Roman Krznaric durante palestra em São Paulo: trabalho e felicidade podem andar juntos.
Mas é preciso correr riscos
Você já se perguntou, no meio da sua jornada de trabalho,
“o que eu estou fazendo aqui”? Bem, você não é único. Há uma epidemia
de insatisfação com o trabalho se espalhando pelo mundo e ela já chegou
ao Brasil. É o que afirma Roman Krznaric, filósofo australiano e um dos
fundadores da School of Life, espaço dedicado a cursos focados em
informação para qualidade de vida. Roman está no Brasil representando a
escola em duas palestras. No último domingo, falou ao público que lotou o
Teatro Augusta, em São Paulo. Amanhã estará no Rio, no Teatro Tom
Jobim.
“As pessoas estão questionando qual o seu propósito de vida
e, assim, repensando o significado do trabalho”, diz Roman, que também é
autor
de “Como Encontrar o Trabalho da sua Vida” (Editora Objetiva) e está no
Brasil para lançar seu segundo título, “Sobre a Arte de Viver” (Editora
Zahar).
O materialismo já não é mais suficiente. “É uma escada sem fim.
Ganhamos dinheiro, compramos, a nossa felicidade cresce um pouco e
rapidamente cai. Logo, esse ciclo se repete sistematicamente”.
Se nos últimos 20 anos a carga horária aumentou
significativamente, o dia de alguém que está insatisfeito no emprego
será tomado de frustrações. “O problema é que as pessoas têm uma ideia
muito errada do que lhes traz felicidade no trabalho. Elas tendem a pensar que ganhar mais dinheiro e galgar posições mais altas fará com que sejam mais felizes”, Roman observa.
Mas o que realmente importa,
explica o filósofo, é a qualidade das relações, autonomia, liberdade e
respeito. “Essas coisas são essenciais no ambiente de trabalho. Você
pode ganhar mais dinheiro, mas se sentir que ninguém lhe nota, se não
tiver amigos no trabalho, você será infeliz.”
"Fluir" é a palavra-chave para se ter mais prazer na vida
profissional. Ao estar presente, desfrutando os momentos, as horas
passarão sem você perceber. Mas não é fácil atingir este estado. Muitas
vezes, para chegar lá é preciso enfrentar desafios e sair da zona de
conforto. “Temos que enlouquecer de vez em quando”, recomenda.
De joelhos na terra
Não existe emprego perfeito à sua espera lá fora. É tolice achar que
acontecerá um milagre. Arriscar-se vale mais a pena, mas não é garantia
de sucesso imediato. A história do australiano é prova disso.
Deixar a cadeira de professor universitário para se tornar jardineiro
foi bastante libertador (ele também se aventurou como jornalista,
carpinteiro e técnico de tênis). Enlouquecido com a burocracia da
universidade, Roman pensou que o contato com a terra traria paz para sua
vida. No entanto, as coisas não saíram como ele imaginava.
“Achava muito estranho que as pessoas passavam reto por mim quando me
viam de joelhos mexendo na terra. Era como se eu fosse uma árvore ou
uma pedra. Então percebi que precisava do respeito das pessoas ou me
sentiria sem valor. Mas não sabia disso até passar pela experiência”,
recorda.
Os pedestres que o ignoraram não souberam se colocar no lugar do
jardineiro. Esse é o princípio básico da empatia, um dos conceitos que
ele defende para atingir a felicidade no trabalho.
“Para ser um líder, tem que se colocar no lugar dos trabalhadores.
Para ter um bom time, é preciso que um entenda o outro. Se não houver
cooperação, não funciona. Competição não é suficiente. A cooperação não
só faz as pessoas aprenderem a trabalhar juntas, mas também traz
criatividade e inovação”, pontua.
Sair de si
No século 21, o individualismo ficou para trás. Roman propõe uma nova
ordem mundial: a “outrospecção”, ou a capacidade de sairmos de nós
mesmos, em oposição ao mergulho em si mêsmo definido pela introspecção.
“Ficamos obcecados para olhar para dentro, para descobrir o que queremos
de nossas vidas. Quando na verdade devemos descobrir quem somos a
partir do contato com outras pessoas”, diz.
Não importa mais deixar uma marca na história, o que realmente faz a
diferença é trabalhar por uma “causa que transcenda” o indivíduo para o
coletivo. “Temos que trabalhar por algo maior, pois só para si mesmo não
é suficiente. Tudo bem no curto prazo, mas em longo prazo não trará
felicidade”.
Para ele, o mundo corporativo começa a entender a importância da
cooperação. “O homem era visto como individualista em sua natureza. Sim,
nós somos isso. Mas também somos criaturas empáticas, os
neurocientistas já comprovaram isso”. 98% das pessoas têm habilidade
para criar empatia e colocar-se no lugar de outra pessoa, a fim de
entender os pensamentos, sentimentos e experiências do outro.
É a empatia que faz as relações darem certo em casa, no trabalho ou
em qualquer lugar. O sentimento é tema do próximo livro do filósofo, com
lançamento previsto para o início do ano que vem na Europa. “É a cola
social que une tudo”, acredita Roman. Contudo, para o filósofo, vivemos
em uma era de déficit de empatia. Um dos fatores para isso é a
tecnologia, capaz de tornar as relações mais enfraquecidas e as amizades
mais superficiais.
É por isso que Roman luta para a criação do Museu da Empatia, um
lugar totalmente experimental para mudar esta cultura. Lá, as pessoas
sairão de seus casulos para descobrir o outro e a si mesmos. Perguntado
se tinha um conselho prático, Roman recomenda que as pessoas abandonem o
“eu” e assumam o “nós”, tanto na vida pessoal quanto na profissional.
“Converse com um estranho todos os dias pelo resto da sua vida. A
curiosidade por alguém que não conhece é uma das formas mais poderosas
de abrir a mente.”
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Por Renata Reif - iG São Paulo
Publicada em 28/09/2013 09:20:44
Foto: Reprodução/iG
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