Edival Lourenço*
Nós brasileiros temos um lado Macunaíma. Essa capacidade de
carnavalizar as coisas sérias, por mais solenes e carrancudas que sejam.
De contaminar o siso com um riso. Na época de chumbo da ditadura
militar, havia um bordão, dito por não sei quem, que era bem sintomático
desse estado de espírito tupiniquim capaz de quebrar o ranço metido a
besta de qualquer coisa.
O bordão era o seguinte: deixa vir o comunismo que a gente relaxa com
ele. Esse é o nosso talento maior. Relaxar com tudo. Tudo é feito para
acabar em relaxo. Qualquer coisa. Seja uma obra pública do porte da
ferrovia Norte-Sul, seja uma lei recém-promulgada, seja uma ideologia
como o marxismo ou a globalização. Tudo, como diz o bordão, mas tudo
mesmo, a gente relaxa. Nossos heróis viram piadas, nossa história se
converte em lorota. Nossa literatura não daria conta de contar como o
país se fundou. Mas como o país se afundou, por certo está estampado nas
páginas de nossos escribas. Não temos uma literatura nacional fundante,
como existe em vários países mundo afora.
Um exemplo claro dessa capacidade de relaxar com as coisas foi o que
aconteceu com o feminismo, importado da Europa, com maior vigor a partir
dos anos 60 do século passado. Esse movimento veio com o objetivo de
reduzir as diferenças de oportunidades entre homens e mulheres. Para
isso buscou o reconhecimento dos direitos econômicos, sociais, culturais
e até ambientais das mulheres, para que tudo ficasse igual entre os
gêneros. Um movimento pela libertação. Aliás, houve uma ala mais
radical, que tentou até suprimir os gêneros. Certamente bebeu no
marxismo que prega a diluição do indivíduo, que deixaria de ser um ser
para ser uma espécie. Assim para essa ala feminista tampouco haveria
homem e mulher, mas apenas a espécie humana. Os genros macho e fêmea
seriam uma invenção do machismo, um ardil para continuar dominando.
Esse movimento chegou aqui numa banca danada. Com mulheres (que com o
tempo não seriam mais mulheres, mas apenas seres humanos), com mulheres
fazendo passeatas ruidosas, gritando palavras de ordem contra seus
homens, queimando calcinhas e sutiãs em praça pública e tudo o mais.
Desfraldando bandeiras e lemas: Sem feminismo não há socialismo, Abaixo
os porcos chauvinistas etc.
O país ainda era muito rural e realmente conservador. Uma jovem
quando “se perdia”, que era manter a primeira relação sexual fora e
antes do casamento, era expulsa de casa. Não era aceita em casas de
parentes, muito menos em casas de religiosas. Essa moral carrancuda
fornecia um contingente fenomenal para os bordéis, que eram os únicos
lugares em que essas moças “perdidas” poderiam encontrar apanágio. (Se
você não sabe o que é apanágio, não se preocupe, essa palavra é caduca
mesmo.)
Pois então. O feminismo chegou quando vigorava essa moral de
carranca. As mulheres do movimento queimaram as roupas de baixo e
expuseram as intimidades em praças públicas. Coincidiu com o início do
êxodo rural (a roça jogando na cidade um gigantesco volume de pessoas
despreparadas, num ambiente urbano sem as mínimas condições, sem espaço
para viver, sem meios de esse povo chegante apresentar suas
manifestações).
Houve uma dialética muito forte. O choque de uma tese nova em cima de
uma antítese (o status quo) para daí resultar a síntese, uma situação
novinha em folha. A síntese da dialética de Hegel, tão louvada por Marx e
Engels. Houve uma fervura e uma destilação. A velha sociedade
conservadora foi misturada, coada, filtrada juntamente com as propostas
femininas e outras doutrinas entrantes. Em poucos anos as moças
“perdidas” não eram mais “perdidas”, mas sim sectárias de uma
força-tarefa de uma guerra libertária, da luta pela igualdade de
direitos.
Mas a gente estava no Brasil, onde tudo tem um viés de relaxo. O
resultado mais contundente do movimento feminista contra os costumes
falsamente puritanos de então não foi o surgimento de uma casta de
mulheres libertas do jugo masculino. O que surgiu daí com mais expressão
foi uma figura nova, um novo tipo de mulher que está presente em todos
os quadrantes da sociedade, que são as piriguetes, que adoram homens.
Sobretudos cafajestes. As piriguetes são resultantes do movimento
feminista. Um monumento nacional. A velha mulher brasileira, agora
alambicada. O que de mais moderno e representativo nós temos. As
piriguetes com suas insinuações e facilidades, com sua beleza acintosa,
com seus lemas: Pagando bem que mal que tem, Dinheiro na mão calcinha no
chão etc. Libertárias e libertas, fazem a alegria dos turistas e dos
homens sem compromissos. Não precisam sair da casa dos pais, nem morar
nos puteiros para o exercício de algo que em muito se parece com a
profissão mais antiga do mundo. São as filhas do feminismo caboclo.
A outra vertente do feminismo, a parte séria, digamos, foi quase um
ardil. Gerou uma mulher amarga, estressada, com três turnos de trabalho,
um lar carente da presença masculina. Seja porque o homem deu no pé,
seja porque o cara é um banana. Sujeito que só serve mesmo para se tirar
cria e mandar sumir no mundo.
O feminismo, com toda a sua empáfia, deu nisso. Aqui não, cabritinho! Venha o movimento que vier: a gente relaxa com ele.
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* Escritor.
Fonte: http://www.revistabula.com/428-de-feministas-prostitutas-e-piriguetes/
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