-se um discípulo. Quando Derrida escreveu "O Carteiro da Verdade", em 1975, o fez de forma independente. Não é um texto assim tão crítico a Lacan, mas também não é reverencial, admirativo e obediente. É um texto que diz: "Podemos trabalhar sobre o texto de Lacan". O psicanalista não suportou essa abordagem e a relação entre os dois nunca funcionou. Mas da parte de Derrida sempre houve, desde o início, um grande respeito por Lacan.

Valor: Esses conflitos foram importantes no desenvolvimento da obra de Derrida?
Peeters: Sim, se considerarmos que o campo filosófico não é um lugar neutro, no qual todos os filósofos avançam juntos, lado a lado, em direção à sabedoria e à verdade. A filosofia é um lugar de combate, de poder, é um campo de guerra. Mas esse combate não é estéril. Quando dois pensadores se confrontam, pode surgir alguma coisa de novo. Um pensamento se constrói contra outro. Nessa cena filosófica, Derrida foi por vezes vítima, por vezes combatente.
Arnaud Février/Divulgação / Arnaud Février/Divulgação 
Benoît Peeters: "Derrida não aceitaria a ideia de que a vida explica a obra, mas penso que aceitaria a ideia 
de que a vida tem uma relação estranha e múltipla com a obra"
 
Valor: O senhor acredita que grande parte dos conflitos se dá por uma nunca esclarecida confusão entre desconstrução e destruição?
Peeters: Derrida sempre disse que só se debruçou sobre textos que amava. Nesse sentido, o gesto da desconstrução é um gesto de amor, embora muitos ainda pensem que desconstruir um autor é mostrar que aquele autor não tem bases sólidas ou é um reacionário. No fim de sua vida, Derrida definiu a desconstrução como uma afirmação, mas é uma afirmação que toma o pensamento do outro para levá-lo adiante, para levá-lo a sério. Essa é a abordagem criativa do pensamento de Derrida. Para seus contemporâneos, no entanto, não foi fácil. Conforme Derrida foi se tornando um filósofo famoso, que ganhava espaço na cena acadêmica dos EUA, essas desconstruções muitas vezes se confundiam com críticas ou eram mal recebidas. Não se trata de dividir os filósofos entre amigos e inimigos de Derrida, mas de compreender o interior de cada um dos conflitos como parte das disputas entre amigos, mestres, discípulos, alunos, disputas que também influenciam a recepção do pensamento dele.

Valor: Uma das características de Derrida que incomodava seus pares é o fato de que não respeitava fronteiras, lia muitos autores, tinha como particularidade não se fechar, ocupava espaço já ocupado por outros. Isso contribuiu para os conflitos?
Peeters: Os filósofos são, em geral, especializados em filosofia antiga, medieval, lógica, moderna. Derrida recusava esse sistema em favor de uma abertura extraordinária. Lia de Artaud a Marx, de Maurice Blanchot a Freud, de Platão a Hegel, de James Joyce a Helene Cixous, em uma amplitude que não estabelecia barreiras ou limites entre o que pode ou não pode ser lido na filosofia. No início, quando ele se debruçava sobre Husserl e sobre a fenomenologia, sua filosofia ainda era muito técnica, mas pouco a pouco ele ampliou sua atuação. O pensamento de Derrida se aventurava cada vez mais, se tornava mais lírico. Mas esse movimento aberto também acentuava os atritos, porque ele não se continham nem ao campo filosófico nem ao campo francês. Muito rapidamente o território da desconstrução se ampliou também geograficamente, quando Derrida se estabeleceu nos EUA.

Valor: Foram esses atritos que fizeram dele um autor mais lido nos EUA do que na França?
Peeters: A rejeição começou muito cedo na França, antes mesmo de que Derrida conhecesse o sucesso nos EUA. Quando ele se tornou famoso nos EUA a rejeição aumentou, aí já por inveja. Se ele partiu muitas vezes para os EUA foi exatamente por não ser bem-aceito na França. Ao longo da vida, Derrida se representou como uma vítima, um mal-amado, um rejeitado, um marginal. Essa representação interior depois ficou deslocada da glória e do reconhecimento internacional de seus escritos. Mas fundamentalmente sua relação com o mundo e com os outros permaneceu marcada por essa representação de vítima. Objetivamente, a realidade não era mais essa a partir da metade dos anos 1970.

Valor: E qual seria a grande contribuição do seu pensamento ao século XXI?
Peeters: Derrida pode ser lido na filosofia política ou na filosofia moral como uma resposta de um certo fracasso do marxismo e das ideologias tradicionais, e nesse sentido acredito em um grande futuro para esse pensamento. Mas isso supõe muito trabalho, não de repetição nem de imitação, mas um trabalho de ir além de Derrida. É preciso que os estudos sobre Derrida se libertem do "derridismo", o que pode ser mortal para sua obra. Da mesma forma, a homenagem também é apenas mórbida, e não ajudará a manter seu pensamento vivo. Em 2014, quando completam-se dez anos de sua morte, será um bom momento para virar a página do luto e abrir uma etapa de leitura crítica.

Valor: Como é a recepção e o reconhecimento do pensamento de Derrida na França hoje?
Peeters: Um fator importante em relação à leitura de Derrida é a publicação de sua obra póstuma. Começam a ser publicados os seminários de Derrida, que vão nos trazer muitas surpresas sobre temas como hospitalidade, animalidade, pena de morte, e vai nos permitir conhecer aos poucos a oralidade de Derrida, mais acessível do que seus textos. Nesses cursos, ele fala de autores sobre os quais não escreveu, ou de filósofos pouco presentes em suas obras publicadas. Penso que esta será uma etapa determinante da recepção de seu pensamento. Além disso, acho que a América Latina e a Ásia serão dois polos fundamentais na continuação da recepção da obra de Derrida. A biografia está sendo traduzida em países como Argentina, Brasil, Chile, Coreia do Sul, Japão e China, o que pode indicar que o interesse por Derrida se deslocou. Atualmente, o que se deve desejar é que essas novas leituras encontrem uma forma não reverencial de se aproximar de sua obra, numa abordagem mais livre, para reutilizá-lo como Derrida também reutilizou os textos clássicos. A moda vai passar, mas aos poucos, ele também se tornará um clássico.
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Reportagem  Por Carla Rodrigues | Para o Valor, do Rio
Fonte: http://www.valor.com.br/cultura/3144478/construindo-derrida#ixzz2UqQt5rkH

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Velhice e preconceito

Juremir Machado da Silva*

 

