Marcelo Gleiser *
Cientistas podem ter liberdade total em suas atividades ou certos temas deveriam ser bloqueados?
Em 1818, com apenas 21 anos, Mary Shelley publicou o grande clássico da
literatura gótica, "Frankenstein ou o Prometeu Moderno". O romance conta
a história de um doutor genial e enlouquecido, que queria usar a
ciência de ponta de sua época, a relação entre a eletricidade e a
atividade muscular, para trazer mortos de volta à vida.
Duas décadas antes, Luigi Galvani havia demonstrado que a eletricidade
produzia movimentos em músculos mortos, no caso em pernas de rãs. Se
vida é movimento, e se eletricidade pode causá-lo, por que não juntar os
dois e tentar a ressuscitação por meio da ciência e não da religião,
transformando a implausibilidade do sobrenatural em um mero fato
científico?
Todos sabem como termina a história, tragicamente. A "criatura" exige
uma companheira de seu criador, espelhando Adão pedindo uma companheira a
Deus. Horrorizado com sua própria criação, Victor Frankenstein recusou.
Não queria iniciar uma raça de monstros, mais poderosos do que os
humanos, que pudesse nos extinguir.
O romance examina a questão dos limites éticos da ciência: será que
cientistas podem ter liberdade total em suas atividades? Ou será que
existem certos temas que são tabu, que devem ser bloqueados, limitando
as pesquisas dos cientistas? Em caso afirmativo, que limites são esses?
Quem os determina?
Essas são questões centrais da relação entre a ética e a ciência.
Existem inúmeras complicações: como definir quais assuntos não devem ser
alvo de pesquisa? Dou um exemplo: será que devemos tratar a velhice
como doença? Se sim, e se conseguíssemos uma "cura" ou, ao menos, um
prolongamento substancial da longevidade, quem teria direito a tal? Se a
"cura" fosse cara, apenas uma pequena fração da sociedade teria acesso a
ela. Nesse caso, criaríamos uma divisão artificial, na qual os que
pudessem viveriam mais. E como lidar com a perda? Se uns vivem mais que
outros, os que vivem mais veriam seus amigos e familiares perecerem.
Será que isso é uma melhoria na qualidade de vida? Talvez, mas só se
fosse igualmente distribuída pela população, e não apenas a parte dela.
Outro exemplo é a clonagem humana. Qual o propósito de tal feito? Se um
casal não pode ter filhos, existem outros métodos bem mais razoáveis.
Por outro lado, a clonagem pode estar relacionada com a questão da
longevidade e, em princípio ao menos, até da imortalidade. Imagine que
nosso corpo e nossa memória possam ser reproduzidos indefinidamente; com
isso, poderíamos viver por um tempo indefinido. No momento, não sabemos
se isso é possível, pois não temos ideia de como armazenar memórias e
passá-las adiante. Mas a ciência cria caminhos inesperados, e dizer
"nunca" é arriscado.
Toquei apenas em dois exemplos, mas o ponto é óbvio: existem áreas de
atuação científica que estão diretamente relacionadas com escolhas
éticas. O impulso inicial da maioria das pessoas é apoiar algum tipo de
censura ou restrição, achando que esse tipo de ciência é feito a caixa
de Pandora.
Mas essa atitude é ingênua. Não é a ciência que cria o bem ou o mal. A
ciência cria conhecimento. Quem cria o bem ou o mal somos nós, a partir
das escolhas que fazemos.
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