Entrevista com Gianfranco Ravasi
O presidente do Pontifício Conselho para a Cultura fala sobre a carta de Ratzinger a Odifreddi, publicada no dia 24 de setembro no jornal La Repubblica. Ravasi abre nestes dias o Átrio dos Gentios aos jornalistas com Eugenio Scalfari.
O cardeal Gianfranco Ravasi e Eugenio Scalfari abriram na manhã dessa quinta-feira, em Roma, no Templo de Adriano, uma edição do "Átrio dos Gentios", a iniciativa desejada por Ravasi, dedicada aos jornalistas. São três os momentos-chave: um debate entre Ravasi e Scalfari; um diálogo entre Ezio Mauro, Ferruccio de Bortoli, Roberto Napoletano e Mario Calabresi; e um debate com Fiorenza Sarzanini, Marcello Sorgi, Virman Cusenza, Giovanni Maria Vian, Marco Tarquinio e Maarten van Aalderen.
Cardeal Gianfranco Ravasi, o Papa Francisco e o Papa Bento
XVI escrevem aos jornais e concedem entrevistas. E hoje o senhor
transforma o Átrio dos Gentios, a sua iniciativa de diálogo entre
crentes e ateus, no Átrio dos Jornalistas. Está mudando alguma coisa na
relação entre informação e Igreja?
Eu gostaria de tornar esses nossos encontros cada vez mais profundos e
vibrantes. O primeiro, em absoluto, foi o dos diplomatas, um pouco
engomado. Agora, este dos jornalistas, com ainda mais razão depois das
cartas enviadas por Francisco e Bento XVI e publicadas no La Repubblica,
deveria ser um modelo mais dinâmico. Um debate incisivo, se for o caso,
em que se objeta, apresentam-se pontos de vista. Ou conselhos, não
necessariamente polêmicos, mas que sejam incisivos.
Na carta a Piergiorgio Odifreddi, Joseph Ratzinger escreve
precisamente que "a franqueza faz parte do diálogo". O senhor concorda?
É mais. Eu diria que, certas vezes, é necessário no interior do diálogo a especificação rigorosa. O gesto de Bento XVI
é uma lição, não somente para nós que trabalhamos no mundo da cultura,
mas também para a pastoral no sentido lato. O pastor não deve ter medo
de entrar na praça, no emaranhado da comunicação atual.
O que o senhor quer dizer?
Que o diálogo não deve constituir em si mesmo uma espécie de ONU,
de assembleia geral pela qual, no fim, se busca encontrar um acordo.
Também pode haver um confronto duro e cerrado, no reconhecimento das
diversidades. E deve haver cuidado, como a carta de Bento XVI
demonstra, ao competir entre si com contestações radicais, que às vezes
correm o risco de ser também esquemáticas ou superficiais.
Como irá se desenvolver o debate?
Ele foi concebido em três níveis. O primeira é o nosso, meu e de Scalfari (sorri). O dos cardeais...
Cardeal Scalfari?
Cardeal laico, então. Ele escreveu mais de uma vez sobre mim, porque sempre lia as minhas intervenções nos jornais.
Sobre o que vocês falarão?
Faremos o preâmbulo introdutório. Portanto, caberá aos diretores dos
jornais nos dois níveis reservados ao aprofundamento. Vou abordar a
informação religiosa, e também quero criticar um certo estilo. Depois,
eu gostaria de me deter na novidade de comunicação introduzida pelo Papa Francisco.
Bergoglio tem uma atração incrível sobre as pessoas.
Se você ler os discursos de Francisco, ele sempre procede por coordenadas. Enquanto Bento XVI é o triunfo da subordinada: que é o que mais nos agrada. Digamos, agrada a mim. Mas quando Bergoglio
lida com uma frase escrita, articulada, então ele corta, começa a
explicá-la. Repete-a quase de maneira brutal: "Nunca mais a guerra!". Ou
: "Ódio, não!".
E depois segue a imagem. É isso?
