Luiz Felipe Pondé*
A natureza mata sem pena pobres e oprimidos, ela é a maior opressora da face da Terra
As pessoas têm crenças desde a pré-história. Nossa constituição frágil é
uma das razões para tal. Hoje, cercados de luxo e levados a condição de
mimados que somos, até esquecemos que há anos atrás mais da metade de
nossas mulheres morriam de parto. Elas viviam por conta de ficarem
grávidas e pronto. Hoje existe essa coisa de "escolha", profissão,
filhos depois da pós, direitos iguais, ar-condicionado, reposição
hormonal, bolsa Prada.
Esquecemos que direitos e escolhas são produtos mais caros do que bolsa Prada. Pensamos que brotam em árvores.
Mas existem crenças mais frágeis do que outras, algumas que beiram o
ridículo. E algumas delas até recebem bênçãos de filósofos chiques.
Em 1975, o filósofo utilitarista australiano Peter Singer publicou um
livro chamado "Animal Liberation", que deixou o mundo de boca aberta.
Para Singer, "bicho é gente" (porque também sente dor). A partir daí,
ele encampou toda uma gama de militantes que gostaria de tornar a
alimentação carnívora um crime como o canibalismo.
Achar que se pode comer animais se basearia no preconceito de que os
animais seriam "seres inferiores", daí o conceito de "especismo" como
análogo ao de "racismo", o conhecido preconceito contra certas raças que
foram consideradas inferiores no passado.
Tudo bem a ideia de que devemos tratar os animais com respeito e carinho
e sem maus-tratos (eu pessoalmente gosto mais dos meus cachorros do que
de muitas pessoas que conheço, e um deles é mais inteligente do que
muita gente por aí), mas esta discussão quando toca as praias dos
fanáticos puristas (essa praga que antes era limitada a crente
religioso, mas hoje também se caracteriza por ser um ingrediente do
fanatismo sem Deus de nossa época) é de encher o saco. Se um dia eles
forem maioria, o mundo acaba.
O mundo não sobreviveria a uma praga de pessoas que não usam sapatos de
couro porque os considera fruto da opressão capitalista contra os
bichinhos inocentes.
Ainda bem que esta "seita verde" tende a passar com a idade, e aqueles
que ainda permanecem nessa depois de mais velhos ou são hippies velhos
que fazem bijuteria vagabunda em praças vazias (tem coisa mais feia do
que um hippie velho?) ou são pessoas com tantos problemas psicológicos
que esta pequena mania adolescente até desaparece no meio do resto de
seus sofrimentos com a vida real.
Recentemente ouvi uma história hilária: alguém contra matar baratas
porque não se deve matar nenhuma forma de vida. Risadas? É bom da
próxima vez que alguém te convidar para ir na casa dela você checar se
ela defende os direitos das baratas.
Nem Kafka foi tão longe ao apontar o ridículo de um homem que, ao se ver
transformado num enorme inseto marrom, se preocupou primeiro com o fato
de que iria perder o bonde e por isso perder o emprego.
Eu tenho uma regra na vida: quando alguém é mais ridículo do que alguns personagens do Kafka, eu evito esta pessoa.
Às vezes me pergunto o que faz uma pessoa razoável cair num delírio como
esse. Como assim "não se deve matar nenhuma forma de vida"?
A pergunta é: essa moçadinha seguidora de uma mistura de filosofia
singeriana aguada e budismo light (com pitadas de delírio) já olhou para
natureza a sua volta?
A natureza é a maior destruidora de vidas na face da Terra. Ela mata sem
pena fracos, pobres e oprimidos. A natureza é a maior "opressora" da
face da Terra. E mais: normalmente essa moçadinha é bem narcisista e
muito pouco solidária com gente de carne e osso.
Se todo mundo defender o direito da baratas, um dia vamos acordar com
baratas na boca, nos ouvidos, na xícara do café da manhã. A mesma coisa:
se não comermos os bois e as vacas, eles vão fazer uma manifestação na
Paulista pedindo direito a pastos de graça ("os sem-pastos") para
garantir a sobrevivência de seus milhões de cidadãos bovinos.
Pergunto a esses adoradores de baratas: ele já pensou que as alfaces
também sofrem? ela já pensou que quando come uma alface está
interrompendo toda uma vida feliz de fotossíntese? Que as alfaces também
choram? Malvados e insensíveis...
-----------------------
* Filósofo. Prof. Universitário. Escritor. Colunista da Folha
Fonte: Folha on line, 16/09/2013
Imagem da Internet
Nenhum comentário:
Postar um comentário