Peter Steinfels*
Armas químicas não são divisões panzer. Assad não é Hitler,
embora valha a pena explorar certas semelhanças. Mas, nos debates
atuais, eu não posso deixar de ouvir ecos de um catálogo inteiro de
meias-verdades e de subterfúgios que eu encontrei ao longo dos anos.
Nesse sábado, eu fiz o meu melhor para jejuar e rezar pela paz na Síria, pelo Oriente Médio
e pelo mundo, assim como o papa, secundado pelos nossos bispos, nos
pediram para fazer. Mas a minha oração e jejum foram agitados pelas
preocupações que tomam um rumo bastante diferente do de muitos dos meus
amigos mais próximos e de muitas vozes neste blog.
Alguns dias atrás, quando eu comecei a revirar todas essas coisas na
minha mente, eu basicamente pensei que o governo Obama, por todas as
razões que ele deu, estava fazendo a coisa certa, inclusive solicitando a
aprovação do Congresso. Eu reconheci objeções razoáveis para tomar uma
ação militar limitada e punitiva contra o regime de Assad
pela sua quebra de mais uma barreira à total depravação na guerra. Para
o meu pensamento – e eu pensei muito –, esses argumentos contra a ação
eram menos substanciais do que o argumento pela ação. Neste momento, eu
estou menos certo disso, principalmente por causa da incapacidade do
presidente de conseguir mais apoio internacional.
Mas eu estou muito menos preocupado em acrescentar os meus próprios
argumentos àqueles que estão sendo levantados em todo o lugar do que
olhar para outra coisa. O que eu sinto que está acontecendo e o que eu
tenho incluído nas minhas orações não têm muito a ver com qualquer
ponderação cuidadosa de razões. É um clima, um reflexo, uma reação
instintiva, e assemelha-se muito mais com um estado de espírito que eu
passei anos estudando. Nós nos queixamos, não muito justamente, que os
generais sempre travam de novo a última guerra. Mas, na medida em que
isso é verdade para generais, não é menos verdade para os ativistas
antiguerra. Eles estão sempre se opondo à última guerra.
Eu passei a maior parte do fim dos anos 1960 e início dos 1970
pesquisando, pensando e escrevendo sobre um grupo de intelectuais
políticos de esquerda franceses e suas reações à ascensão do poder da Alemanha
nazista na década de 1930. Eram pessoas altamente inteligentes e
morais, sem nenhum amor pelo nazismo (muitos eram judeus, de fato). Eles
também tinham uma profunda suspeita dos militares. Alguns tinham sido
atraídos para a política pelo caso Dreyfus. Todos tinham ficado profundamente marcados pelo banho de sangue da Primeira Guerra Mundial.
Agora, eles enfrentavam uma crise após a outra enquanto o Terceiro Reich marchava rumo à guerra – a renúncia da Alemanha à adesão à Liga das Nações (1933) e às cláusulas de desarmamento do Tratado de Versalhes
(1934); o rearmamento da Alemanha, a introdução do serviço militar
obrigatório e a expansão das forças militares (1935); a reocupação
militar da Alemanha da desmilitarizada Renânia, na fronteira da França (1936); os pactos da Alemanha com a Itália (1936) e com o Japão (1936-1937); o fracasso das sanções da Liga contra a invasão da Etiópia por Mussolini (1936); a intervenção alemã e italiana na Guerra Civil espanhola (1936-1939); a anexação da Áustria pela Alemanha (1938); as ameaças da Alemanha contra a Tchecoslováquia (1936-1938), o desmembramento dessa nação depois do Pacto de Munique (1938) e a sua aniquilação (1939).
Entre esses pensadores, especialistas, professores e ativistas
políticos franceses, havia diferenças importantes, mas, enquanto eles
debatiam cada nova crise, a conclusão era sempre a mesma: não faça nada
que envolva o possível uso da ação militar. Cada uma dessas crises,
afinal, tinha as suas próprias complexidades, e nenhuma medida militar é
sem custos e riscos. Pode-se sempre encontrar razões para a inação.
Por trás de todas as razões, no entanto, estava um simples impulso
visceral: uma determinação de nunca fazer nada que repetisse agosto de
1914 e os massacres da Primeira Guerra Mundial. Nenhum
grupo podia ter sido mais secular do que aquele que eu estava estudando,
mas eles estavam tão comprometidos com o grito "Não à guerra! Nunca
mais a guerra!" como qualquer papa recente.
