Chega nestes dias nas livrarias italianas o livro Economia com l'anima, o novo livro do economista Luigino Bruni,
voz católica muito interessante no seu modo de abordar a questão da
crise, trazendo para o centro a dimensão ética da economia. O livro –
publicado pela editora Emi, em colaboração com Mondo e Missione – também
reúne muitos dos editoriais publicados pelo professor Bruni no jornal Avvenire. Publicamos aqui um trecho do terceiro capítulo do livro, intitulado "Esperança".
Eis o texto.
Há um traço que combina muitos dos fenômenos do mais sadio
desconforto com relação ao fisco e à política: uma crescente
intolerância e aversão à iniquidade. Os seres humanos, ao fazerem as
suas próprias escolhas, mesmo as mais tipicamente econômicas, não seguem
um frio cálculo monetário de custos-benefícios, mas colocam em campo
muitos outros recursos emotivos, simbólicos, éticos, que nos levam, por
exemplo, a "punir" os comportamentos que lemos como injustos.
Tudo isso é muito evidente em questões fiscais. Mesmo que toda a
comunicação política (incluindo os comerciais) tente nos convencer de
que o propósito do pagamento dos impostos é essencialmente a produção de
bens públicos (saúde, infraestruturas, segurança...) e de bens de
mérito (escolas, cultura, arte...) dos quais depois todos usufruímos, na
realidade, a coleta fiscal é apenas parcialmente usada para a
realização desses bens públicos e de mérito que, depois, "nos pagam" ou
deveriam nos pagar.
Para compreender, então, correta e substancialmente a natureza dos
impostos é preciso abalar, juntamente com as do contrato, também a
categoria e a gramática do "dom", uma palavra hoje, infelizmente,
totalmente ausente do debate público, ausente também porque a tratamos
muito mal nas últimas décadas.
O dom aqui é importante por diversas razões, e não só porque uma
parcela da coleta fiscal é destinada, e efetivamente usada, para fins
redistributivos (tirar de quem tem mais para dar a quem tem menos).
Basta pensar no fato, escrito nas primeiras páginas de todos os (bons)
manuais de Ciência das Finanças, que a alíquota média dos impostos é
sempre mais alta do que a justa, já que sempre há uma parcela de
cidadãos que evade ou foge dos impostos, e uma parte da administração
pública que desperdiça recursos – embora deva ser lembrado que a
decência de uma sociedade é medida por quão exígua é essa cota de evasão
e de desperdício e por quão sustentável é o imposto extra que os outros
pagam por culpa disso. Mas justamente por causa dessa sua natureza que
também é de dom, a relação entre o cidadão, os outros concidadãos e as
instituições é muito complexa.
Quem pratica e conhece os dons, isto é, todos nós, sabe que o dom
verdadeiro é um emaranhado inextricável de desinteresse e interesse.
Quando uma pessoa dá algo, ela sai da lógica das equivalências e das
garantias, é desinteressada. Ao mesmo tempo, quem doa espera um ato de
reciprocidade para si ou para os outros, embora não o pretenda, mesmo
que fosse apenas um "obrigado": é, portanto, interessado em uma relação,
porque não é indiferente ao que o seu dom produz. E, se e quando essa
relação de reciprocidade não existe, o circuito do dom se interrompe. O
verdadeiro dom se realiza sempre dentro de uma forma de pacto e,
portanto, de reciprocidade.
Quando, então, para voltar ao fisco, quem quer genuinamente pagar os
seus impostos tem a impressão, ou a certeza, de que muitos dos seus
concidadãos não os pagam (até porque se fala muito, demais, de evasão),
ou de que o Estado não faz a sua parte no pacto, tem-se substancialmente
três reações: ou é tentado a não pagá-los mais (evasão), ou faz de tudo
para pagar o mínimo possível (elisão), ou, na pior das hipóteses, tem
reações de desprezo que podem se tornar até mesmo fortes, justamente
porque, sendo a evasão uma questão de dom e de reciprocidade traídos
também, nos comportamos de uma forma muito semelhante aos que se sentem
enganados por um amigo importante.
Nesse sentido, é emblemático que, uma vez, e talvez ainda hoje,
quando dois namorados se deixavam, restituíam-se os presentes. Hoje, os
italianos honestos, isto é, a maioria, sentem fortemente essa ausência
de reciprocidade por parte do setor público (nacional, mas também
europeu). E é um fato que deve ser levado muito mais a sério do que se
está fazendo até agora.
É sério e grave continuar assistindo inermes ao espetáculo de
parlamentares que anunciam cortes de salários, privilégios e cargos que
nunca chegam, ou que – quando chegam – são tão irrisórios quem se tornam
ofensivos. Assim como é humilhante e frustrante continuar aumentando os
impostos indiretos às famílias ou os impostos sobre a primeira casa, e
nem mesmo iniciar um debate sobre os impostos aos grandes patrimônios e
às finanças. Assim como foi infeliz, embora talvez motivado por boas
intenções, o debate interno à Agenzia delle Entrate
[Receita Federal italiana] (e que rapidamente se tornou de domínio
público) sobre a oportunidade de introduzir incentivos para quem
denunciar os seus próprios concidadãos.
As formas de correção civil que reforçam o pacto social são sempre
custosas e arriscadas para quem as pratica, pois esse custo expressa a
vontade de restaurar uma relação de amizade civil que se despedaçou.
Quando, ao invés, as denúncias não custam nada e, ao contrário, rendem
alguns tostões, não servem para mais nada do que piorar e envenenar as
relações de cidadania, pois não se premiam as virtudes, como seria
necessário e urgente fazer, mas se incentiva aqueles que denunciam os
vícios . Duas operações que são, civilmente, uma inversa à outra.
Por isso, deveríamos acolher com grande simpatia a ideia de alguns
municípios de se ocupar diretamente da arrecadação dos impostos, a fim
de tornar mais subsidiário e comunitário também esse momento da vida
civil, em que o "como" conta menos do que "o quê".
De fato, não encontraremos uma nova relação com o fisco e, em geral,
com o público ativando apenas os registros das sanções e dos incentivos,
mas sim colocando novamente o dom no lugar que lhe é próprio, isto é,
no centro do pacto social e da esfera pública, e libertando-o dos
lugares privados estreitos demais em que o confinamos, pois é sempre o
dom que funda e refunda as comunidades.
A communitas: aquele dom (munus) recíproco (cum), que também está na raiz da escolha civil fundamental de pagar os impostos.
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O artigo foi publicado no sítio Vino Nuovo, 15-05-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: IHU on line, 20/05/2013
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