Eu amo os velhos. Especialmente as velhas. Elas também me amam. É um amor platônico feito de crônicas e alguns abraços nas ruas de Porto Alegre. Existe entre nós algo que se pode chamar de “afinidades eletivas”. Gostamos de arte, ironia, grandes provocações e pequenas implicâncias. A objetividade dos homens não compreende isso. Não preciso de eufemismos como terceira idade ou melhor idade para falar de velhos. Não há desrespeito intrínseco na palavra velho. Agora, na prática, há uma ideologia antivelho alimentada pela modernidade. Antes de ir ao show do genial e serelepe Charles Aznavour, que celebrou seus 89 anos de idade cantando no Araújo Vianna, ouvi várias pessoas entre os 20 e os 50 anos exclamando:
– Charles Aznavour?! Coisa de velho!
Coisa de velho com bom gosto. Coisa de certos jovens é Luan Santana, Michel Teló, Fernando e Sorocaba e outros expoentes do sertanejo universitário. Eu implico com sertanejo universitário. Faço tudo para compreender esse gênero tão em moda no Brasil. Não consigo. Adoro sertanejo de raiz. Gosto de todos os gêneros musicais. Menos de sertanejo universitário. Mas quero mudar de ideia por abertura de espírito. O problema é que presto atenção nas letras. Por exemplo, esta, de uma canção de Fernando e Sorocaba: “Eu não gosto de cinema/eu não sei cozinhar/Nunca fui tão cavalheiro/jurei nunca casar”. A cacofonia de “nunca casar” acaba com minha boa vontade. A pobreza da letra me leva a uma sugestão: se o que importa é o ritmo, melhor não ter letra. Ficaria muito mais rico.
Velhas gostam de poesia. No ônibus, ouvi a conversa de dois jovens e um senhor de cabelos bastante grisalhos:
– Nixon é um lugar ou uma pessoa? – pergunta o rapaz.
Rapaz é palavra de velho. O ancião sorri.
– Foi um presidente dos Estados Unidos – informa.
– Eu não disse que era um cara – completa a guria.
Jovens não precisam saber tudo. Têm tempo para aprender. Tanto tempo que alguns esquecem de começar. Velhos é que sabem nomes de presidentes americanos e dos principais afluentes do Amazonas na ponta da língua.
– Margem direita: Javari, Jutaí, Juruá, Madeira, Purus, Coari. Margem esquerda: Napo, Içá, Negro, Jari e Paru.
– Qual o outro nome do Içá?
– Putumayo.
– Que cultura! Vai ser deputado ou do Banco do Brasil.
Como não tinham google, eram obrigados a valorizar a memória. Proponho um novo pacto entre jovens e velhos. Os jovens passam a respeitar a experiência dos velhos e estes passam a se abrir para as novidades defendidas pelos jovens. A única coisa que não entendo é sustentar que o novo é sempre melhor do que o velho. Produz isto:
– Troquei o programa.
– Eu vi. Ficou pior.
– O senhor tem dificuldade com a mudança.
– Tu tens preconceito com a permanência.
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* Sociólogo. Prof. Universitário. Escritor
Fonte: Correio do Povo on line, 30/05/2013
Imagem da Internet

O filósofo cão

Paulo Ghiraldelli Jr. *
 
Alexandre o Grande chegou à Atenas e ficou sabendo que Diógenes, o filósofo-cão, estava em seu lugar costumeiro, ao lado de seu barril. Incomodado com a vida miserável do sábio, foi até o homem para tentar ajudar-lhe. Encontrou Diógenes quase que nu tomando sol, cercado dos cachorros de sempre e em uma situação nítida de indigência. Não se fez de rogado e disse ao filósofo cínico: “peça o que quiser eu lhe darei, sabe que sou Alexandre, o rei de todo o Império Greco-Macedônio”. Diógenes permaneceu sentado ali ao lado de seu barril e tentou desviar-se da sombra do imperador. Foi para a esquerda e para a direita movimentando sua longa barba branca. Mas quando viu que o sol não mais batia em seu corpo, disse a Alexandre: “o que quero mesmo é que saia da frente, pois está se pondo entre os raios solares e eu e atrapalhando meu banho de sol”.

Scholars e filósofos de todas as épocas gostam de elogiar a escola cínica por meio dessa passagem.  Diógenes teria afrontado Alexandre e, então, exercido seu cinismo, seu desprezo pelo prazer? Ou Diógenes, sabendo muito bem que Alexandre havia sido preceptorado por Aristóteles, falou por metáforas, de modo que o Imperador entendesse que entre o sol (que alimenta a vida e, na teoria platônica, serve com alegoria para o bem) e o filósofo, o poder político não pode querer fazer sombra? Ou Diógenes quis dizer a Aristóteles que entre o filósofo e fonte do bem e do saber o melhor que o poder político poderia fazer era não se meter? Ou as três alternativas juntas?

Seja como for, verdadeiro ou não o episódio, o correto é que ele é explicativo de como o cinismo se exercia como filosofia. A filosofia do cão era justamente essa: largado ao chão das ruas, o cão é habitante da cidade como o homem, mas ele desconsidera as convenções sociais Essas desconsiderações visam afrontar as pessoas com pequenos recados verbais associados a comportamentos corporais cujo objetivo é fazer com que cidadãos possam estranhar o que até então era o corriqueiro, o banal. Diógenes fazia filosofia como “desbanalização do banal”. A coisa mais banal para Alexandre era ele, imperador culto, ajudar filósofos. Mas Diógenes não pediu ajuda, pediu apenas que o poder não ficasse entre a fonte divina e o filósofo, ou então deu um recado no sentido de que o poder não poderia e não deveria retirar o filósofo de uma relação com o divino, uma relação natural, não possível de ser nublada por uma relação convencional, a da instituição chamada governo ou poder político ou a própria figura de um imperador.

Se considerarmos que em todo o mundo antigo e, enfim, também no mundo medieval o poder político sempre esteve de alguma forma ligado aos deuses, o que Diógenes disse, chamando um astro divino como o sol para o seu lado, sem dúvida foi uma subversão. Diógenes poderia ter perdido a cabeça caso Alexandre não fosse Alexandre, e sim um imperador menos afeito a afrontas. Mas Diógenes faria isso com qualquer imperador. Sendo Alexandre quem era, um jovem culto, alguém realmente capaz de pensar no ocorrido, mais gosto ainda o feito deve ter causado em Diógenes. Afinal, Diógenes, como qualquer cão, era despojado, mas não pouco orgulhoso ou pouco pretensioso.
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* Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor, cartunista e professor da UFRRJ

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One Response to O filósofo cão

Henrique says:
Para os cínicos, o melhor modo de se chegar ao coração da maioria das pessoas é através de uma boa tirada, especialmente em público. 
Certa vez, Diógenes foi à casa de um homem rico que insistentemente lhe mostrava seus ricos objetos e dizia a Diógenes que esse não cuspisse em sua casa, por serem caríssimos os objetos que lá estavam. Em determinado momento, Diógenes juntou uma boa quantidade de saliva em sua boca e deu uma bela escarrada no rosto do grego rico; esse ficou estupefato, perguntando a Diógenes porque lhe fizera tal ultraje e obteve como resposta que seu rosto foi o lugar mais sujo que Diógenes encontrou naquela casa. Diógenes poderia ter feito um belo diálogo com o grego rico para mostrar-lhe o quanto era tola a ostentação; quem exibe seus objetos e pensa estar exibindo a si mesmo é um tolo, pois crê serem suas as qualidades que, na verdade, são dos objetos; com essa atitude ele valoriza mais as coisas que a si mesmo. Diógenes poderia ter dito isso tudo, mas fez melhor: sua cusparada como resposta fez mais efeito com menos palavras.
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FONTE:  http://ghiraldelli.pro.br/o-filosofo-cao/29/05/2013

Igreja e jovens: que diálogo?

