domingo, 26 de maio de 2013

Três filósofos

Paulo Ghiraldelli Jr.*
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O trágico, o cínico e o ironista são três figuras de filósofos malditos. São filósofos “do contra”. Contra quem?

O trágico é o filósofo que odeia aquele que espera da vida um conjunto de finais felizes. Ele tem pavor de utopias e acha todos os que brigam por uma vida coletiva melhor um rebanho e, como rebanho, um conjunto de ingênuos. Sua militância filosófica é contra os “bonzinhos”, os que acham que a filosofia carrega junto consigo uma utopia. Não há qualquer utopia no horizonte que valha a pena. Elas tiram a masculinidade da vida ao quererem introduzir um jogo de cartas marcadas, em que os fracos deveriam não só ser ajudados pelos fortes, mas até igualados todos num universo fraterno. O trágico louva a luta, o acaso e a contingência. Nada é necessário. No entanto, ele sabe que ao final, por vias transversas, as coisas que poderia temer se pudesse ver seu destino antecipadamente, ocorrerão. Por isso mesmo ele evoca uma vida humilde e corajosa.

O cínico dificilmente odeia. Ele está mais para o desdém que para o ódio. Sua atividade é contra os que estariam trocando o natural pelo convencional para, em seguida, chamá-lo de natural de idolatrá-lo. As práticas sociais são convencionais. Não se deve naturalizá-las e muito menos, após isso, acreditar que por serem então chamadas naturais são necessariamente boas. Sua militância filosófica é contra as convenções, a sociedade, a rotina impensada da vida. O cínico teme o discurso filosófico e, principalmente, a escrita. Também isso são práticas sociais, convenções, que podem assim vir a ganhar a fama de naturais ilegitimamente. Desse modo o cínico, não raro, filosofa com o corpo e com o comportamento corporal. Suas peripécias na cidade afrontam todos e com isso ele pode colocar o dedo no nariz de cada um. Nada que é feito pelos homens não é possível de ser desrespeitado e feito diferente. Nenhum lugar é sagrado. Nenhuma prática é a certa ou errada por conta de um batismo. A vida do cínico é simples e desapegada de ambições.

Como o trágico, o ironista também desconfia dos “bonzinhos”. Vê neles pessoas confiantes demais. Os tais “bonzinhos” acreditam, como o povo da cidade afrontada pelo cínico, que a utopia que possuem não é somente uma crítica, mas um telos, uma terra prometida, e que eles são os merecedores dela. Mais que isso, os “bonzinhos” acreditam que possuem conceitos que os levam a teorias, e estas dizem como eles são verdadeiramente bonzinhos, naturalmente bonzinhos, e como que a história está sob leis que os levarão à terra prometida. Eles realizarão a utopia aqui neste mundo, uma vez que eles são conformados naturalmente ou historicamente ou logicamente a uma tal utopia e esta a eles. O ironista não está contra a utopia, mas ele não vê como que esta utopia precisa ser detalhada e não vê, de modo algum, como a tal teoria que quer legitimá-la pode ser evocada e invocada. O ironista é irônico quanto a fundamentos filosóficos, sejam eles quais forem. A vida do ironista não precisa ser humilde ou simples, a vida simplesmente é a vida – ela tem de ser vivida como reino da contingência.

Filósofos como Schopenhauer ou Pascal inspiram trágicos. Filósofos como Diógenes inspiram cínicos. Filósofos como Sócrates ou Rorty inspiram ironistas. Esses três tipos de filósofos podem estar entre nós, fazendo filosofia, mesmo que um dia também tenham estado nas universidades, estudando filosofia.
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* Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor, cartunista e professor da UFRRJ
Fonte:  http://ghiraldelli.pro.br/tres-filosofos-o-tragico-o-cinico-e-o-ironista/

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