E esses intelectuais de esquerda dificilmente estavam sozinhos nessa
reação. Ela era compartilhada nos mais altos círculos das lideranças
militares, pelos políticos partidários e tanto pelos desgostosos de
esquerda e de direita, e não sem motivo, com as classes governantes da França. No momento em que a paralisia foi rompida, já era tarde demais.
No caso daqueles que eu estudei, essa contínua falta de vontade de
recorrer seriamente ao uso da força militar brotava da paixão moral
profunda e do mais alto das motivações antiguerra. Qual foi o custo
desse clima, ao qual eles contribuíram com a sua devida porção? Causa e
efeito na história nunca são claros. Mas eu acho que é covardia moral
não contemplar a grande possibilidade de que milhões e milhões de mortes
e atrocidades genocidas foram o resultado. Sim, uma paixão para evitar a
guerra contribuiu com a sua própria medida não com 1.500 mortes, nem
com 100 mil, mas com milhões.
Será que essa triste lição me transformou em um "falcão" [defensor da
guerra]? Dificilmente. No próprio momento em que eu estava debruçado
sobre esse material deprimente, eu estava protestando contra a guerra do
Vietnã. No máximo, reconhecer o domínio paralisante que a Primeira Guerra Mundial
tinha sobre a imaginação política e moral desses intelectuais da década
de 1930 minou as advertências de alguns norte-americanos de que a
retirada do Vietnã derrubaria todos os dominós, assim como outra "Munique". Cuidado com as analogias históricas simples.
Estou sugerindo outra aqui? Armas químicas não são divisões panzer. Assad não é Hitler,
embora valha a pena explorar certas semelhanças. Mas, nos debates
atuais, eu não posso deixar de ouvir ecos de um catálogo inteiro de
meias-verdades e de subterfúgios que eu encontrei na minha pesquisa.
Guerra nunca resolve nada. (Não resolve, mas resolve algumas coisas,
embora nunca sem feridas e cicatrizes.) Não somos responsáveis também?
(Sim, mas como isso nos exime de agir agora?) Tendo tolerado tanto já,
como podemos desenhar uma linha aqui? (E, então, usar o mesmo argumento
contra o fato de desenhar uma linha em outro lugar.), Qualquer ação
militar não representa riscos de erro de cálculo e escalada?
(Absolutamente, e eles devem ser medidos, muito escrupulosamente, contra
os riscos de não agir.) Buscar a diplomacia em vez da guerra. (A
diplomacia não funciona no vácuo.) Recorrer à força armada deve ser
apenas um último recurso. (Concordo, desde que a sua definição de
"último recurso" seja realista e não uma questão de regressão infinita
ou de um hipotético "algo a mais" que carece de toda substância
prática.)
Eu não sei quantas vezes meus intelectuais justificadamente
antiguerra insistiram que Hitler deveria ser "posto contra a parede"
diplomaticamente, ou que a França tinha plantado as sementes do nazismo pela dureza do Tratado de Versalhes, ou que a França dificilmente poderia se queixar das depredações nazistas já que ela era culpada de crimes coloniais na Indochina e na Argélia,
ou que falar sobre ação militar era apenas bater os tambores da guerra
como em 1914, ou que nada podia ser feito sem um fronte unificado de
aliados antialemães. Esses intelectuais estavam sempre condenando,
deplorando, advertindo, apelando, mas nunca a favor da ação. Por trás
disso, como eu disse, estava o fantasma de 1914.
E por trás das recusas apaixonados da "loucura" de Obama, como um querido amigo liberal rotulou em um e-mail enviado a mim, está o fantasma do Iraque.
O que mais me impressionou na deploração dos meus amigos e conhecidos
diante da "loucura" de Obama é como se assume que toda a questão está
tão clara quanto pode ser. De fato, há lições importantes, até mesmo
assustadoras, a serem tiradas do Iraque. Algumas delas moldam claramente
a política do atual governo. Mas nenhuma delas deveria ser um veto
geral à força militar. Na minha opinião, isso seria apenas mais uma
estupidez acrescentada às muitas da nossa invasão do Iraque. Não seria
uma correção do Iraque, mas sim um prolongamento dele.
Eu não estou pensando aqui naqueles que acreditam que a fidelidade a Jesus
exige um testemunho qualificado de não violência por parte dos cristãos
e da Igreja. Nem estou pensando naqueles que estão seriamente lutando
para aplicar o pensamento da guerra justa. Estou pensando naqueles
dentre eles, no entanto, que fazem apelos pacifistas ou chegam a
conclusões da guerra justa enquanto fingem que esses também são os
caminhos mais certos para a paz, a justiça e para um fim ao sofrimento.