Foto
É arriscado, em poucas linhas, fazer um retrato da juventude. Com facilidade se cai em frases feitas, em preconceitos que distorcem a realidade. E que impedem uma ação eclesial significativa.

Quantas juventudes?

Uma ideia óbvia é que a juventude… existe. Há uma faixa da nossa população que já não está na infância e que ainda não se assume como adulta. Tem vindo a perder peso no total da população portuguesa, devido à diminuição da natalidade. Mas esta “condição juvenil”, que antes era uma fase de transição para a idade adulta, tende a tornar-se um estilo de vida, um estado permanente. Muitos “adultos” no vestuário, na forma de pensar, na relação com os compromissos, querem sentir-se como jovens eternos.

Falar de jovens como uma entidade única não faz muito sentido. Se é verdade que o facto de ter entre 15 e 25 anos (para apontar uns limites muito ténues) define algo, também é verdade que a vida real destes jovens é determinada por muitos outros fatores que não apenas a idade. O género, o nível social e cultural das famílias onde cresceram, a situação económica da zona onde vivem, são decisivos para entender a sua identidade de jovens.

Para lá dos aspetos psicológicos (muito ligados ao fator idade) económicos e sociais, a possível chave para entender o mundo juvenil esteja na “cultura”. Cultura no sentido dos modos de pensar, das tendências que configuram a ação e não no sentido de “erudição”.

Complexidade

Uma marca distintiva das sociedades desenvolvidas e pós-industriais é a complexidade social. Todos nós, e os jovens também, vivemos numa sociedade onde nada é simples, onde tudo é complexo, fruto de múltiplos e contraditórios interesses e forças. Onde tudo poderia ser configurado de forma diferente.

Os jovens de hoje nasceram e cresceram numa sociedade onde não há centros claros. Na nossa sociedade há muitos centros de poder e de legitimidade. E cada um deles gera as suas “regras” e as suas legitimidades. As regras de jogo são umas quando estamos on-line, outras quando estamos num estádio a aplaudir a nossa equipa (ou a insultar o adversário e o árbitro), outras ainda quando estamos na escola. Pode-se cultivar uma sensibilidade ambientalista, dizer palavras bem sonantes sobre o desenvolvimento sustentado durante a semana e passar o fim-de-semana no centro comercial numa orgia de consumo. Pode-se passar a noite de 4ª feira na oração de Taizé com a pastoral universitária e a noite de 5ª a “abanar o capacete” alimentado a ecstasy.

Como não há um centro único que dê legitimidade aos valores e às práticas, é muito difícil a hierarquização de valores, necessidades e oportunidades. E esta complexidade desarticulada não é somente uma situação de facto: torna-se ideologia. A possibilidade de encontrar um centro existencial sólido aparece, para uma boa parte da cultura, como algo negativo e perigoso.

Pontes

Na Igreja, é comum os mais sensíveis à pastoral juvenil perguntarem-se: “O que pedem os jovens à Igreja?” É uma pergunta sem grande sentido. A esmagadora maioria dos jovens nada pede à Igreja. Cresceram num mundo onde tudo é comprado e onde o mérito das propostas de felicidade se mede pela rapidez e pelo baixo custo.

Alguns sectores eclesiais respondem a este estado de coisas tentando “jogar” segundo as regras da cultura dominante, sem coragem de pôr em causa este modelo consumista e relativista. E fazem uma pastoral juvenil que é mais uma mercadoria de consumo: consumo de socialização (grupos de jovens sem rumo que se resumem a ser umas meras sociedades recreativas), consumo de eventos, consumo de emoções e estética (ainda que mascarada de oração). É uma forma de fazer pastoral juvenil que, em nome duma mal-entendida inculturação, reduz o Evangelho a um produto descafeinado, que não tem coragem de falar das exigências do Evangelho (a nível sexual, económico ou político). É uma caricatura de pastoral juvenil com “tiques de seita”. Onde custa sempre muito a comunhão eclesial (com a paróquia, com as estruturas diocesanas de coordenação). Onde se gasta o melhor das energias virados “para dentro”; onde não há abertura à missão, ao mundo da vida.

Sementes de um futuro já presente

Mas há já presentes nas nossas comunidades eclesiais alternativas de pastoral juvenil bem mais consistentes. Vai estando claro que a pastoral juvenil tem de ser profundamente diversificada (porque diversa é a realidade dos jovens). É inútil procurar um modelo standard de pastoral juvenil. Na boa tradição da Igreja, o Evangelho torna-se realidade ao encontrar os jovens onde eles estão. E sendo o mundo dos jovens tão fragmentado, a ação da Igreja com os jovens (a pastoral juvenil) assume uma miríade de configurações e propostas. (...)

Outra das grandes intuições para a pastoral juvenil é profundamente contra-cultural: numa cultura consumista, o Evangelho faz-se amor gratuito. A pastoral juvenil que vai tendo sucesso consistente é aquela em que a Igreja se aproxima dos jovens oferecendo o melhor que tem (o evangelho de Jesus Cristo na sua pureza original) sem nada esperar em troca. Sem instrumentalizar os jovens. Sem os usar como mão-de-obra barata para eventos eclesiais.

A pastoral juvenil está também a tornar-se amor educativo. Olhamos para cada jovem e vemo-lo com o olhar de Cristo. Vemos, ainda que em potência, tudo o que ele tem para dar. E oferecemo-nos para caminhar ao seu lado, descobrindo a graça libertadora que vem de Cristo Ressuscitado.
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P. Rui Alberto, sdb
In Agência Ecclesia 
FONTE:http://www.snpcultura.org/vol_igreja_jovens_que_dialogo.html  08.09.10

Fernando Pessoa – Carta da Corcunda para o Serralheiro lida por Maria do Céu Guerra


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Publicado pela primeira vez em PESSOA POR CONHECER, Carta da Corcunda para o Serralheiro é um texto pungente e na elegância aterradora da sua sinceridade, aperta o coração ouvi-lo lido por Maria do Céu Guerra.

Hoje tenho a honra e o enorme privilégio de poder facultar aos leitores do blog uma gravação dessa leitura.

A carta da Corcunda para o Serralheiro

Senhor António:
O senhor nunca ha de ver esta carta. Nem eu a hei de ver segunda vez porque estou tuberculosa, mas eu quero escrever-lhe ainda que o senhor o nao saiba, porque se não escrevo abafo.

