Rubem Alves*
Jonatas era um menino esperto. Ele percebeu que nas estórias do
Mestre Benjamin estava faltando uma explicação. Se Deus fez um mundo tão
bonito, jardim, paraíso, que aconteceu para que ele tivesse ficado como
estava, cheio de sofrimento? O que foi que estragou a obra do Criador? E
foi com a pergunta de um menino que se iniciou a sessão de estórias do
dia seguinte. São sempre as crianças que fazem as melhores perguntas.
Mestre Benjamin fechou os olhos, pensou longamente e começou:
“No meio do Jardim, entre todas as árvores frutíferas, havia uma árvore da qual pendia um fruto azul. ‘Todas as árvores do Paraíso são para o seu prazer’, disse Deus. ‘Delas poderão comer livremente.
Mas cuidado com o fruto azul... Dentro dele mora um verme. O verme é venenoso. Se morderem o fruto azul o verme os picará. Os olhos daqueles que são picados pelo verme fazem apodrecer tudo aquilo em que eles tocam. Os olhos são a lâmpada do corpo. Se os olhos forem bons, o mundo será belo. Se os olhos forem maus, o mundo será sinistro. O Paraíso mora dentro dos olhos. Estava certo o místico Ângelus Silésius quando disse que ‘quem não tem o Paraíso dentro jamais o encontrará fora’. O Paraíso não deixará de existir. Mas os olhos não mais o verão. E então, ao invés do Paraíso, os olhos verão um mundo mau. E não o amarão. E não o protegerão. E não encontrarão nele paz de espírito. Bem disse o nosso poeta Walt Whitman que ‘a terra continua partida e podre só para aquele ou aquela que está partido e podre.’”
Mas o fruto azul era mais belo e mais sedutor que todos os outros. O seu nome é “Inveja”.
E a curiosidade foi mais forte que o medo.
E comeram do fruto azul.
E o verme da Inveja os picou.
E seus olhos se abriram para um outro mundo que não deveriam ver.
E olhando para si mesmos perceberam que já não eram mais crianças. Haviam se transformado em adultos.
E viram que estavam nus.
E tiveram vergonha um dos olhos do outro.
E cobriram-se então com aventais de folhas de figueira para que sua nudez não fosse vista.
E o Paraíso se transformou num cemitério e vive agora no coração dos homens apenas como uma nostalgia indefinível por uma felicidade perdida...
Vejam a tristeza que existe nas palavras de William Blake, um poeta que tinha o Paraíso no seu coração:
“Fui andar pelo Jardim do Amor,
e o que vi não era o que eu esperava:
Vi uma Capela erguida no lugar
Onde antes, no gramado, as crianças brincavam.
Seu portão fechado estava
E nele, escrito: Interditado.
Para o Jardim do Amor corri então
Onde antes tantas flores se abriam.
Mas encontrei, ao invés das flores, sepulturas,
E lápides frias espalhadas.
Sacerdotes em vestes negras vigiavam
E com espinhos os risos e alegrias proibiam.”
O Paraíso continua a existir como esperança, nas palavras dos poetas. O corpo come pão para poder andar. Mas, para poder voar, é preciso ter asas... A poesia são as asas da alma. “ A poesia, a mais humilde, é serva da esperança”... (Adélia Prado).
Vagarosamente todos saíram da tenda repetindo as palavras e esforçando-se por não esquecer: “A poesia é serva da esperança, a poesia é serva da esperança, a poesia é serva da esperança”. E foi repetindo esse mantra que adormeceram sonhando com o futuro.
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* Educador. Escritor. Teólogo.
Fonte: Correio Popular on line, 29/09/2013
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