Jorge da Cunha Lima*
Quando encontrei o teólogo Yves Congar no convento dos dominicanos em
Estrasburgo, há muitos e muitos anos, ele me afirmou que o reino de Deus
não estava adiado, mas que o Cristo era muito jovem, acabara de nascer.
Assim, não teria havido tempo para se formatar uma sociedade
verdadeiramente cristã.
No resto, Congar levava a vida com gosto e esperança. Gostava de uma boa manteiga da Bretanha, um copo de vinho. Foi um dócil guia turístico quando nos levou, a mim, ao Fernão e à Soninha visitar o tríptico genial de Grunhewald, em Colmar e a Capela de Ronchamps, do Corbisier, cercada de galinhas soltas e cacarejantes.
Acreditava nos desígnios de Deus. Afastado de Paris pelo Cardeal Feltin, ele nunca poderia comparecer na qualidade de teólogo ao concilio Vaticano II, convocado por João XXIII. Exilado em Estrasburgo, seria uma honra para o arcebispo local levar ao concilio um teólogo, o que lhe era de direito. Nada mais apropriado do que levar o Pe. Congar, o mais reputado dos teólogos vivos.
Assim o foi, com todas as consequências que conhecemos, isto é, uma profunda santificação da Igreja Católica, posteriormente desperdiçada.
O Papa Francisco nos traz de volta esses tempos de santificação. Quando fala de doutrina, não se esquece de que está falando para seres humanos, pecadores. Quando se refere à burocracia da cúria lembra-se de que a moralidade administrativa é uma virtude tão indispensável aos políticos quanto aos clérigos.
Prega com a simplicidade de um pastor não de um impostor. Por isso mesmo todo mundo o entende e reverencia. Foi a maior dádiva que a Argentina nos proporcionou depois do tango. Mas o tango circula pelos atalhos da paixão, enquanto Francisco peregrina pela avenida mais ampla da piedade.
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* Poeta. Prosador. Secretario da Cultura. Presidente da Gazeta e da TV Cultura.
Fonte: http://colunistas.ig.com.br/jorgedacunhalima/2013/09/26/o-papa-francisco-e-o-tango/
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