Seria bom para uma mudança se todos os moralistas fossem tão sinceros
sobre os riscos e as incertezas das suas posições como eles exigem que o
governo seja sobre os seus.
Em sua primeira noite de volta como apresentador do programa The Daily Show, Jon Stewart
basicamente comparou o que estava em jogo na Síria a uma competição
entre meninos do sétimo ano sobre quais pênis eram maiores. Sua maior
aproximação à sagacidade ocorreu quando ele sugeriu que, tendo ficado em
estado de espera enquanto Assad matava 100 mil pessoas, a indignação dos EUA
diante das armas químicas simplesmente serviu para dizer ao ditador
sírio a forma mais apropriada para matar o seu próprio povo. Eu acho que
muitos dos meus amigos iraquianos amargurados teria ficado
desconcertado pela juvenilidade desse temperamento, mas teriam sido
completamente solidários com a risada de aprovação do público.
Se o Congresso rejeitar qualquer resposta adequada ao uso de gás venenoso pelo regime de Assad,
eu não acredito que a diplomacia será fortalecida, ou que o perigo de
uma guerra regional será reduzido, ou que a proliferação de armas
nucleares será contida, ou que a ordem mundial e as instituições
internacionais serão confirmadas. Eu posso ver algumas vantagens, como o
fato de restaurar o papel do Congresso no exercício das suas
responsabilidades com relação a ações militares. Não é um bom exemplo de
uma retirada global dos esforços dos EUA para exercer influência internacional. Isso é o que eu acredito que Obama
tem tentado. Mas se esse esforço for conduzido, ou mesmo for visto como
conduzido, por uma recusa interior inspirada no Iraque de todas as
opções militares, o efeito halo será grande. Sejamos ao menos honestos o
suficiente para reconhecer isso.
A credibilidade é um fator significativo nos assuntos internacionais,
assim como em outros aspectos da vida. Mas a credibilidade não pode
ficar com um presidente ou com um governo. Em uma democracia,
finalmente, ela fica com o povo. É por isso que Obama
estava certo em pedir a aprovação do Congresso. É por isso que ele
estava certo em dizer na Suécia que não era a sua credibilidade pessoal
que estava em jogo, mas sim a da comunidade internacional.
Até agora, parece improvável que ele obtenha mais do que uma estreita
aprovação no Congresso, se obtiver, e ele recebeu um apoio mínimo de
outras nações, principalmente daquelas que partilham os nossos valores.
Nessas circunstâncias, talvez a credibilidade seria melhor servida se Obama
sublinhasse que "a partir de um respeito decente pela opinião da
humanidade", na ausência de um apoio substancial dos representantes do
povo e das outras nações, os EUA não vão agir. Mas ele
deveria ser absolutamente claro sobre o que ele acredita que está em
jogo, por que ele acredita nisso e o que essa escolha pode pressagiar
para as gerações futuras.
A ideia de uma ação militar anti-Assad que seja
limitada e punitiva é uma contradição em termos? Será que a inteligência
tem sido suficiente e honestamente compartilhada ou, reminiscências do Iraque, ela foi possivelmente "cozida"? Que respostas estão previstas para ações de retaliação da Síria, do Hezbollah e do Irã? Como uma ação militar se relaciona com qualquer noção de uma resolução política potencial na Síria?
Essas são perguntas razoáveis, e há, creio eu, respostas razoáveis
que podem ser sopesadas, mas não se o nível de dificuldade estiver tão
elevado (revelar todas as fontes de inteligência, dar-nos os planos
militares em detalhes precisos, oferecer garantia de que não haverá
nenhum risco) a ponto de impedir de antemão qualquer conclusão, exceto
uma: não agir.
Você pode discutir a sabedoria, a prudência e a moralidade desta ou
daquela proposta, a probabilidade desta ou daquela sequência de eventos,
ou o equilíbrio entre as consequências de agir e de não agir. Mas você
não pode discutir com um miasma de suspeita, raiva e fixação na guerra
passada. É isso que eu temo que esteja em operação entre muitas pessoas e
eu tenho feito disso parte das minhas orações.
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* A opinião é de Peter Steinfels, professor da Fordham University, cofundador do Fordham Center on Religion and Culture, ex-editor da revista Commonweal e colunista de religião do jornal The New York Times. O artigo foi publicado no blog dotCommonweal, 07-09-2013 (https://www.commonwealmagazine.org/blog/syria-and-us). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: IHU on line, 12/09/2013
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