sábado, 25 de maio de 2013

Viva Delfim

Moisés Mendes *
Há pessoas que largam faíscas pelos olhos, pela boca, pelas mãos e pelos textos, às vezes quando apenas se movimentam. Não é pela eloquência, mas pelo brilho sem muito esforço. Pela capacidade de síntese, de ser agudo sem ser agressivo ou populista, de convencer com uma frase. Delfim Netto é uma delas. É o mais instigante brasileiro vivo. Fez 85 anos no dia 1º de maio, com uma juventude intelectual rara. É um pensador progressista num meio com ideias cansadas, sustentadas por gente meio século mais jovem do que ele.

Vivemos da repetição de teses conservadoras em economia. Delfim se especializou em desmontá-las, com a naturalidade de quem desenrosca uma lâmpada. A última é a de que o Brasil ficou desinteressante ao investidor estrangeiro. Há, no meio dessa conversa, a insinuação de que não poderíamos ter juros baixos como os atuais.

Durante mais de duas décadas, o Brasil foi para o mercado financeiro o que o centro de São Paulo ainda é para os viciados em crack. Pagamos as mais altas taxas do mundo, atraindo sem restrições todos os consumidores de juros do planeta. Grandes rentistas nacionais e estrangeiros viviam do conforto da remuneração farta da renda. Sem o fornecedor, vagam sem rumo em crise de abstinência.

O aplicador graúdo já não ganha mais o que ganhava nas bolsas mundiais, quebradas há cinco anos, e perdeu os rendimentos que o Brasil desembolsava. Desorientou-se com a falta da droga e com a nova lógica da economia. O mundo pratica juros negativos. Aplica-se onde o dinheiro fica protegido, e não onde rende alguma coisa.

Ao mesmo tempo, acabou por aqui, numa definição de Delfim, a festança com o último pernil com batatas do mundo. Há desconforto com o fim das batatas e com a substituição do pernil. O comedor de juros gordos não se contenta com o frango com brócolis. E tenta convencer a todos, porque esse é seu negócio, que o Brasil erra ao reduzir o juro. Aqui – só aqui, repete boa parte do mercado financeiro –, o juro deve ser bem mais alto do que em outros países.

Outra tese recente combina juro alto com desemprego deliberado como método para combater a inflação. Funcionaria com o aumento do custo do dinheiro nos bancos e com demissões pesadas nas empresas. Tudo para frear renda, produção e consumo e assim segurar os preços. A resposta de Delfim a essa crueldade, em entrevista no mês passado ao jornal O Globo, é de emoldurar:

– A empregada doméstica virou manicure ou foi trabalhar num call center. Agora, ela toma banho com sabonete Dove. A proposta desses gênios é aumentar os juros e fazer com que ela volte a usar sabão de coco.

O que está em jogo é bem mais do que o sabão. Tem gente que não vive sem juro, enquanto o empreendedor continua suando. Quem empreende, diz Delfim, prospera pela satisfação de produzir alguma coisa desafiando todo tipo de risco. O rentista é o contrário. Mal acostumado, ficou dependente da moleza da mesada paga pelo governo (captador de dinheiro para financiar sua dívida), em cumplicidade com os bancos, que, ao invés de financiar a produção e também correr riscos, preferiam intermediar o rentismo.

Estaríamos mais burros e mais engambelados sem Delfim Netto. Há alguns anos, entrevistei-o por telefone por meia hora. Ele estava tão empolgado naquele dia, que, quando encerrei e agradeci, me disse: mas já terminou, gaúcho? Queria mais, pois seu vício é a provocação. Eu admito que estou viciado em Delfim.
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* Jornalista
moises.mendes@zerohora.com.br 

Fonte: ZH on line, 16/05/2013
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