O senhor não sabe quem eu sou, isto é, sabe mas não sabe a valer. Tem-me visto á janella quando o senhor passa para a officina e eu olho para si, porque o espero a chegar, e sei a hora que o senhor chega. Deve sempre ter pensado sem importância na corcunda do primeiro andar da casa amarella, mas eu não penso senão em si. Sei que o senhor tem uma amante, que é aquella rapariga loura alta e bonita; eu tenho inveja d’ella mas não tenho ciúmes de si porque não tenho direito a ter nada, nem mesmo ciúmes. Eu gosto de si porque gosto de si, e tenho pena de não ser outra mulher, com outro corpo e outro feitio, e poder ir á rua e fallar comsigo ainda que o senhor me não desse razão de nada, mas eu estimava conhecel-o de fallar.

O senhor é tudo quanto me tem valido na minha doença e eu estou-lhe agradecida sem que o senhor o saiba. Eu nunca poderia ter ninguem que gostasse de mim como se gosta das pessoas que teem o corpo de que se pode gostar, mas eu tenho o direito de gostar sem que gostem de mim, e tambem tenho o direito de chorar, que não se negue a ninguem.

Eu gostava de morrer depois de lhe fallar a primeira vez mas nunca terei coragem nem maneiras de lhe fallar. Gostava que o senhor soubesse que eu gostava muito de si, mas tenho medo que se o senhor soubesse não se importasse nada, e eu tenho pena já de saber que isso é absolutamente certo antes de saber qualquer coisa, que eu mesmo não vou procurar saber.

Eu sou corcunda desde a nascença e sempre riram de mim. Dizem que todas as corcundas são más, mas eu nunca quiz mal a ninguem. Alem d’isso sou doente, e nunca tive alma, por causa da doença, para ter grandes raivas. Tenho dezanove annos e nunca sei para que é que cheguei a ter tanta edade, e doente, e sem ninguem que tivesse pena de mim a não ser por eu ser corcunda, que é o menos, porque é a alma que me doe, e não o corpo, pois a corcunda não faz dor.

Eu até gostava de saber como é a sua vida com a sua amiga, porque como é uma vida que eu nunca posso ter – e agora menos que nem vida tenho – gostava de saber tudo.

Desculpe escrever-lhe tanto sem o conhecer, mas o senhor não vae ler isto, e mesmo que lesse nem sabia que era comsigo e nao ligava importancia em qualquer caso, mas gostaria que pensasse que é triste ser marreca e viver sempre só á janella, e ter mãe e irmãs que gostam da gente mas sem ninguem que goste de nós, porque tudo isso é natural e é a familia, e o que faltava é que nem isso houvesse para uma boneca com os ossos ás avessas como eu sou, como eu já ouvi dizer.

Houve um dia que o senhor vinha para a officina e um gato se pegou á pancada com um cão aqui defronte da janella, e todos estivemos a ver, e o senhor parou, ao pé do Manuel das Barbas, na esquina do barbeiro, e depois olhou para mim para a janella, e viu-me a rir e riu também para mim, e essa foi a unica vez que o senhor esteve a sós commigo, por assim dizer, que isso nunca poderia eu esperar.

Tantas vezes, o senhor não imagina, andei á espera que houvesse outra coisa qualquer na rua quando o senhor passasse e eu pudesse outra vez ver o senhor a ver e talvez olhasse para mim e eu pudesse olhar para si e ver os seus olhos a direito para os meus.

Mas eu não consigo nada do que quero, nasci já assim, e até tenho que estar em cima de um estrado para poder estar á altura da janella.. passo todo o dia a ver illustrações e revistas de modas que emprestam á minha mãe, e estou sempre a pensar noutra coisa, tanto que quando me perguntam como era aquella saia ou quem é que estava no retrato onde está a Rainha de Inglaterra, eu ás vezes me envergonha de não saber, porque estive a ver coisas que não podem ser e que eu não posso deixar que me entrem na cabeça e me dêem alegria para eu depois ainda por cima ter vontade de chorar.

Depois todos me desculpam, e acham que sou tonta, mas não me julgam parva, porque ninguem julga isso, e eu chego a não ter pena da desculpa, porque assim não tenho que explicar porque é que estive distrahida.

Ainda me lembro d’aquelle dia que o senhor passou aqui ao Domingo com o fato azul claro. Não era azul claro, mas era uma sarja muito clara para o azul escuro que costuma ser. O senhor ia que parecia o proprio dia que estava lindo e eu nunca tive tanta inveja de toda a gente como nesse dia. Mas não tive inveja da sua amiga, a não ser que o senhor não fosse ter com ella mas com outra qualquer, porque eu não pensei senão em si, e foi porisso que invejei toda a gente, o que não percebo mas o certo é que é verdade.

Não é por ser corcunda que estou aqui sempre á janella, mas é que ainda por cima tenho uma espécie de rheumatismo nas pernas e não me posso mexer, e assim estou como se fosse paralytica, o que é uma maçada para todos cá em casa e eu sinto ter que ser toda a gente a aturar-me e a ter que me acceitar que o senhor não imagina. Eu ás vezes dá-me um desespero como se me pudesse atirar da janella abaixo, mas eu que figura teria a cahir da janella? Até  quem me visse cahir ria e a janella é tam baixa que eu nem morreria, mas era ainda mais maçada para os outros, e estou a ver-me na rua como uma macaca, com as pernas á vela e a corcunda a sahir pela blusa e toda a gente a querer ter pena mas a ter nojo ao mesmo tempo ou a rir se calhasse, porque a gente é como é não como tinha vontade de ser.

(…)

- e emfim porque lhe estou eu a escrever se lhe não vou mandar esta carta? [texto não lido]

O senhor que anda de um lado para o outro não sabr qual é o peso de a gente não ser ninguem. Eu estou á janella todo o dia e vejo toda a gente passar de um lado para o outro e ter um modo de vida e gosar e fallar a esta e áquella, e parece que sou um vaso com uma planta murcha que ficou aqui á janella por tirar de lá.

O senhor não pode imaginar, porque é bonito e tem saude o que é a gente ter nascido e não ser gente, e ver nos jornaes o que as pessoas fazem, e uns são ministros e andam de um lado para o outro a visitar todas as terras, e outros estão na vida da sociedade e casam e teem baptizados e estão doentes e fazem-lhe operações os mesmos medicos, e outros partem para as suas casas aqui e alli, e outros roubam e outros queixam-se, e uns fazem grandes crimes e ha artigos assignados por outros e retratos e annuncios com os nomes dos homens que vão comprar as modas ao estrangeiro, e tudo isso o senhor não imagina o que é para quem é um trapo como eu que ficou no parapeito da janella de limpar o signal redondo dos vasos quando a pintura é fresca por causa da agua.

