“Se hoje Nietzsche pode ainda nos auxiliar, em alguma medida, a pensar o problema da barbárie e da civilização, é justamente na clareza com que discerne as coisas, na probidade de sua consciência intelectual, na denúncia impiedosa da edulcoração hipócrita.
(…) Não se trata, para Nietzsche, de
legitimar filosoficamente a escravidão, mas de desmascarar a hipocrisia
da dominação dissimulada, da reificação social edulcorada. Ao insistir
que a escravidão está presente na essência da civilização, Nietzsche
visa produzir um efeito de provocação: nossa moralidade cristã,
laicizada em democracia e socialismo, concebe o trabalho, o rendimento e
a produção, assim como a igualdade burguesa de direitos, como a única
modalidade de instituição de uma sociedade verdadeiramente humana, o que
implica, ao menos no plano ideológico, uma condenação moral absoluta da
escravidão e da diferença de valor entre homem e homem.
Entretanto, de acordo com a denúncia de
Nietzsche, a modernidade política – ao privar o trabalhador do sentido
de seu trabalho; ao transformá-lo em peça na engrenagem da produção e do
consumo; ao promover a administração econômica global da terra e
transformar o indivíduo em espécimen de uma coletividade degradada, que
tem as características de um rebanho uniforme… – de fato preserva uma
modalidade de escravidão que ela mesma, genericamente, proscreve de
direito, de acordo com um cândido credo humanitário, inconsciente de sua
má fé.
Nossa moderna barbárie civilizada
mergulha a sociedade dos últimos homens na fruição de anódinos prazeres
idênticos e acessíveis a todos, a serem gozados com moderação e
prudência. (…) Civilizadamente, degradamos o ideal de felicidade na
falsa moedagem ideológica do bem-estar, da segurança, do conforto, da
ausência de tensão, de atrito, de conflito, na espiral intensificada do
consumo ininterrupto, onde nos oferecemos em sacrifício voluntário ao
ídolo Mercado, no templo profano dos shopping centers, o sucedâneo atual do desejo bovino de felicidade na calmaria das verdes pastagens…”
OSWALDO GIACÓIA JR.
“Antigos e Novos Bárbaros”
“Antigos e Novos Bárbaros”
Artigo presente no livro de ensaios:
“Nietzsche e Deleuze – Bárbaros, Civilizados”
Sâo Paulo: Annablume, 2004. Pg. 195-97.
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Fonte: http://acasadevidro.com/2013/09/07/da-escravidao-contemporanea-provocacoes-nietzschianas-de-oswaldo-giacoia-jr/
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