O gesto de Dominique Venner (foto) certamente foi
espetacular e chocante. Mas, muito provavelmente, também inútil, como
acontece quando se age de modo extremo para defender
valores extremos.
"Serão necessários novos gestos, espetaculares e simbólicos, para
sacudir as consciências anestesiadas e despertar a memória das nossas
origens". Foi com essas palavras que Dominique Venner,
historiador francês de extrema direita, anunciou no seu blog o suicídio
dessa terça-feira. Depois de ter se dirigido à catedral de Notre-Dame, Venner disparou um tiro de pistola na boca na frente do altar.
Um gesto extremo e chocante. Cujo valor simbólico, no entanto, é
extremamente ambíguo, especialmente quando se pensa que os destinatários
da mensagem subversiva deviam ser os militantes católicos que se
posicionaram nesses últimos meses contra a lei sobre o casamento gay.
Além disso, de católico, o historiador e ensaísta francês tinha muito
pouco. Sem dúvida, radical e extremista ele era. Mas não em nome de
Deus ou da fé.
O seu extremismo tinha raízes ateais e se alimentava daquele ódio pelos "outros", que nesses últimos tempos, na França, se conjuga frequentemente e com gosto com a homofobia e o racismo. Venner
era principalmente conhecido como expoente de ponta daquela "direita
pagã", que reivindica não tanto as origens cristãs do Ocidente, mas sim
as greco-romanas, inscrevendo-se explicitamente na linha de pensamento
de autores como Drieu La Rochelle e Henry de Montherlant.
É por isso que, para Dominique Venner, os protestos
contra a possibilidade de que os casais homossexuais tenham acesso ao
casamento representavam, no fundo, apenas um pretexto para lembrar aos
seus concidadãos o verdadeiro problema da contemporaneidade, ou seja, a
perda das tradições. Aquelas tradições da "France éternelle",
das quais se deveria tirar a poeira até mesmo utilizando a violência,
porque, para aqueles que lamentam o passado, é sempre melhor morrer como
heróis do que sucumbir à decadência contemporânea.
Conhecido pelas suas posições radicais, Venner dirigia desde 2002 a Nouvelle Revue d'Histoire, reivindicando de modo virulento a defesa do nacionalismo. A França, segundo esse intelectual, tinha o dever moral de não capitular diante do enorme poder do Islã,
mesmo às custas de utilizar a violência. Acima de tudo, aquela forma de
violência que é a rejeição: rejeição da alteridade e do
multiculturalismo; rejeição das diferenças e dos estrangeiros; rejeição
da homossexualidade e da decadência.
A violência das ações, em segundo lugar, porque, mais cedo ou mais
tarde, chega um momento em que as palavras devem ser autentificadas
pelos fatos. Como não ver, então, nas grandes manifestações contra o
casamento gay, um chamariz para lembrar a todos a necessidade da defesa
do entre-nous, de uma identidade monolítica que não aceita
compromissos com a alteridade? Como não fazer aliança com aqueles
católicos de direita, apesar da rejeição pessoal da religião católica?
O gesto de Venner certamente foi espetacular e
chocante. Mas, muito provavelmente, também inútil, como acontece quando
se age de modo extremo para defender valores extremos. Nenhum católico
deveria poder compartilhar um gesto como esse, não só pela violência
extrema e destrutiva do suicídio em um lugar público, mas também pela
escolha particular do lugar onde cometê-lo. Que sentido pode ter o fato
de disparar um tiro de pistola na boca na frente do Altar de Notre-Dame senão o de provocar de modo ultrajante aqueles que consideram a Igreja como a casa de Deus?
Certamente, quando se absolutizam os próprios valores, corre-se o
risco, depois, de perder de vista o fato de que os valores estão sempre a
serviço do humano. Quando se pensa que a defesa das tradições implica a
rejeição de qualquer outra cultura, então se corre o risco de perder o
próprio sentido das tradições.
Mas, para se dar conta disso, talvez deveríamos ser capazes de
aceitar o diálogo e a diferença, abrir-se à alteridade que alimenta o
espírito crítico – que, além disso, é o próprio coração do catolicismo –
e não pôr-se do lado daqueles que heroicizam a violência como o único
meio para defender as próprias ideias.
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* A opinião é da filósofa italiana Michela Marzano, professora da Universidade de Paris V - René Descartes. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 22-05-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: IHU on line, 24/05/2013
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