Se o senhor soubesse isto tudo era capaz de de vez em quando me dizer adeus na rua, e eu gostava de se lhe poder pedir isso, porque o senhor não imagina, eu talvez não vivesse mais, que pouco é o que tenho de viver, mas eu ia mais feliz lá para onde se vae se soubesse que o senhor me dava os bons dias por acaso.

A Margarida costureira diz que lhe fallou uma vez, que lhe fallou torto porque o senhor se metteu com ella na rua aqui ao lado, e essa vez é que eu senti inveja a valer, eu confesso porque não lhe quero mentir, senti inveja porque metter-se alguem comnosco é a gente ser mulher, e eu não sou mulher nem homem, porque ninguem acha que eu sou nada a não ser uma especie de gente que está para aqui a encher o vão da janella e a aborrecer tudo que me vê, valha me Deus.

O Antonio (é o mesmo nome que o seu, mas que differença!) o Antonio da officina de automoveis disse uma vez a meu pae que toda a gente deve produzir qualquer coisa, que sem isso não ha direito a viver, que quem não trabalha não come e não ha direito a haver quem não trabalhe. E eu pensei que faço eu no mundo, que não faço nada senão estar á janella com toda a gente a mexer-se de um lado para o outro, sem ser paralytica, e tendo maneira de encontrar as pessoas de quem gosta, e depois poderia produzir á vontade o que fosse preciso porque tinha gosto para isso.

Adeus senhor Antonio, eu não tenho senão dias de vida e escrevo esta carta só para a guardar no peito como se fosse uma carta que o senhor me escrevesse em vez de eu a escrever a si. Eu desejo que o senhor tenha todas as felicidades que possa desejar e que nunca saiba de mim para não rir porque eu sei que não posso esperar mais.

Eu amo o senhor com toda a minha alma e toda a minha vida.

Ahi tem e estou a chorar.

Maria José


Este impressionante texto que Pessoa, ao contrário do que habitualmente lhe acontecia, completou e dactilografou é, se bem que inesperado, o auto-retrato mais acabado – e terrivel! – dessa “grande alma” que se sentia “ninguém”., são palavras da editora do texto, Teresa Rita Lopes, que um pouco antes escrevia:

A comiseração de Pessoa por si próprio vai atingir o seu mais alto grau e a sua expressão mais despersonalizada no monólogo duma Maria José, que incarna de forma extrema, metaforicamente, o ser aleijado, aborto do destino, que se vê ser na Carta da Corcunda para o Serralheiro.

Maria José é a voz feminina que, como tal, mais longamente se faz ouvir no universo pessoano. É a metáfora de uma alma “à janela”, como a do monólogo em situação incluído no Livro do Desassossego mas que é muito mais que a página de um diário:

Se a nossa vida fosse um eterno estar à janela, se assim ficassemos, como um fumo parado, sempre, tendo sempre o mesmo momento de crepusculo dolorindo a curva dos montes. Se assim ficassemos para além de sempre! (LD, 1,p.312, Atica 1982)

E acrescenta, mais longe, evocando como se o esquecesse um tu ausente:
Dói-me a alma… Um traço lento de fumo ergue-se e dispersa-se lá longe… um tédio inquieto faz-me não pensar mais em ti…

A voz feminina da Carta da Corcunda para o Serralheiro, assim mesmo intitulada, atinge o ponto máximo nessa escala da despersonalização que Pessoa percorria em todos os sentidos, estacionando em todos os degraus. Incarna esse “ninguém” que, na sua própria pessoa, Pessoa sofria sentir-se ser e que mima em Marcos Alves, Vicente Guedes (o da vida nulla), Bernado Soares (que todos os dias se proclama “ninguém”), Frederick Wyatt (o “coitadinho”), Barão de Teive (cuja vida é uma “batalha perdida no mapa”) e em todos esses outros que são estilhaços do espelho partido que se tornou.

Transcrevi longamente o texto em que Teresa Rita Lopes apresenta a Carta da Corcunda para o Serralheiro no vol. I de PESSOA POR CONHECER, sobretudo por se tratar de uma publicação rara e serem escassos ou nulos os comentários de enquadramento do texto na obra do poeta.

Enquanto leitor não especialista, interessam-me menos os aspectos de personalidade do poeta e de que forma se encontram disseminados na sua obra, que o impacto em mim provocado pela força do texto. Depois de o ler, e sobretudo depois de o ter ouvido lido por Maria do Céu Guerra, não mais olhei a deficiência com a indiferença distante que involuntariamente era a minha.

É uma daquelas obras-primas absolutas de que não saimos incólumes quando com elas nos cruzamos. Um enorme obrigado à Maria do Céu Guerra por a ter trazido até nós.

Noticia Bibliográfica

PESSOA POR CONHECER I e II, é um conjunto em 2 volumes subtitulados: volume I – Roteiro para um expedição, e volume II – Textos para um novo mapa. Foram publicados por Editorial Estampa em 1990, e neles Teresa Rita Lopes deu o ponto de partida para a divulgação organizada da obra de Pessoa, como hoje a conhecemos na sua maior parte.

Nota: Na transcrição da Carta… conservei a ortografia da edição, a qual é a do dactiloescrito do poeta.
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Fonte:  http://viciodapoesia.wordpress.com/2011/08/10/fernando-pessoa-carta-da-corcunda-para-o-serralheiro-lida-por-maria-do-ceu-guerra/

quarta-feira, 29 de maio de 2013

O resto é silêncio

Afegão Khaled Hosseini, autor do sucesso “O Caçador de Pipas”, lança novo romance

Best-seller planetário com seu O Caçador de Pipas, gerando inclusive o que na época foi uma grande “onda afegã” nas prateleiras, o médico e escritor Khaled Hosseini está lançando seu terceiro romance.

Menos linear do que os anteriores e composto por uma intrincada estrutura de saltos cronológicos, O Silêncio das Montanhas parece o livro que Hosseini resolveu escrever para provar-se um escritor com mais recursos do que a habilidade de contar histórias.

O Silêncio das Montanhas começa com a narração de uma história folclórica em que um Dev, monstro mitológico afegão, força uma dolorosa separação familiar. Esse será, com variações, o refrão que se repetirá ao longo do livro, orquestrado em nove capítulos que vão e vêm no tempo, de 1952 a 2012, e em que várias e trágicas separações familiares serão ditadas por entidades menos sobrenaturais mas não menos poderosas: o inverno rigoroso, a culpa, a guerra, o Talibã, a fraqueza humana. No início e no fim de uma trama que alterna narradores e pontos de vista, está a tragédia familiar de dois irmãos, o jovem Abdullah e sua irmã Pari (“fada”, em persa), vendida pelo pai na infância a um casal rico e sem filhos.

