Rubens Ricupero
Se algo não mudar, vamos chegar ao fim do século com mudança de clima que ameaça a civilização
Em 10 mil anos de história, é a primeira vez que a humanidade tem o
poder de cometer suicídio coletivo. Era essa a tese central de Emmanuel
Mounier em "O Grande Medo do Século 20". Publicado em 1947, o livro se
referia à ameaça de uma catástrofe atômica, angústia constante na fase
aguda da Guerra Fria entre EUA e URSS. Passaram-se 66 anos e conseguimos
evitar o pior.
Na época de Mounier não se sabia que os homens poderiam liquidar o mundo
não só com bombas, mas com o aumento desenfreado da produção econômica e
do abuso dos combustíveis fósseis. Quinze dias atrás, ultrapassamos o
sinal amarelo no rumo da destruição. A atmosfera registrou 400
partículas de dióxido de carbono por um milhão.
É preciso recuar 4,5 milhões de anos para encontrar concentração
comparável. O clima era então muito mais quente, quatro ou cinco graus a
mais em média. No ritmo atual, não existe nenhuma possibilidade de
limitar o aquecimento global a dois graus como decidido em Copenhague.
Se algo não mudar, vamos chegar ao fim do século com 800 partículas e
mudança de clima de dimensões que ameaçam a sobrevivência da civilização
tal como a conhecemos.
A violação da marca simbólica de 400 por milhão não provocou nenhuma
declaração ou alerta de chefes de Estado. Um dia depois, os jornais
esqueceram o assunto e voltou-se ao dia a dia como se nada tivesse
acontecido. Como explicar tal indiferença diante da morte anunciada que
espera o mundo dos homens?
O silêncio é inexplicável numa sociedade na qual a ciência substituiu a
religião como crença unificadora. Ora, a ciência climática não permite
dúvidas: de 12 mil estudos científicos sobre o tema em 20 anos, 98,4%
confirmam as previsões!
Há muitas explicações para a inércia. Uma delas tem a ver com a natureza
da ameaça. Crises como a dos mísseis de Cuba em 1962 precisam ser
resolvidas em horas ou dias. Se o presidente Kennedy tivesse hesitado,
em poucos dias seria tarde demais. Já o desastre ambiental é como um
câncer de expansão lenta: sabe-se que ele está lá, que se nada se fizer,
a morte é inevitável. Mas não se sabe o dia nem a hora. Isto é, uma
catástrofe em futuro indeterminado carece da força para precipitar
soluções difíceis.
O provável por isso é que só haverá ação decisiva para evitar o colapso
definitivo depois de uma sucessão de calamidades espantosas. Quando isso
suceder, muitas das consequências já se terão tornado irreversíveis
como o derretimento das geleiras, a elevação do nível dos oceanos, a
inundação de cidades, a desertificação, a extinção de milhares de
espécies.
Toynbee lembrava num dos seus últimos livros que nisso os homens
deveriam invejar insetos como as formigas, condicionados do ponto de
vista psicossomático a agir coletivamente por instinto de sobrevivência.
Estudo recente comprovou que os peixes já estão migrando para o norte
em busca de águas mais frias. Enquanto isso, os seres humanos se
deslumbram com o avanço em produzir e queimar mais gás a partir do
xisto...
A razão talvez esteja com o poeta T.S. Eliot: o mundo acaba não com um estrondo, mas com um gemido.
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* Colunista da Folha
Fonte: Folha on line, 27/05/2013
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