Pelo mundo. Lila, nascida no Irã, criada na França e radicada em Nova York, fala seis línguas e faz aulas de português Divulgação/Hank Gans
Em Paraty, escritora franco-iraniana vai lançar ‘O Encantador’, em que declara paixão por Nabokov
Publicada em seis países, obra recebeu elogios de autores como Orhan Pamuk e Salman Rushdie.
Nascida no Irã e criada nos EUA e na França, autora está aprendendo a falar português.
NOVA YORK - "Você gosta de doce?" pergunta Lila Azam Zanganeh. "Tem um lugar maravilhoso aqui do lado".
Saímos
da porta do Whitney Museum em direção à Lady M, confeitaria japonesa
que, segundo ela vai contando, é um dos melhores endereços do Upper East
Side, em Manhattan. A fila faz jus à fama, e decidimos procurar outro
lugar, mas antes ela faz questão de apontar para uma torta na vitrine:
— Aquela ali é a minha preferida. Não deixe de voltar para provar.
No
caminho para o restaurante Sant Ambroeus, no fim da tarde de anteontem,
Lila — escritora iraniana que foi criada em Paris e hoje é parte
indissociável da elite literária de Nova York — desanda a falar um
português surpreendentemente apurado. Fluente em seis línguas, ela tem
ao menos três razões para abraçar a sétima: é uma das estrelas da Festa
Literária Internacional de Paraty (Flip), cuja programação foi anunciada
nesta quinta-feira e onde vai falar sobre seu primeiro livro, o
festejado “O encantador — Nabokov e a felicidade”, que a editora
Objetiva lança em junho pelo selo Alfaguara; já vendeu o segundo, um
ambicioso romance no qual anda debruçada, para a Companhia das Letras; e
tem um namorado brasileiro (mas prefere que este não seja assunto para o
jornal, logo não o será).
Lila
tem estudado português com afinco — por Skype, duas vezes por semana,
auxiliada por um doutorando em Literatura da USP — porque pretende
gastá-lo na mesa da qual participará na Flip. Já leu, e adorou ler,
Drummond e Leminski no original. Clarice Lispector ela bem que tentou,
mas achou “A hora da estrela” muito difícil por enquanto — e passou para
a tradução do biógrafo da autora, Benjamin Moser, de quem é amiga. Aos
36 anos, os últimos 12 passados em Nova York, Lila conhece todo mundo.
“O
encantador” já foi publicado em seis países (EUA, Reino Unido, França,
Espanha, Itália, Holanda) e neste ano chega a mais três (China e Rússia,
além do Brasil) ou quatro (há negociações avançadas com a Alemanha). Ao
sair do prelo, em 2011, recebeu elogios de autores como Orhan Pamuk e
Salman Rushdie. Um sucesso admirável para um projeto arriscado e difícil
de definir: com elementos de biografia, ensaio e ficção, o livro
descreve a experiência de ser uma leitora apaixonada de Vladimir Nabokov
(1889-1977).
Assim como Lila, Nabokov viveu exilado. Como ela, o
russo teve parentes vítimas de assassinatos políticos. E escreveu em uma
língua que não a materna, o inglês. Mas a devoção a VN — como ela o
chama — vai além:
— Nabokov, para mim, é o escritor que acreditou
mais do que qualquer outro no poder da imaginação. E, para ele, a
imaginação começa com visão, com detalhe, com uma cuidadosa e
maravilhosa observação do mundo — declara Lila, que dedicou a ele sua
tese de mestrado em Literatura na École Normale Supérieure, em Paris, e
hoje é uma das conselheiras da fundação que administra o legado do
escritor.
Lila passou um ano e meio tentando publicar “O
encantador”. Ela escrevia sobre literatura para publicações como “Le
Monde”, “The New York Times” e “La Repubblica” e havia organizado uma
antologia de contos de autores iranianos.
— Quando conversava com
editores, podia ver os cifrões nos olhos deles: o que queriam, claro,
era uma coisa na linha “Lolita em Teerã”. Mas meu amor por Nabokov não
tem nada a ver com o fato de ser iraniana. Não queria que isso fosse
pretexto para vender livros — diz Lila, que, propositalmente, sequer
menciona o Irã em “O encantador”. — É um livro sobre por que a
literatura importa, sobre por que a beleza importa; sobre a literatura
ser o melhor caminho para a beleza. Eu poderia ser islandesa que não
faria diferença.
Lila sempre tomou cuidado para não virar “uma
pessoa pública que fala sobre o Irã”. Nem poderia: filha de expatriados,
só esteve no no país uma vez, aos sete meses de idade.
— O Irã
para mim é um lugar imaginado. Sonho em ir ao país e o farei assim que
puder. As coisas estão realmente violentas lá — lamenta. — Agradeço aos
meus pais por terem me feito falar persa. A língua é a minha maior
conexão com o país. Também ouvi muitas histórias de lá, sempre vivemos
cercados de iranianos em casa.
O mérito de ter conseguido fazer o
livro que queria ela atribui à editora Nicole Araji, que lhe foi
indicada pelo escritor Jonathan Safran Foer e trabalhou duro para vender
o trabalho sem concessões. Ela também cuida do novo livro, “The Orlando
inventions: histories of love”, um romance que atravessa 14 séculos.
—
É sobre a natureza do amor, e reconta uma genealogia ficcional que
começa na França do século VIII, na Batalha de Roncesvalles, e termina
na Nova York no século XX. Uma história que vem sendo recontada ao longo
da história da literatura — adianta, citando como exemplo o “Orlando”
de Virginia Woolf. — Gosto da noção de reescrever na literatura.
Shakespeare reescrevia. Todas as histórias são reescritas. Toda história
de amor é uma história recontada.
Lila escreve e reescreve sem
pressa, cuidando de cada palavra e sobretudo da textura. Já chegou ao
primeiro terço, acredita. Trabalha todo dia — deitada na cama — da hora
em que acorda até as 17h, alheia ao que acontece no mundo graças ao
sistema Freedom, que bloqueia a internet. E-mails, monitora pelo
celular, mas se não for muito importante só responde à noite.
—
E-mail gera e-mail — justifica ela, que interrompe a conversa quando
percebe que está atrasada para a aula de pilates. — Tive que começar a
fazer exercício. Imagina uma vida passada na cama...
----------------Reportagem por Isabel De Luca
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