Já em sua estreia, o sucesso O Caçador de Pipas (2002), Hosseini provava ser um novelista interessante, mas punha o livro a perder por ser um romancista desastrado. O Caçador... era claramente segmentado em três histórias – duas delas boas – cujos pontos de união eram de uma incômoda inverossimilhança melodramática. Em O Silêncio das Montanhas, Hosseini sai-se melhor em boa parte do texto – favorecido pela estrutura fragmentada que transforma o romance em contos passados em diferentes circunstâncias de tempo e espaço mas interligados pelo retorno eventual de personagens mostrados em capítulos anteriores.

A estrutura é similar à que a americana Jennifer Egan utilizou em seu recente (e elogiado) A Visita Cruel do Tempo, mas a comparação desnuda algumas fraquezas técnicas da obra de Hosseini: o uso de golpes baixos melodramáticos, uma prosa pausterizada que abdica da tensão em favor do sentimentalismo e personagens clichês como a artista volúvel e torturada (neste livro há duas) ou descrições recorrentes de imagética batida (mais de um personagem tem o nariz adunco comparado a um bico de pássaro, por exemplo).

Mas Hosseini é um autor com leitores. E, para estes, sua assinatura deve bastar, ainda que na capa de um livro tão apegado ao melodrama que por vezes derrapa no excesso de açúcar.

Trecho:

Seus dias em Shadbag estavam contados, como os de Shuja. Agora ele sabia disso. Não havia mais nada para ele aqui. Não havia mais um lar. Ia esperar até o inverno passar, até o degelo da primavera, levantaria numa manhã antes do amanhecer e sairia pela porta. Escolheria uma direção e começaria a andar. Continuaria andando até estar o mais longe possível de Shadbag, para onde o levassem seus pés. E se um dia, caminhando por um vasto campo aberto, se sentisse tomado pelo desespero, iria parar de andar, fechar os olhos e pensar na pena de falcão que Pari achara no deserto (...). Teria uma sensação de assombro e de esperança também, que tais coisas acontecessem. E mesmo sem se deixar enganar por essa sensação, reuniria suas forças, abriria os olhos e continuaria andando.

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carlos.moreira@zerohora.com.br
Reportagem por CARLOS ANDRÉ MOREIRA
Fonte: ZH on line, 29/05/2013
Imagem da Internet

A era das máquinas inteligentes

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É possível que o trabalho intelectual seja automatizado em breve

As máquinas inteligentes estão evoluindo em uma velocidade vertiginosa. A lei de Moore – que afirma que a capacidade computacional disponível para dado preço dobra a cada 18 meses – continua de pé. Essa capacidade está saltando dos computadores de mesa para os bolsos das pessoas. Mais de 1,1 bilhão de pessoas possuem smartphones e tablets e os fabricantes estão colocando sensores inteligentes em todo tipo de produto. Máquinas inteligentes também alcançaram uma nova fronteira social: trabalhadores do conhecimento agora estão no olho do furacão. Bancários e agentes de viagem já foram relegados ao arquivo morto aos milhares; os próximos serão os professores, pesquisadores e escritores. A questão é se a criação compensará a destruição.

Dois acadêmicos da Sloan Business School do MIT, Erik Brynjolfsson e Andrew McAfee, adotaram um ponto de vista surpreendente: o que não é surpresa, uma vez que os teóricos da administração gostam de estar do lado dos vencedores e devido ao fato de que o MIT é uma das fortalezas do tecno-utopismo. Em “Race Against the Machine”, lançado em 2011, eles antecipam que muitos trabalhadores intelectuais estão prestes a enfrentar dificuldades. Há muitas chances de que a tecnologia venha a destruir mais empregos do que criá-los. A probabilidade de que a tecnologia venha a acirrar as desigualdades é ainda maior. A tecnologia está criando ainda mais mercados nos quais inovadores, investidores e consumidores – e não os trabalhadores – ficam com as maiores fatias dos ganhos. A tese de Brynjolfsson-McAfee explica um dos aspectos mais intrigantes da economia moderna: porque tanta criatividade tecnológica pode coexistir com salários em estagnação e desemprego em massa.

Um novo estudo do McKinsey Global Institute (MGI), “Tecnologias disruptivas: Avanços que transformarão a vida, os negócios e a economia global”, investiga essa questão e reúne muitos exemplos de como a internet está revolucionando o trabalho intelectual. Escritórios de advocacia estão usando computadores para pesquisar enormes volumes de documentos jurídicos e precedentes. Empresas do ramo financeiro estão usando computadores para monitorar fluxos de notícias e fazer apostas financeiras com base nesse fluxo. Hospitais estão usando robôs para realizar cirurgias de alta precisão.
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* Texto traduzido e adaptado da Economist por Eduardo Sá
Fontes: The Economist - The age of smart machines e  http://opiniaoenoticia.com.br/economia/a-era-das-maquinas-inteligentes/

A minhoca é o mocinho e a formiga o bandido?

Efraim Rodrigues*

minhoca

A minhoca goza de maravilhosa reputação entre os amantes da natureza. Suas galerias arejam o solo e abrem caminho para infiltração de água, seus resíduos fertilizam o solo, se você ver minhocas em um solo, ele é fértil ! Já as formigas são a praga da humanidade.

Ou o Brasil acaba com a formiga, ou ela acaba com o Brasil ! disse Saint Hilaire no século 19.
Pouca saúde e muita saúva, os males do Brasil são. Esta é de Mário de Andrade, já no século 20.

Qualquer um, olhando a corrente de formigas levando folhinhas, iria concordar, mas a realidade é outra. Minhocas não fazem bem para o solo. Elas são uma consequência em solos saudáveis. Lembra-se do filme do Kevin Costner onde ele ouve uma voz repetindo Construa e eles virão? Em um solo saudável, úmido, com boa quantidade de matéria orgânica, é muito provável encontrar minhocas.

No entanto, coloque um caminhão de minhocas em um solo seco, mal tratado e em dias voce terá um caminhão de minhocas mortas e tudo continuará igual. Já as formigas são comuns em áreas secas, degradadas (tinha uma criação delas no terreno aqui de casa). Elas viviam de pequenos insetos, capim e outras esmolas que haviam aqui, e em troca, elas sim abriam galerias, algumas cultivavam fungos em colônias (um tipo de adubação orgânica) e assim tornavam isto aqui um pouco menos pior. Ainda mais rústicos e também mais benéficos são os cupins, que conseguem digerir celulose.

Sabe aquele capim seco e duro que até uma cabra torce o pescoço ? Cupins são capazes de alimentar-se disto, escavam galerias e aos poucos vão melhorando a coisa. Neste fim de semana visitei uma floresta que há 40 anos era um pasto cheio de cupins (eu tinha só 5 anos !). Agora está cheio de minhocas, mas há 40 anos certamente não havia nenhuma.

Em Burkina Faso, assim como no Cerrado, os nativos usam cupins e suas galerias para melhorar as áreas porque eles trabalham a custo de capim seco.

