Paulo Ghiraldelli Jr.*
O trágico, o cínico e o ironista são três figuras de filósofos malditos. São filósofos “do contra”. Contra quem?
O trágico é o filósofo que odeia aquele
que espera da vida um conjunto de finais felizes. Ele tem pavor de
utopias e acha todos os que brigam por uma vida coletiva melhor um
rebanho e, como rebanho, um conjunto de ingênuos. Sua militância
filosófica é contra os “bonzinhos”, os que acham que a filosofia carrega
junto consigo uma utopia. Não há qualquer
utopia no horizonte que valha a pena. Elas tiram a masculinidade da vida
ao quererem introduzir um jogo de cartas marcadas, em que os fracos
deveriam não só ser ajudados pelos fortes, mas até igualados todos num
universo fraterno. O trágico louva a luta, o acaso e a contingência.
Nada é necessário. No entanto, ele sabe que ao final, por vias
transversas, as coisas que poderia temer se pudesse ver seu destino
antecipadamente, ocorrerão. Por isso mesmo ele evoca uma vida humilde e
corajosa.
O cínico dificilmente odeia. Ele está
mais para o desdém que para o ódio. Sua atividade é contra os que
estariam trocando o natural pelo convencional para, em seguida, chamá-lo
de natural de idolatrá-lo. As práticas sociais são convencionais. Não
se deve naturalizá-las e muito menos, após isso, acreditar que por serem
então chamadas naturais são necessariamente boas. Sua militância
filosófica é contra as convenções, a sociedade, a rotina impensada da
vida. O cínico teme o discurso filosófico e, principalmente, a escrita.
Também isso são práticas sociais, convenções, que podem assim vir a
ganhar a fama de naturais ilegitimamente. Desse modo o cínico, não raro,
filosofa com o corpo e com o comportamento corporal. Suas peripécias na
cidade afrontam todos e com isso ele pode colocar o dedo no nariz de
cada um. Nada que é feito pelos homens não é possível de ser
desrespeitado e feito diferente. Nenhum lugar é sagrado. Nenhuma prática
é a certa ou errada por conta de um batismo. A vida do cínico é simples
e desapegada de ambições.
Como o trágico, o ironista também
desconfia dos “bonzinhos”. Vê neles pessoas confiantes demais. Os tais
“bonzinhos” acreditam, como o povo da cidade afrontada pelo cínico, que a
utopia que possuem não é somente uma crítica, mas um telos, uma
terra prometida, e que eles são os merecedores dela. Mais que isso, os
“bonzinhos” acreditam que possuem conceitos que os levam a teorias, e
estas dizem como eles são verdadeiramente bonzinhos, naturalmente
bonzinhos, e como que a história está sob leis que os levarão à terra
prometida. Eles realizarão a utopia aqui neste mundo, uma vez que eles
são conformados naturalmente ou historicamente ou logicamente a uma tal
utopia e esta a eles. O ironista não está contra a utopia, mas ele não
vê como que esta utopia precisa ser detalhada e não vê, de modo algum,
como a tal teoria que quer legitimá-la pode ser evocada e invocada. O
ironista é irônico quanto a fundamentos filosóficos, sejam eles quais
forem. A vida do ironista não precisa ser humilde ou simples, a vida
simplesmente é a vida – ela tem de ser vivida como reino da
contingência.
Filósofos como Schopenhauer ou Pascal
inspiram trágicos. Filósofos como Diógenes inspiram cínicos. Filósofos
como Sócrates ou Rorty inspiram ironistas. Esses três tipos de filósofos
podem estar entre nós, fazendo filosofia, mesmo que um dia também
tenham estado nas universidades, estudando filosofia.
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* Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor, cartunista e professor da UFRRJ
Fonte: http://ghiraldelli.pro.br/tres-filosofos-o-tragico-o-cinico-e-o-ironista/
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