A morte é um tema tabu. Ela é um tabu. Para Bauman,
a sociedade é um dispositivo que visa tornar a noção da morte menos
temerosa e angustiante. É aí que entram as experiências de morte: podem
ser numeradas em três tipos (três graus): 1) morte propriamente dita, 2)
a morte de alguém com quem nos relacionávamos - esta seria experiência
primária de morte, a mais perto da morte propriamente dita que alguém
pode ter - e 3) a quebra de um laço, de um relacionamento (em outra
palavras, a exclusão).
Por que estou escrevendo este texto? Basicamente para falar que,
mesmo sendo a morte um tema tabu, há duas maneiras que a nossa sociedade
tenta nos acalmar perante este certo destino: a
banalizando/espetacularizando (um exemplo são os reality shows, que
promovem a exclusão como condição necessária para sua existência –
afinal, se quase todos não forem excluídos, como um vai ganhar? Outro
exemplo são os programas de jornalismo policial sensacionalistas ou os
filmes de guerra e conflito ao estilo Tropa de Elite e Rambo) e a desconstruindo (ou seja, dando detalhes das causas da morte para tornar viável a frase "viu, poderia ter evitado!").
A Indústria Cultural é sempre uma fonte boa de exemplos:
Em House, sua
incapacidade e má vontade para se relacionar com seus companheiros de
trabalho pode ser muito bem traduzida no despreparo para a quebra de
relacionamentos duradouros. House se conecta às pessoas, justamente para
ter a facilidade em se desconectar quando necessário (ou seja, quando
ele quiser). Não firma nenhum laço mais forte exatamente porque aquilo
que ele representa é a sociedade em que não há equipamentos muito bem
postos à disposição das pessoas para saber como lidar com as incertezas
de qualquer tipo de relacionamento.
Os filmes e seriados de Zumbi, como Walking Dead,
são uma prova clara (e bota clara nisso!) de que a morte está num
processo rápido (à passos larguíssimos!) de ser colocada como algo do
cotidiano. Os zumbis estão mortos, mas mesmo assim precisam ser mortos
novamente. Não estão mortos, pois estar morto ainda é, de certa forma,
estar vivo. É necessário, então, matar novamente. O herói deste tipo de
filme é o sujeito que mata aquilo que, apesar de já estar em outro
mundo, perturba sua realidade, seu presente. O que perturba nosso
presente, mesmo sem existir de maneira material? As lembranças, as
memórias, que, por sua vez, levam à culpa.
Os heróis de séries e filmes de zumbis
são eliminadores de culpa e memórias. São sujeitos do presente e só
vivem no presente. É neste momento que a morte adquire a leveza do
“morreu, antes ele do que eu!”. E a indiferença se torna um dos
equipamentos para se lidar com a morte.
Closer é um exemplo clássico da quebra do relacionamento.
Da exclusão. Mas a exclusão definitiva é de Dan – que se perde nas
incertezas de um relacionamento propriamente dito e, acostumado aos
laços frágeis e fáceis de serem quebrados da conexão (aquela que o House
adora manter com seus companheiros de trabalho), experimenta a exclusão
definitiva.
Pode-se dizer que quebra de relacionamentos acontece todo dia em todo
o mundo, entretanto, o significado que ela tem para uma sociedade
desacostumada com a relação e acostumada com a conexão (em outras
palavras, desacostumada e despreparada para a rigidez e responsabilidade
de uma relação, e acostumada e confortável na fragilidade de um laço
que pode ser chamado de conexão – e que é mais atraente exatamente por
ser fácil e nem um pouco incômodo desconectar) é imensurável. O fim de
Dan e Alice foi um fim pesado e penoso, foi um fim de relacionamento,
não de conexão. Foi um tipo fim que tenta ser evitado em nossa bem
aventurada sociedade líquido moderna.
Como exemplo final e, talvez, um tanto quanto político, creio que os
filmes vingança (Justiceiro e Max Payne, por exemplo) são importantes de
se falar. Este filmes fazem da morte de segundo grau, a número 2, lá no
primeiro parágrafo, algo possível de ser superado... Desde que haja
alguma ação de limpeza. O que isso quer dizer?
Estes filmes dizem que a morte pode ser superada (ou seja, há como o
sujeito que experimenta a morte de um parceiro, por exemplo, viver em
paz após este fato), mas só se o indivíduo tomar como projeto de vida a
aniquilação daquilo que levou seu companheiro. O que isso pode
significar? Um movimento reacionário à modernidade líquida.
É o grito daqueles que querem se manter no mundo panóptico moderno.
A vingança dos personagens deste tipo de filme é uma vingança contra um
malfeitor ou contra grupos de malfeitores que só existem em uma
sociedade de fácil mobilidade (são os traficantes que viajam de país a
país, são os grupos que sequestram adolescentes para vender no mítico
leste europeu, são as gangues russas dentro dos Estados Unidos e etc e
etc). Este tipo de filme é o urro do conservador que gostaria de guardar
uma espingarda em baixo da cama para proteger a família de um assalto.
Típica reivindicação patriarcal.
É assim que a indústria cultural acaba sendo parte do dispositivo que
tenta fazer da vida menos angustiante, entretanto, transformando a
morte em algo banal, digno de indiferença; espetacular, digna de
consumo; mas também mostra as reações conservadoras a este tipo de
sociedade líquida moderna, que é a morte digna de vingança, uma vingança
que, na realidade, nunca é alcançada.
------------------- em recortes por Vinicius Siqueira em 27 de mai de 2013
Fonte: http://lounge.obviousmag.org/hepatopatia_cronica/2013/05/27
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