Alessandro Martins*
Um bom amigo meu costuma dizer que, se rirmos, o mundo rirá conosco e que, se chorarmos, choraremos sozinhos.
E ele, de quem gosto muito e que é pessoa muito sabida, está certo.
Mas porque sei que muitos dos que me leem estão tristes e,
possivelmente, tristes sozinhos, quero que essas pessoas saibam: embora
você esteja sozinho, você não é o único.
Eu mesmo, neste instante, estou triste.
Parece que há um certo pudor em se admitir triste hoje em dia. Virá
alguém, estou certo disso, que dirá: “Mas não é bom cultivar esse
sentimento…”
Por certo que não é.
Por outro lado, não estou convencido em absoluto dos benefícios do
cultivo de uma felicidade permanente, obrigatória e patológica, como se
isso, por acaso, fosse possível, ao ponto de os músculos do sorriso se
congelarem numa cãimbra dolorida.
Dolorida e triste. Nem sempre um sorriso é um sorriso.
Quero reproduzir aqui um poema de Fernando Pessoa, retirado de O
Guardador de Rebanhos, que diz tudo isso de uma forma muito mais bonita
do que eu mesmo poderia.
Poema XXI de O Guardador de Rebanhos (heterônimo Alberto Caeiro)
Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
Seria mais feliz um momento…
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural…
Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva …
O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica…
Assim é e assim seja …
Não há vergonha em se estar ou mesmo em se ser triste.
Não há nem mesmo razão para se sentir culpado porque deveríamos, em
vez de tristes, nos sentir gratos por tudo que a vida nos dá, mesmo ao
mais miserável de nós. Os sentimentos de falta e separação nos são
inerentes e, possivelmente, uns daqueles componentes não tão positivos
que nos fazem humanos.
Por que sentir, então, pesar por algo que nos é natural?
Seria como um tigre se açoitar pelo fato de ser listrado.
Assim, se um dia você me encontrar triste, como hoje e talvez nos
últimos dias, saiba que não estou assim porque cultivo um ou outro
sentimento. Como todo ser humano, busco sim a felicidade, ao meu modo,
um modo que jamais saberei ao certo se é o correto.
Talvez eu tenha apenas sentido, no início de alguma noite de calor, o
cheiro das damas da noite e tenha lembrado de algum momento em que fui
especialmente abençoado.
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* Cronista. Contista.
Fonte: http://alessandromartins.me/
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