Segue o símbolo. Um componente capital da linguagem. Quem é capaz de
usar bem os símbolos convence. Por exemplo, essa história das
"periferias" sobre a qual o papa fala é um símbolo. Assim como o "cheiro
das ovelhas".
Ou a imagem da entrevista concedida à Civiltà Cattolica: "Eu vejo a Igreja como um hospital de campanha depois da batalha".
É verdade, mais do que isso... Mas, veja, Cristo, para comunicar, já
usava a televisão e os tuítes. E os seus discursos são redacionais,
porque unem frases.
Em que sentido?
O Sermão da Montanha. Trata-se de uma série de
intervenções que Jesus fez em momentos diferentes: 35 parábolas. O que é
isso senão televisão? Ou o filho pródigo: que foge, come com os porcos,
desfruta com as prostitutas, depois volta. Lê-se um roteiro.
E os tuítes?
A primeira pregação de Cristo, se formos ao texto grego, em Mateus, é pouco mais do que 30 caracteres; incluindo os espaços, chegaremos a 40. Com Marcos,
um pouco mais longo, chegamos a 70-80. São tuítes. E está tudo ali. A
primeira pregação é a dimensão teológica em duas palavras: "O reino de
Deus está próximo. Convertei-vos".
A Igreja, portanto, deveria ser facilitada. Mas às vezes parece que ela não se deixa entender.
Essa é a tarefa. A Igreja, ao invés, se dispersou.
Mas agora, com Francisco, existe uma diferença.
Há um espírito novo. Vou lhe contar uma anedota. Algumas semanas
depois do conclave, eu caminhava ao longo do rio Tibre. Um carro se
aproximou sob os plátanos, um homem abriu o vidro e me disse: "Ah, eu
conheço o senhor. Veja, eu sou ateu, mas eu lhe digo: vocês foram bons,
vocês agiram com pressa, vocês elegeram um papa realmente em forma. Eu
continuo não acreditando em Deus. Mas... começo a ter algumas dúvidas
sobre a existência do Espírito Santo".
A escolha que recaiu sobre Bergoglio o tocou. Com nós,
jornalistas, ele dialoga face a face em um avião. Ele debate de maneira
epistolar com Eugenio Scalfari. Concede entrevistas. E Bento XVI, com a
sua carta em resposta ao livro de Odifreddi, também se abre ao debate.
Ao fundador do La Repubblica, eu quero dizer isto: uma vez eu o vi na TV afirmar: "Eu e Calvino, quando chegamos à maioridade, descobrimos Atenas
e nos tornamos seus discípulos". Ele queria dizer a razão. Pois bem,
ele dizia isso como alternativa à fé. Mas então eu também sou meio
pagão, meio ateu, porque eu também sou devoto de Atenas. Como estudante,
de fato, eu tinha uma paixão extraordinária por Platão. Isso para dizer que, na experiência de alguém que crê, a busca de sentido não se esgota com a fé. Atenas não é alternativa a Cristo. E eu gostaria de lhe dizer outra coisa: Scalfari diz que não busca a Deus. Mas eu consideraria mais significativo que, se quiser ser discípulo de Atenas, ao invés, ele o buscasse. Porque se ele se faz essas perguntas, elas são perguntas teológicas.
Então, há menos desconfiança, hoje, entre os nossos dois mundos, o da informação e o da religião?
Muitos viam a existência de uma incompatibilidade, às vezes
recíproca: porque o jornalista agredia, e o outro se fechava. Mas agora
se virou a página. E isso é outro mérito a ser atribuído ao Papa Francisco.
Estou convencido de que, sem o debate com a área de comunicação, ou
você está em uma catacumba, ou fora do mundo. Enquanto o cristianismo
está dentro do mundo. A atmosfera mudou: você pode até dizer que a
televisão não lhe interessa, mas agora é a televisão que atravessa você,
tudo é ritmado pelo online. A Igreja não pode ficar de fora.
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A reportagem é de Marco Ansaldo, publicada no jornal La Repubblica, 25-09-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: IHU on line, 28/09/2013
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