Faz 12 anos que venho coletando histórias de gente que reconstrói ecossistemas, como estas da minhoca, da formiga e do cupim, e agora afinal o meu livro “Ecologia da Restauração” está pronto, e eu recomendo !
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Efraim Rodrigues, Ph.D. (efraim@efraim.com.br), Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor pela Universidade de Harvard, Professor Associado de Recursos Naturais da Universidade Estadual de Londrina, consultor do programa FODEPAL da FAO-ONU, autor dos livros Biologia da Conservação e Histórias Impublicáveis sobre trabalhos acadêmicos e seus autores. Também ajuda escolas do Vale do Paraíba-SP, Brasília-DF, Curitiba e Londrina-PR a transformar lixo de cozinha em adubo orgânico e a coletar água da chuva. É professor visitante da UFPR, PUC-PR, UNEB – Paulo Afonso e Duke – EUA. http://ambienteporinteiro-efraim.blogspot.com/ Fonte: EcoDebate, 29/05/2013

Tem um coração e serás salvo

John Wolf
- Quem apenas quer a meta não viaja.

Peter
- Eu sou apenas um estranho à beira de um bosque.

John Wolf
- Um dia os homens deixarão os aviões, os transatlânticos, os comboios de alta velocidade, os automóveis para regressar aos caminhos do bosque.

Peter
- E que oferecem aos homens esses caminhos? Por alguma razão foram abandonados.

John Wolf
- Preferimos o sacrifício mais absurdo. O progresso técnico, e só técnico... cada vez mais sofisticado. Mas em relação aos caminhos interiores não é assim. Tem um coração e serás salvo.

Peter
- Mas isso é o passado. Saímos dos bosques há milhares de anos. Donde virá o novo?

John Wolf
- O mundo ficou sombrio e severo.

Jacob
- As tuas palavras assustam-me.

John Wolf
- O falcão deixou de contar conosco para que o ensinemos a voar.

Peter
- Enigmas e mais enigmas.

John Wolf
- Não tens de escutar. Tens de te escutar.

Peter
- Mas pode um homem escutar a sua escuridão?

John Wolf
- Tudo é caminho.

Jacob
- Por isso viemos até ao bosque, para que nos conduzas.
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José Tolentino Mendonça. Poeta. Escritor. Teólogo.
In O Estado do Bosque 
Fonte:  http://www.snpcultura.org/umbrais_index.html#umbrais_20130529

A visão de negócios do banqueiro dos pobres

Mercado Ético
Na ESPM, Yunus lança primeiro centro de negócios sociais da América Latina. / Foto: João Lebrão
 
Ontem (27), o auditório da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) de São Paulo ficou pequeno para receber a grande platéia que queria ouvir Muhammad Yunus, economista vencedor do Prêmio Nobel da Paz em 2006 e uma espécie de guru do empreendedorismo social. Conhecido como o banqueiro dos pobres, o economista bengalês esteve na cidade para o lançamento do Yunus ESPM Social Business Centre, uma iniciativa tocada em parceria com a tradicional faculdade com o objetivo de fomentar negócios sociais no Brasil. Para tanto, o centro atuará sob três pilares: cursos de capacitação, pesquisa e incubação de empresas. “Queremos que essa iniciativa seja um modelo para toda a América Latina. Vejo muitas possibilidades para resolver os problemas que estão a nossa volta”, conta Yunus.

O bengalês é o criador do Grameen Bank, um banco especializado em microcrédito. Fundado em 1976, o objetivo da instituição é acabar com a pobreza do mundo. O projeto teve início quando Yunus emprestou 27 dólares para 42 mulheres comprarem matéria-prima e, assim, confeccionarem seus artesanatos. O empréstimo foi pago e a experiência deu origem ao negócio social. “As vezes nos vemos pequenos demais diante de grandes problemas. Mas não importa o quão grande esses problemas sejam. Tente colocá-los em nível individual. Se você conseguir ajudar a uma pessoa, poderá replicar a solução em maior escala, atingindo dezenas, centenas, milhares e milhões”, explica ele. “Foi assim que fiz. Comecei a emprestar pequenas quantias de dinheiro em uma vila, de modo que as pessoas pudessem escapar dos tubarões do empréstimo. Hoje temos 8 milhões de clientes no Grameen Bank, sendo que 97% deles são vencedores, pois conseguem gerar renda e pagar seus empréstimos”, orgulha-se.

Para Yunus, os problemas sociais são oportunidades. Segundo ele, toda vez que procura resolver o problema de alguém, acaba criando um novo negócio social. “Fizemos um hospital para operar cataratas. Hoje, com capacidade para 10 mil intervenções por ano, cada operação custa apenas 1 dólar. Mesmo assim, o investimento se pagou em quatro anos”, exemplifica.

A importância de se ter uma operação economicamente sustentável foi bastante enfatizada pelo banqueiro. Ao contrário de iniciativas filantrópicas, onde pessoas de posse colocam dinheiro sem que aquilo necessariamente apresente algum retorno, um negócio social é um investimento com retorno. Obviamente a empresa não deve ter como principal foco a geração de dinheiro, mas sim a solução dos problemas das pessoas. “Não queremos fazer dinheiro, mas, sim, fazer as coisas acontecerem. Quero fazer negócios que sejam bons para os outros. Espero que esse centro fomente muitas idéias com esse propósito”, enfatiza Yunus, que completa: “Isso não quer dizer que o idealizador de um negócio social deva passar fome. Não é assim. A iniciativa não deve gerar dividendos financeiros, mas deve sim distribuir salários no mesmo nível dos praticados no mercado.”
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Fonte: Mercado Ético

Carta do papa Francisco a um sacerdote argentino

Levo uma vida normal
O papa Francisco enviou uma breve carta ao sacerdote argentino Enrique “Quique” Rodríguez, na qual fala da sua opção por “levar uma vida normal” e manter um contato contínuo com as pessoas.
“Estou perto das pessoas e levo uma vida normal: missa pública de manhã, almoço no refeitório com todos, etc. Isto me faz bem e evita o isolamento”, comentou o papa Francisco na carta ao pe. Quique, que lhe havia escrito em 1° de maio.

O sacerdote argentino comentou na rádio La Red La Rioja que, no último domingo, chegou à casa de retiros Tinkunaco, ao lado de sua paróquia, e encontrou um envelope dirigido a ele, mas sem remetente.

“Isso me chamou a atenção e eu abri imediatamente. Aí tive a grata surpresa de ver que era a resposta do papa, que eu conheço faz muito tempo. Eu tinha escrito a ele para comentar sobre as festas da paróquia”, relatou o padre. Como ele tinha recebido o envelope justo antes do início da missa, decidiu ler a missiva papal no final da celebração, o que “alegrou muito a comunidade, tanto que os fieis aplaudiram quando eu terminei de ler”.

A carta que tanta surpresa causou ao pároco argentino diz textualmente:

“Querido Quique: Hoje recebi a carta do último 1º de maio. Ela me deu muita alegria; a descrição da Festa Patronal me trouxe ar fresco. Eu estou bem e não perdi a paz diante de um fato totalmente surpreendente, e considero isto um dom de Deus.
 
