sexta-feira, 24 de maio de 2013

Convidada para a Flip, Lila Azam Zanganeh fala de seu trabalho


Pelo mundo. Lila, nascida no Irã, criada na França e radicada em Nova York, fala seis línguas e faz aulas de português
Foto: Divulgação/Hank Gans

Pelo mundo. Lila, nascida no Irã, criada na França e radicada em Nova York, fala seis línguas e faz aulas de português Divulgação/Hank Gans

Em Paraty, escritora franco-iraniana vai lançar ‘O Encantador’, em que declara paixão por Nabokov
Publicada em seis países, obra recebeu elogios de autores como Orhan Pamuk e Salman Rushdie.
Nascida no Irã e criada nos EUA e na França, autora está aprendendo a falar português.
NOVA YORK - "Você gosta de doce?" pergunta Lila Azam Zanganeh. "Tem um lugar maravilhoso aqui do lado".

Saímos da porta do Whitney Museum em direção à Lady M, confeitaria japonesa que, segundo ela vai contando, é um dos melhores endereços do Upper East Side, em Manhattan. A fila faz jus à fama, e decidimos procurar outro lugar, mas antes ela faz questão de apontar para uma torta na vitrine:

— Aquela ali é a minha preferida. Não deixe de voltar para provar.

No caminho para o restaurante Sant Ambroeus, no fim da tarde de anteontem, Lila — escritora iraniana que foi criada em Paris e hoje é parte indissociável da elite literária de Nova York — desanda a falar um português surpreendentemente apurado. Fluente em seis línguas, ela tem ao menos três razões para abraçar a sétima: é uma das estrelas da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), cuja programação foi anunciada nesta quinta-feira e onde vai falar sobre seu primeiro livro, o festejado “O encantador — Nabokov e a felicidade”, que a editora Objetiva lança em junho pelo selo Alfaguara; já vendeu o segundo, um ambicioso romance no qual anda debruçada, para a Companhia das Letras; e tem um namorado brasileiro (mas prefere que este não seja assunto para o jornal, logo não o será).
Lila tem estudado português com afinco — por Skype, duas vezes por semana, auxiliada por um doutorando em Literatura da USP — porque pretende gastá-lo na mesa da qual participará na Flip. Já leu, e adorou ler, Drummond e Leminski no original. Clarice Lispector ela bem que tentou, mas achou “A hora da estrela” muito difícil por enquanto — e passou para a tradução do biógrafo da autora, Benjamin Moser, de quem é amiga. Aos 36 anos, os últimos 12 passados em Nova York, Lila conhece todo mundo.

“O encantador” já foi publicado em seis países (EUA, Reino Unido, França, Espanha, Itália, Holanda) e neste ano chega a mais três (China e Rússia, além do Brasil) ou quatro (há negociações avançadas com a Alemanha). Ao sair do prelo, em 2011, recebeu elogios de autores como Orhan Pamuk e Salman Rushdie. Um sucesso admirável para um projeto arriscado e difícil de definir: com elementos de biografia, ensaio e ficção, o livro descreve a experiência de ser uma leitora apaixonada de Vladimir Nabokov (1889-1977).

Assim como Lila, Nabokov viveu exilado. Como ela, o russo teve parentes vítimas de assassinatos políticos. E escreveu em uma língua que não a materna, o inglês. Mas a devoção a VN — como ela o chama — vai além:

— Nabokov, para mim, é o escritor que acreditou mais do que qualquer outro no poder da imaginação. E, para ele, a imaginação começa com visão, com detalhe, com uma cuidadosa e maravilhosa observação do mundo — declara Lila, que dedicou a ele sua tese de mestrado em Literatura na École Normale Supérieure, em Paris, e hoje é uma das conselheiras da fundação que administra o legado do escritor.

Lila passou um ano e meio tentando publicar “O encantador”. Ela escrevia sobre literatura para publicações como “Le Monde”, “The New York Times” e “La Repubblica” e havia organizado uma antologia de contos de autores iranianos.

— Quando conversava com editores, podia ver os cifrões nos olhos deles: o que queriam, claro, era uma coisa na linha “Lolita em Teerã”. Mas meu amor por Nabokov não tem nada a ver com o fato de ser iraniana. Não queria que isso fosse pretexto para vender livros — diz Lila, que, propositalmente, sequer menciona o Irã em “O encantador”. — É um livro sobre por que a literatura importa, sobre por que a beleza importa; sobre a literatura ser o melhor caminho para a beleza. Eu poderia ser islandesa que não faria diferença.

Lila sempre tomou cuidado para não virar “uma pessoa pública que fala sobre o Irã”. Nem poderia: filha de expatriados, só esteve no no país uma vez, aos sete meses de idade.

— O Irã para mim é um lugar imaginado. Sonho em ir ao país e o farei assim que puder. As coisas estão realmente violentas lá — lamenta. — Agradeço aos meus pais por terem me feito falar persa. A língua é a minha maior conexão com o país. Também ouvi muitas histórias de lá, sempre vivemos cercados de iranianos em casa.

O mérito de ter conseguido fazer o livro que queria ela atribui à editora Nicole Araji, que lhe foi indicada pelo escritor Jonathan Safran Foer e trabalhou duro para vender o trabalho sem concessões. Ela também cuida do novo livro, “The Orlando inventions: histories of love”, um romance que atravessa 14 séculos.

— É sobre a natureza do amor, e reconta uma genealogia ficcional que começa na França do século VIII, na Batalha de Roncesvalles, e termina na Nova York no século XX. Uma história que vem sendo recontada ao longo da história da literatura — adianta, citando como exemplo o “Orlando” de Virginia Woolf. — Gosto da noção de reescrever na literatura. Shakespeare reescrevia. Todas as histórias são reescritas. Toda história de amor é uma história recontada.

Lila escreve e reescreve sem pressa, cuidando de cada palavra e sobretudo da textura. Já chegou ao primeiro terço, acredita. Trabalha todo dia — deitada na cama — da hora em que acorda até as 17h, alheia ao que acontece no mundo graças ao sistema Freedom, que bloqueia a internet. E-mails, monitora pelo celular, mas se não for muito importante só responde à noite.

— E-mail gera e-mail — justifica ela, que interrompe a conversa quando percebe que está atrasada para a aula de pilates. — Tive que começar a fazer exercício. Imagina uma vida passada na cama...
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Reportagem por  Isabel De Luca
Fonte: http://oglobo.globo.com/cultura/convidada-para-flip-lila-azam-zanganeh-fala-de-seu-trabalho-8480497#ixzz2UEsY9SOy

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