Humberto Corrêa*
Investir em estudos sobre o suicídio nos permitirá melhor
compreendê-lo e preveni-lo. Lutar contra
esse estigma salvará muitas
vidas
O suicídio é um tabu social, mas é também um problema de saúde pública --em escala global.
Um milhão de pessoas se suicidam a cada ano em todo o mundo, o que
representa uma morte a cada 1 minuto e 9 segundos. No Brasil, calcula-se
que sejam pelo menos 9.000 óbitos por ano, 25 por dia --um número
certamente subestimado.
No nosso país, tivemos um aumento de 30% da mortalidade por suicídio
entre jovens, principalmente homens, nas últimas duas décadas. São
milhares de brasileiros que perdemos todos os anos. Mas muitas dessas
mortes poderiam ter sido evitadas.
Todos nós conhecemos alguém próximo que morreu por suicídio, ou fez uma
tentativa grave. A despeito disso, não falamos no assunto, ou o fazemos à
boca pequena.
É um assunto proibido. Não temos grande cobertura por parte da mídia,
que, na maioria dos casos, acredita, erroneamente, que abordar o assunto
incentivaria suicídios.
Não existem campanhas de saúde pública para tratar o tema. Nosso país,
ao contrário de outros, ainda não tirou do papel sua estratégia nacional
de prevenção ao suicídio.
Quando um assunto é tabu, não o discutimos abertamente, não estudamos, não pesquisamos. Jogamos para debaixo do tapete.
De onde surgiu esse estigma, esse tabu? O suicídio existe desde que
existe o ser humano. Temos relatos de suicídios nas mais antigas e
variadas culturas. Na nossa cultura, ocidental cristã, o suicídio se
transformou pouco a pouco em uma questão problemática.
Santo Agostinho, ao ser nomeado bispo de Hippo, foi confrontado com a
igreja donástica, um movimento depois considerado herético que venerava
como santas as pessoas que se jogavam de alturas para atingir o céu.
Para enfrentá-los, santo Agostinho, no "Cidade de Deus", vai dar nova
abordagem ao sexto mandamento --"não matarás"-- com uma especificação:
"Nem a outro nem a si próprio". Essa visão ganha força, e o suicídio se
transforma não apenas em pecado, mas no pior dos pecados, a grande sina.
Por exemplo, o suicida não teria direito às honras fúnebres, não poderia
ser enterrado em cemitério cristão. Quem tentasse suicídio seria
excomungado. Essa visão impregnou corações e mentes.
Nos vários Estados nacionais que vão surgindo na Europa, os códigos
penais previam punição ao suicida --por exemplo, pelo confisco dos bens,
ou esquartejando o corpo do suicida. Quem tentasse suicídio poderia ser
preso e, paradoxalmente, até condenado à morte.
Hoje, a maioria dos Estados não criminaliza mais o suicídio, embora alguns poucos, infelizmente, ainda o façam.
Sabemos hoje que praticamente 100% dos suicidas têm um transtorno
psiquiátrico que muitas vezes não fora, entretanto, diagnosticado ou
corretamente tratado. O sofrimento causado pela doença psiquiátrica e
outros fatores podem levar a pessoa a pensar em se matar.
Identificar rapidamente pessoas com transtornos psiquiátricos,
principalmente depressão, pessoas que falam em se matar, e sugerir a
elas um tratamento adequado, o mais rapidamente possível, é algo que
todos podemos fazer. Pressionar o poder público para estabelecer
campanhas e estratégias de prevenção, com segmento de todas as pessoas
que fizerem tentativas graves de suicídio, todos nós devemos fazer.
Investir em mais estudos e pesquisas sobre o tema nos permitirá melhor
compreendê-lo e prevenir o ato.
Discutir o assunto à luz do dia é nossa obrigação. Lutar contra esse estigma, contra esse tabu, salvará muitas vidas.
Daí a importância de se instituir, a partir deste ano, a data 10 de
setembro como dia mundial de prevenção ao suicídio, o que foi feito
muito acertadamente pela Associação Internacional de Prevenção ao
Suicídio (Iasp) e pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).
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* HUMBERTO CORRÊA, 45, é presidente da Comissão de Estudos e
Prevenção ao Suicídio da Associação Brasileira de Psiquiatria e
representante no Brasil da Associação Internacional de Prevenção do
Suicídio
Fonte: Folha on line, 10/09/2013
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