Roberto DaMatta*
Os nobres eram sempre calmos. Até mesmo quando metiam a chibata, o faziam por meio de capatazes tranquilos
No premiado livro de Suzanne Chantal, "A vida quotidiana em Portugal
depois do terremoto de Lisboa de 1755" (Hachette, 1962), diz-se que os
juízes lusitanos eram astuciosos. Eu cito: "Sabiam que o delito não
contava. O que mais importava era saber quem o cometera, por conta de
quem, quem prejudicava e quem beneficiava e qual era, dentre todos os
partidos em causa, o mais poderoso, aquele que se devia esperar mais ou
que mais se havia de temer. Por isso tomavam o maior cuidado em não agir
com demasiada precipitação. Era frequente um processo esperar quatro ou
cinco anos antes de ser instruído; mais ainda para ser julgado" (pag.
252).
Isso ocorria num Portugal do tempo dos "terramotos", como lá
se diz. Nós, cá de um Brasil sem terremotos, somos imunes a tais
malfeitos, justamente porque não nos precipitamos. Somos —
independentemente do delito e do devido processo legal — contra o
imediatismo e a voz das "multidões".
Nada deve ser imediato. Muito
menos a prisão ou a luz elétrica. A boa educação obriga a esperar.
Protele-se, pois, a velocidade das corridas de cavalo e do forno de
micro-ondas. Condenar sem conceder todos os direitos aos criminosos
donos poder, é contra a nossa natureza de país pautado pela lei. Terra
adorada na qual jamais os poderosos ( "gente boa") — jamais foram para a
cadeia.
Ultra-legalistas, amamos a lei pela lei. Somos a favor do
processo legal lento e grandioso em tamanho e absurdo. Tomemos a
policia. Ela deve primeiro testemunhar com absoluta certeza que algumas
propriedades foram vandalizadas para agir. E mesmo assim, levar em conta
que a depredação de bancos e lojas podem ser sinais de uma nova era.
Não sabemos ainda que mensagem é essa, mas ela certamente vai surgir com
mais clareza tal como em março (ou seria abril?) de 1964; tal como
ocorreu com o Estado Novo e na Alemanha a partir de 1933. Somos seguros e
gradualistas. Demoramos mais ou menos 60 anos para abolir a escravidão e
mais um outro tanto para retomar a democracia. Aliás, considerando o
mensalão, hoje vemos com mais serenidade que ele foi um deslize banal. É
mais um mero caso de corrupção, semelhante à dúzias de outros exemplos
ocorridos em todos os governos, realizados por quase todo mundo. Diante
disso, a Abolição da Escravatura foi um milagre de Nossa Senhora
Aparecida.
Tudo o que é rápido e que produz resultados
instantâneos e sem a intermediação dos compadres, dos ex-secretários e
dos ex-advogados que nos julgam de modo ponderado e isento, deve ser
pensado e evitado ou até mesmo — reitero — proibido. Mas proibido com
tranquilidade, sem rompantes reveladores de má-educação e de gosto
duvidoso.
O imediatismo — como dizia um velho e sábio professor
favorável a uma "sociologia da calma" — era o problema do nosso tempo.
Claro que esse "nosso tempo" deveria ser igualmente ponderado senão ele
se transformaria num indesejável imediatismo o qual fatalmente levaria a
um arriscado "colocar o carro adiante dos bois".
A pressa é
inimiga da perfeição. O corre-corre é uma característica definitiva
inferiores: dos criados e dos serviçais. E com o perdão que invoca os
velhos e bons tempos nos quais cada qual tinha (não existia ainda essa
novidade burguesa e liberal de saber) o seu lugar — como na escravidão —
os nobres eram sempre calmos. Até mesmo quando metiam a chibata, o
faziam por meio de capatazes tranquilos. Eles decidiam com consciência,
tendo na memória os princípios perenes da desigualdade. Por isso
prendiam suspeitos e com ajuda de alguns mecanismos, sabiam como
transformar um "não" num "sim" em certas circunstâncias e com o
justificado uso de certos mediadores como uns bofetes na cara, o choque
elétrico e o pau de arara. Ou realizando julgamentos duplos, triplos ou
múltiplos — ou melhor ainda, sem julgamento — esse direito fundamental
que, em certas circunstâncias pode ser substituído por instrumentos mais
eficazes como o fuzilamento sumário, desde que a causa seja justa como
parir a justiça social, aplacar o ciúme da mulher bonita, inibir a
competição de um colega brilhante, ou garantir a proteção do país contra
alguma nação, "raça" ou classe como essa famigerada mídia comprada que
hoje faz uma campanha vergonhosamente anti-esquerdista. Essa esquerda
que é inimputável, feita de cruzados; que a tudo renunciou em nome do
povo e que jamais roubou, corrompeu ou pecou. Essa esquerda que por sua
total inexperiência no poder — onde está faz mais de uma década — tem
cometido pequenos exageros. Erros dilatados pela mídia corrupta, liberal
e imediatista, a ser posta de quarentena para que, numa apreciação mais
detida e sem o clamor da multidão ensandecida possam ser reavaliados à
luz do nosso exemplar direito luso-brasileiro.
Claro que o
imediatismo tem tudo a ver com grandes injustiças. Talvez pior que a
agilidade seja esperar sentado. Mas, conforme sabemos, quem espera,
sempre alcança.
-------------------- * Roberto DaMatta é antropólogo
Fonte: Jornal o globo on line, 25/09/2013
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