Fábio Prikladnicki*
Quando a segunda metade da vida acena no horizonte, você vai ficando sentimental, desejando que a vida seja longa, e a arte, breve
Ao final de uma vida intelectual dedicada a desmontar os conceitos
mais complexos do pensamento ocidental, como natureza, essência e
verdade, o filósofo Jacques Derrida passou a se interessar por assuntos
mais, digamos, emotivos. Justiça, perdão e reconciliação, para citar
alguns. Entendo o mestre: chega uma hora em que queremos acertar as
contas com as questões vitais.
Com 32 anos e corpinho de 71, vivo um momento semelhante. Quando a
segunda metade da vida acena no horizonte, você vai ficando sentimental,
desejando que a vida seja longa, e a arte, breve. Woody Allen já dizia
que não quer alcançar a imortalidade por meio de sua obra, e sim por
meio da façanha de não morrer.
Quando eu era jovem (ou mais jovem), queria escrever na linguagem
rebuscada de Derrida. Muitas elipses, repetições e outros recursos
retóricos. Hoje, meu modelo de estilo são as crônicas apócrifas que
circulam na internet, às vezes atribuídas equivocadamente a autores do
passado. Acho graça em ver Clarice Lispector opinando sobre as relações
na era das redes sociais. Mas, acima de tudo, sonho em entender a
fórmula do texto popular, aquele que todos compartilham no Facebook
porque se identificam.
Primeiro, eu achava que o segredo era o lugar-comum. Se você escreve
que as pessoas têm um lado bom e um lado ruim, é claro que muitos vão se
identificar – é uma generalização boba. Depois, passei a admirar a arte
de escrever para as massas. Nunca me esqueço do conselho que um amigo
ouviu do terapeuta: banalize-se. Quero algo de útil para o leitor, por
exemplo: não compre pratos pretos porque as marcas de dedo aparecem
mais. É isso que importa para a sua vida. Você deita no divã quatro
vezes por semana durante 10 anos, mas o que realmente precisa saber é:
eu preciso de uma cama king size para o meu apartamento ou será que uma
queen size é de bom tamanho?
Antes, debruçava-me sobre temas como a desconstrução da metafísica da
presença, a mudança de paradigma da virada linguística e o uso da
ironia em Machado de Assis. Agora, me interessam os benefícios das
amizades verdadeiras, a grandeza de ouvir a voz do coração e a
importância de receber um sorriso em um dia difícil. No final das
contas, uma teoria construída ao longo de uma vida inteira não ensina,
realmente, a viver. Filósofos e escritores também ficam em dúvida se
devem ligar para a garota no dia seguinte. O que Derrida faria?
--------------------
* Colunista da ZH
Fonte: ZH on line, 17/09/20913
Imagem da Internet
Nenhum comentário:
Postar um comentário