Procuro manter o mesmo jeito de ser e de agir que tinha em Buenos Aires, porque se eu mudar, na minha idade, com certeza vou fazer um papel ridículo. Não quis ir morar no Palácio Apostólico, vou lá só para trabalhar e para as audiências. Fiquei morando na Casa Santa Marta, que é uma hospedaria (onde ficamos alojados durante o conclave) para bispos, padres e leigos. Estou perto das pessoas e levo uma vida normal: missa pública de manhã, almoço no refeitório com todos, etc. Isto me faz bem e evita o isolamento. Quique, saudações para os teus paroquianos. Peço, por favor, que você reze e peça para rezarem por mim. Saudações para o Carlos e o Miguel. Que Jesus o abençoe e Nossa Senhora cuide de você. Fraternalmente, Francisco. Vaticano, 15 de maio de 2013”.
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Fonte:  MADRI, 28 de Maio de 2013 (Zenit.org) - 
Imagem da Internet

Tempos Líquidos, O Tabu Da Morte E A Indústria Cultural

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A Morte pode ser experimentada de diversas maneiras. É o que Zygmunt Bauman, um dos sociólogos mais influentes da atualidade, afirma. Como então, podemos retirar exemplos de sua análise dos produtos da indústria cultural? É aqui que as grandes produções funcionam como pontes para esclarecer pontos nebulosos de nossa época.


 
A morte é um tema tabu. Ela é um tabu. Para Bauman, a sociedade é um dispositivo que visa tornar a noção da morte menos temerosa e angustiante. É aí que entram as experiências de morte: podem ser numeradas em três tipos (três graus): 1) morte propriamente dita, 2) a morte de alguém com quem nos relacionávamos - esta seria experiência primária de morte, a mais perto da morte propriamente dita que alguém pode ter - e 3) a quebra de um laço, de um relacionamento (em outra palavras, a exclusão).

Por que estou escrevendo este texto? Basicamente para falar que, mesmo sendo a morte um tema tabu, há duas maneiras que a nossa sociedade tenta nos acalmar perante este certo destino: a banalizando/espetacularizando (um exemplo são os reality shows, que promovem a exclusão como condição necessária para sua existência – afinal, se quase todos não forem excluídos, como um vai ganhar? Outro exemplo são os programas de jornalismo policial sensacionalistas ou os filmes de guerra e conflito ao estilo Tropa de Elite e Rambo) e a desconstruindo (ou seja, dando detalhes das causas da morte para tornar viável a frase "viu, poderia ter evitado!"). 

A Indústria Cultural é sempre uma fonte boa de exemplos:

Em House, sua incapacidade e má vontade para se relacionar com seus companheiros de trabalho pode ser muito bem traduzida no despreparo para a quebra de relacionamentos duradouros. House se conecta às pessoas, justamente para ter a facilidade em se desconectar quando necessário (ou seja, quando ele quiser). Não firma nenhum laço mais forte exatamente porque aquilo que ele representa é a sociedade em que não há equipamentos muito bem postos à disposição das pessoas para saber como lidar com as incertezas de qualquer tipo de relacionamento.
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Os filmes e seriados de Zumbi, como Walking Dead, são uma prova clara (e bota clara nisso!) de que a morte está num processo rápido (à passos larguíssimos!) de ser colocada como algo do cotidiano. Os zumbis estão mortos, mas mesmo assim precisam ser mortos novamente. Não estão mortos, pois estar morto ainda é, de certa forma, estar vivo. É necessário, então, matar novamente. O herói deste tipo de filme é o sujeito que mata aquilo que, apesar de já estar em outro mundo, perturba sua realidade, seu presente. O que perturba nosso presente, mesmo sem existir de maneira material? As lembranças, as memórias, que, por sua vez, levam à culpa. 

Os heróis de séries e filmes de zumbis são eliminadores de culpa e memórias. São sujeitos do presente e só vivem no presente. É neste momento que a morte adquire a leveza do “morreu, antes ele do que eu!”. E a indiferença se torna um dos equipamentos para se lidar com a morte.

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Closer é um exemplo clássico da quebra do relacionamento. Da exclusão. Mas a exclusão definitiva é de Dan – que se perde nas incertezas de um relacionamento propriamente dito e, acostumado aos laços frágeis e fáceis de serem quebrados da conexão (aquela que o House adora manter com seus companheiros de trabalho), experimenta a exclusão definitiva.

Pode-se dizer que quebra de relacionamentos acontece todo dia em todo o mundo, entretanto, o significado que ela tem para uma sociedade desacostumada com a relação e acostumada com a conexão (em outras palavras, desacostumada e despreparada para a rigidez e responsabilidade de uma relação, e acostumada e confortável na fragilidade de um laço que pode ser chamado de conexão – e que é mais atraente exatamente por ser fácil e nem um pouco incômodo desconectar) é imensurável. O fim de Dan e Alice foi um fim pesado e penoso, foi um fim de relacionamento, não de conexão. Foi um tipo fim que tenta ser evitado em nossa bem aventurada sociedade líquido moderna.
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Como exemplo final e, talvez, um tanto quanto político, creio que os filmes vingança (Justiceiro e Max Payne, por exemplo) são importantes de se falar. Este filmes fazem da morte de segundo grau, a número 2, lá no primeiro parágrafo, algo possível de ser superado... Desde que haja alguma ação de limpeza. O que isso quer dizer? 

Estes filmes dizem que a morte pode ser superada (ou seja, há como o sujeito que experimenta a morte de um parceiro, por exemplo, viver em paz após este fato), mas só se o indivíduo tomar como projeto de vida a aniquilação daquilo que levou seu companheiro. O que isso pode significar? Um movimento reacionário à modernidade líquida. 

É o grito daqueles que querem se manter no mundo panóptico moderno. A vingança dos personagens deste tipo de filme é uma vingança contra um malfeitor ou contra grupos de malfeitores que só existem em uma sociedade de fácil mobilidade (são os traficantes que viajam de país a país, são os grupos que sequestram adolescentes para vender no mítico leste europeu, são as gangues russas dentro dos Estados Unidos e etc e etc). Este tipo de filme é o urro do conservador que gostaria de guardar uma espingarda em baixo da cama para proteger a família de um assalto. Típica reivindicação patriarcal.

É assim que a indústria cultural acaba sendo parte do dispositivo que tenta fazer da vida menos angustiante, entretanto, transformando a morte em algo banal, digno de indiferença; espetacular, digna de consumo; mas também mostra as reações conservadoras a este tipo de sociedade líquida moderna, que é a morte digna de vingança, uma vingança que, na realidade, nunca é alcançada.
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 em recortes por em 27 de mai de 2013
Fonte: http://lounge.obviousmag.org/hepatopatia_cronica/2013/05/27