Haruki Murakami*
Quando saíres da tempestade já não serás a mesma pessoa. Só assim as
tempestades fazem sentido.
Por vezes o
destino é como uma pequena tempestade de areia que não pára de mudar de
direcção.
Tu mudas de rumo, mas a tempestade de areia vai atrás de ti.
Voltas a mudar de direcção, mas a tempestade persegue-te, seguindo no
teu encalço.
Isto acontece uma vez e outra e outra, como uma espécie de
dança maldita com a morte ao amanhecer.
Por quê?
Porque esta tempestade
não é uma coisa que tenha surgido do nada, sem nada que ver contigo.
Esta tempestade és tu.
Algo que está dentro de ti.
Por isso, só
te resta deixares-te levar, mergulhar na tempestade, fechando os olhos e
tapando os ouvidos para não deixar entrar a areia e, passo a passo,
atravessá-la de uma ponta a outra.
Aqui não há lugar para o sol nem para
a lua; a orientação e a noção de tempo são coisas que não fazem
sentido.
Existe apenas areia branca e fina, como ossos pulverizados, a
rodopiar em direcção ao céu.
É uma tempestade de areia assim que deves
imaginar.
(...) E não há maneira de escapar à violência da
tempestade, a essa tempestade metafísica, simbólica. Não te iludas: por
mais metafísica e simbólica que seja, rasgar-te-á a carne como mil
navalhas de barba.
O sangue de muita gente correrá, e o teu juntamente
com ele.
Um sangue vermelho, quente.
Ficarás com as mãos cheias de
sangue, do teu sangue e do sangue dos outros.
E quando a tempestade tiver passado, mal te lembrarás de ter conseguido atravessá-la, de ter conseguido sobreviver.
E quando a tempestade tiver passado, mal te lembrarás de ter conseguido atravessá-la, de ter conseguido sobreviver.
Nem sequer terás a certeza
de a tormenta ter realmente chegado ao fim.
Mas uma coisa é certa.
Quando saíres da tempestade já não serás a mesma pessoa. Só assim as
tempestades fazem sentido.
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* Escritor japonês. In 'Kafka à Beira-Mar'
Fonte: http://www.citador.pt/textos/a-tempestade-do-destino-haruki-murakami
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