Paulo Ghiraldelli Jr. *
Alexandre o Grande chegou à Atenas e ficou sabendo que Diógenes, o filósofo-cão, estava em seu lugar costumeiro, ao lado de seu barril.
Incomodado com a vida miserável do sábio, foi até o homem para tentar
ajudar-lhe. Encontrou Diógenes quase que nu tomando sol, cercado dos
cachorros de sempre e em uma situação nítida de indigência. Não se fez
de rogado e disse ao filósofo cínico: “peça o que quiser eu lhe darei,
sabe que sou Alexandre, o rei de todo o Império Greco-Macedônio”.
Diógenes permaneceu sentado ali ao lado de seu barril e tentou
desviar-se da sombra do imperador. Foi para a esquerda e para a direita
movimentando sua longa barba branca. Mas quando viu que o sol não mais
batia em seu corpo, disse a Alexandre: “o que quero mesmo é que saia da
frente, pois está se pondo entre os raios solares e eu e atrapalhando
meu banho de sol”.
Scholars e filósofos de todas
as épocas gostam de elogiar a escola cínica por meio dessa passagem.
Diógenes teria afrontado Alexandre e, então, exercido seu cinismo, seu
desprezo pelo prazer? Ou Diógenes, sabendo muito bem que Alexandre havia
sido preceptorado por Aristóteles, falou por metáforas, de modo que o
Imperador entendesse que entre o sol (que alimenta a vida e, na teoria
platônica, serve com alegoria para o bem) e o filósofo, o poder político
não pode querer fazer sombra? Ou Diógenes quis dizer a Aristóteles que
entre o filósofo e fonte do bem e do saber o melhor que o poder político
poderia fazer era não se meter? Ou as três alternativas juntas?
Seja como for, verdadeiro ou não o
episódio, o correto é que ele é explicativo de como o cinismo se exercia
como filosofia. A filosofia do cão era justamente essa: largado ao chão
das ruas, o cão é habitante da cidade como o homem, mas ele
desconsidera as convenções sociais Essas desconsiderações visam afrontar
as pessoas com pequenos recados verbais associados a comportamentos
corporais cujo objetivo é fazer com que cidadãos possam estranhar o que
até então era o corriqueiro, o banal. Diógenes fazia filosofia como
“desbanalização do banal”. A coisa mais banal para Alexandre era ele,
imperador culto, ajudar filósofos. Mas Diógenes não pediu ajuda, pediu
apenas que o poder não ficasse entre a fonte divina e o filósofo, ou
então deu um recado no sentido de que o poder não poderia e não deveria
retirar o filósofo de uma relação com o divino, uma relação natural, não
possível de ser nublada por uma relação convencional, a da instituição
chamada governo ou poder político ou a própria figura de um imperador.
Se considerarmos que em todo o mundo
antigo e, enfim, também no mundo medieval o poder político sempre esteve
de alguma forma ligado aos deuses, o que Diógenes disse, chamando um
astro divino como o sol para o seu lado, sem dúvida foi uma subversão.
Diógenes poderia ter perdido a cabeça caso Alexandre não fosse
Alexandre, e sim um imperador menos afeito a afrontas. Mas Diógenes
faria isso com qualquer imperador. Sendo Alexandre quem era, um jovem
culto, alguém realmente capaz de pensar no ocorrido, mais gosto ainda o
feito deve ter causado em Diógenes. Afinal, Diógenes, como qualquer cão,
era despojado, mas não pouco orgulhoso ou pouco pretensioso.
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* Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor, cartunista e professor da UFRRJ
One Response to O filósofo cão
Para os cínicos, o melhor modo de se chegar ao coração da maioria das pessoas é através de uma boa tirada, especialmente em público.
Certa
vez, Diógenes foi à casa de um homem rico que insistentemente lhe
mostrava seus ricos objetos e dizia a Diógenes que esse não cuspisse em
sua casa, por serem caríssimos os objetos que lá estavam. Em determinado
momento, Diógenes juntou uma boa quantidade de saliva em sua boca e deu
uma bela escarrada no rosto do grego rico; esse ficou estupefato,
perguntando a Diógenes porque lhe fizera tal ultraje e obteve como
resposta que seu rosto foi o lugar mais sujo que Diógenes encontrou
naquela casa. Diógenes poderia ter feito um belo diálogo com o grego
rico para mostrar-lhe o quanto era tola a ostentação; quem exibe seus
objetos e pensa estar exibindo a si mesmo é um tolo, pois crê serem suas
as qualidades que, na verdade, são dos objetos; com essa atitude ele
valoriza mais as coisas que a si mesmo. Diógenes poderia ter dito isso
tudo, mas fez melhor: sua cusparada como resposta fez mais efeito com
menos palavras.
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FONTE: http://ghiraldelli.pro.br/o-filosofo-cao/29/05/2013