sábado, 25 de maio de 2013

À prova de influências

 Martha Medeiros*
 
O medo nasce da história que contamos a nós mesmos. Descobri isso quando viajei sozinha pela primeira vez, aos 24 anos. Idade semelhante à da protagonista do livro que estou lendo, sendo que no caso dela a aventura foi bem mais radical que a minha: se eu mochilei de trem pela Europa, ela mochilou a pé por uma trilha numa região montanhosa dos Estados Unidos. Andou mais de 1.700km em meio a uma natureza selvagem, sem nenhuma experiência e emocionalmente em frangalhos. É essa a história contada em Livre, de Cheryl Strayed.

Peregrinar é busca. De si mesmo, naturalmente, mas podemos encontrar também novos conceitos para a vida. É onde o medo às vezes entra para atrapalhar. Antes de sair de casa pela primeira vez, eu não havia criado a minha própria história sobre o medo. Vivia protegida pela família, pelo conforto, pela estrada previamente pavimentada e sinalizada por meus pais – o medo que eu porventura sentisse havia sido herdado deles. Fazia parte da história de vida deles. Eu ainda não tinha a minha.

Só quando comecei a dar os primeiros passos sem retaguarda e sem companhia é que fui criando uma história mais autêntica para o meu medo. Decidi que ele não seria um personagem assustador, com capacidade de me paralisar. Meu medo, diferente do medo de outras pessoas, não me inibiria. Seria sutil. Ele apenas evitaria que a soberba tomasse conta: prepotentes potencializam riscos. Mas eu não permitiria que o medo me tornasse covarde. Na história que criei sobre o meu medo, não dei a ele tanto poder.

Sabemos que o medo tem uma boa assessoria de imprensa. Abra o jornal, assista aos noticiários de tevê, ouça o que dizem por aí: um prédio mal construído pode cair sobre sua cabeça, um maluco pode manter sua filha em cativeiro por 10 anos, você pode ser assaltado ao chegar ao trabalho às oito da manhã, o ônibus em que você viaja pode cair de um viaduto, o leite que você toma pode estar contaminado. Sem falar nas aflições emocionais: o medo de ser traído, deixado, de viver sem amor.

No entanto, nem o Jornal Nacional, nem Zero Hora, nem a internet, nada deveria pautar nosso medo, nem mesmo a experiência dos amigos. Informação nos prepara, mas não fecha caminhos. Eles continuam abertos para aqueles que contam para si mesmo outra história, à prova de influências. Para construir essa história, é preciso se escutar, estar conectado com os seus sentimentos reais, e não com os estimulados em escala industrial. Se você disser para si mesmo que está disposto a abraçar o que vida oferece de bom e de ruim, o temor diminui. Em algum momento torna-se necessário sair da estrada pavimentada e se aventurar numa rota vicinal menos segura, só para lembrar do que é mesmo que sentimos medo, e por que. E voltar com a resposta que nos dará a bravura necessária para seguir adiante: teremos descoberto que o medo não passa de uma desculpa esfarrapada para ficar no mesmo lugar.
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* Escritora. Cronista da ZH
Fonte: ZH on line, 26/05/2013

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