Antonio Ozaí da Silva*
Em
2012, não recordo a data exata, iniciei o projeto de ler a Bíblia na
íntegra. Desde então, e sempre que possível, dedico uma parte da noite
para a leitura, reflexão e anotações. Leio sem pressa, como quem espera
ser agraciado com a dádiva da vida no dia seguinte. “A senhora
insensatez é impulsiva, é ingênua e nada conhece” (Pr 9,13).[1]
Pensando bem, talvez seja insensato acreditar no dia seguinte, pois o
tempo não nos pertence. Mas basta a certeza da finitude, não é
necessário atormentar-se com a iminência da morte. Ela tem o seu próprio
tempo. “Há um momento para tudo e um tempo para todo propósito debaixo
do céu. Tempo de nascer, e de tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo
de arrancar a planta” (Ecl 3, 1-2). Morrer é da natureza intrínseca dos
seres vivos; é da condição humana e, nisto, somos iguais aos animais em
geral. “Pois a sorte do homem e do animal é idêntica: como morre um,
assim morre o outro, e ambos têm o mesmo alento; o homem não leva
vantagem sobre o animal, porque tudo é vaidade” (Ecl 3, 19). Assim,
talvez seja uma doce ilusão acreditar no amanhã, mas é agradável viver
com a esperança da aurora que anuncia o recomeço do ciclo da vida.
Na juventude, eu li a Bíblia. Embora comungasse sinceramente a sua
mensagem religiosa e espiritual, tratava-se de uma leitura orientada
pelo viés político-religioso da Teologia da Libertação. A Bíblia era o
nosso livro vermelho.[2]
Como escrevi em outro momento, a leitura da Bíblia dava-me respostas
diante das injustiças sociais que sentia e via ao meu redor e reforçava a
minha esperança utópica por uma sociedade justa e igualitária.[3]
Naquela época, porém, não a li na íntegra nem seqüencialmente, mas sim
trechos propensos à reflexão social e política – ainda que assimilados
religiosamente. Era o tempo da militância na Pastoral Operária (SP).
Mesmo quando, tempos atrás, retomei a leitura bíblica, não havia o
propósito de ler integramente, mas apenas os Livros Poéticos e Sapienciais[4] – que reli recentemente. No momento, iniciei a leitura dos Livros Proféticos.
Em respeito ao leitor, admito que não leio a Bíblia com o ardor
religioso dos que consideram cada palavra inscrita como a revelação
divina e conferem à mesma o caráter de obra sagrada. Pelo contrário, embora respeite os que crêem, admire a fé e até me esforce para compreender,
a minha perspectiva é racionalista. Compreender não significa aceitar. A
cada palavra que leio, página e livro que concluo a leitura, mais me
convenço do Credo quia absurdum [5] Ainda assim, continuo a ler e a refletir…
“Por que ler a Bíblia?”, questiona o superego. “A Bíblia deve ser
lida com o coração, com o sentimento”. O meu superego nutre uma
religiosidade profunda e, por mais que se esforce, não compreende a
minha dedicação racional à leitura bíblica. Ainda que não pronuncie,
julga-me sacrílego. No fundo, porém, alegra-se ao ver-me debruçado sobre
o livro sagrado; nutre a esperança de que suas palavras me
toquem, falem ao meu coração. Eu o compreendo! Meu superego deseja o
melhor, acredita na conversão e ora por mim. Ele almeja a minha
salvação. Sua crença me sensibiliza e entristece-me decepcioná-lo. Não
obstante, por mais que admire sua fé, receio a leitura quase que
fundamentalista que tenta impingir-me. Ainda assim, procuro
compreendê-lo.
Talvez esta seja a resposta ao questionamento. A leitura bíblica
revela-se uma forma de conhecer melhor o meu superego, os meus
semelhantes e a mim mesmo. Seja como for, ensina-me muito sobre a
história, cultura, política, religião, etc. Mas, sobretudo, aprendo a
melhor compreender a necessidade humana de acreditar e nutrir a
esperança. De certa forma, a Bíblia revela-se uma generosa utopia, ainda
que direcionada ao post-mortem.
[1] Bíblia de Jerusalém – Nova edição revista e ampliada. São Paulo: Paulus, 2010. Todas as citações são desta versão.
[4] Os Livros Poéticos e Sapienciais são: Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cântico dos Cânticos, Sabedoria de Salomão e Eclesiástico.
[5] “Creio porque é absurdo”, frase atribuída a Tertuliano. Ver: Credo quia absurdum (Creio porque é absurdo), publicado em 11.04.2009.
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* Professor do Departamento de Ciências Sociais, Universidade Estadual de
Maringá (UEM); editor da Revista Espaço Acadêmico, Acta Scientiarum.
Human and Social Sciences e Revista Urutágua
Fonte: http://antoniozai.wordpress.com/2013/05/18/por-que-ler-a-biblia/
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