Noemi Jaffe*
Uma empresa gigantesca, fabricante de produtos higiênicos,
farmacêuticos e alimentares (sim, essa empresa existe e não é a única no
gênero), está prestes a lançar um novo produto. Digamos que seja uma
pasta de dentes inovadora, que torna seus dentes mais brancos, frescos e
livres de germes por mais tempo, além de apresentar uma embalagem mais
econômica e sustentável.
Não posso dizer quais são as estratégias dessa empresa para que o
produto venda mais, porque não sou da área de marketing, mas tenho
alguns palpites. Contratam-se numerosos profissionais - designers,
publicitários, pesquisadores, químicos, engenheiros etc., procede-se a
um processo horizontal e vertical de pesquisa de mercado em vários
países e a empresa chega, por exemplo, às seguintes conclusões: para que
o produto venda mais no Brasil, é preciso que o tubo não tenha uma
tampa separada; que a embalagem seja branca; que a campanha seja
estrelada por uma modelo famosa; que o produto fique visível juntos aos
caixas do supermercado; que tenha um preço mais alto que o dos
concorrentes semelhantes, mas não excessivamente alto, para que pareça
de mais alta qualidade; que a campanha na televisão aconteça no horário
da manhã, quando as donas de casa estão preparando o almoço da família.
Para que ele venda no Japão, por outro lado, as pesquisas demonstram
que lá a embalagem deve ser verde, porque é a cor que os japoneses
associam à ideia de frescor. E assim por diante.
Todos os produtos que consumimos nos supermercados, nas farmácias,
nas lojas de departamentos e em inúmeros outros estabelecimentos passam
igualmente por processos vertiginosos e complexos de estratégia de
venda.
Mas eis que o livro "Eu Compro, sim! Mas a Culpa é dos Hormônios..."
adverte o leitor/consumidor que, caso ele queira consumir menos e
eventualmente se curar do "vício da gastança", deve procurar não um
psicólogo, um sociólogo ou buscar conhecer melhor a si mesmo e a seus
problemas, mas um neurologista, ou ainda um endocrinologista, para
tentar equilibrar os hormônios e os níveis de neurotransmissores! Não é
surpreendente? Nada de Marx e a alienação do capital, Freud e as
fixações e neuroses, nada do estresse das grandes cidades e, afinal,
nada dos apelos sedutores do consumo. O problema é hormonal!
Só para se ter uma ideia, o livro começa com a ousada afirmação:
"Somos irracionais". Ao menos segundo o cientista Dan Ariely, que
pesquisa "o comportamento econômico dos macacos" (sim, você não leu
errado), os humanos também cometem "erros econômicos básicos", como "não
agir em função do futuro e repetir nossos erros sempre da mesma
maneira". Isso, é claro, se deve não a fatores sociológicos e/ou
psíquicos passíveis de processamento e transformação pelo sujeito, mas a
combinações endocrinológicas que independem do indivíduo.
É de perguntar se o autor do livro não recebe comissão daquela grande
indústria citada no começo deste texto ou de muitas outras. Se não
recebe (e é evidente que não), eu diria que ele está perdendo uma grande
oportunidade, pois está trabalhando a serviço delas. Qualquer
estrategista de marketing pouparia várias horas de trabalho e sairia
para comemorar se soubesse que a urgência de consumo de seu
"público-alvo" (expressão das mais infelizes) é movido por fatores
hormonais. Faria um acordo com a indústria de fármacos (a mesma dos
alimentícios, por sinal) e inventaria um remédio para curar os
consumidores do vício do consumo.
Todos os capítulos trazem dicas resumidas, ao final, para que o
leitor preste atenção e evite os apelos fáceis de consumo. No capítulo
7, por exemplo, o autor aconselha a "leitora" para que "fique atenta" à
música ambiente de uma loja, porque ela pode fazer que a pessoa compre
mais. Pergunta: "atenta"? Por que não "atento"? Os homens não estão
submetidos a esse "engodo musical"?
Aconselho o autor a ficar também ele um pouco mais atento. Mas, ao menos no seu caso, não aos hormônios.
"Eu Compro, sim! Mas a Culpa É dos Hormônios...
"Pedro de Camargo. Novo Conceito, 192 págs., R$ 24,90
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* Noemi Jaffe é doutora em literatura brasileira pela USP e autora de "Quando Nada Está Acontecendo" (Martins Editora)
E-mail: noejaffe@gmail.com
Fonte: Valor Econômico on line, 13/09/2013
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