Antonio Delfim Netto*
Conformados com os insuperáveis erros de suas previsões, geralmente consequência da precariedade de suas hipóteses, frequentemente encontram refúgio na autoflagelação. Inventam piadas sobre si mesmos. Sob certo olhar, desqualifica-se o conhecimento acumulado, que não é pouco, ainda que não suficiente, para dar total conforto e segurança às decisões de política econômica.
Abre-se, assim, espaço para o ativismo suicida. "Se Deus está morto, qualquer voluntarismo é permitido e igualmente justificável", cujas consequências as histórias de muitos países mostram ser dramáticas no longo prazo.
Grande esforço feito em três décadas teve resultado frustrante
Um exemplo paradigmático da necessidade do conhecimento acumulado pelo estudo da economia sobre o comportamento de uma variável importante é o da taxa cambial. Ele mostra, também, o esforço persistente de combinação da teoria controlada pelo teste empírico, que os economistas não se cansam de perseguir.
O ano de 1983 foi um ponto de inflexão nos estudos sobre a previsão da taxa cambial. Dois excelentes economistas, R.A.Meese e K.S.Rogoff, publicaram um estudo surpreendente. Nele mostraram as dificuldades de todos os modelos construídos até então para "explicar" o comportamento da taxa cambial fora do período amostral, o que em si, não era muito novidade.
O pior estava por vir: uma modelagem puramente matemática e sem nenhum apoio teórico, chamado "passeio ao acaso", parecia dominar - em matéria de previsão - os sofisticados modelos construídos com os "fundamentais"! A esse fato deu-se o nome de "enigma de Meese-Rogoff". Ele estimulou grande parte das pesquisas dos 30 anos seguintes. O volume é imenso e de tal complexidade, que só pode ser acompanhado por especialistas. É por isso que às vezes um deles se dispõe a transmitir, para o resto da profissão, os resultados alcançados.
A mais recente tentativa é um excepcional trabalho da economista Barbara Rossi, do Icrea-Universitat Pompeu Fabra, Barcelona, "Exchange Rate Predictability", publicado pelo Center of Economic Policy Research (Discussion Paper Series nº 9.575, julho de 2013). É inteligente, bem organizado, exaustivo e revelador de que o grande esforço feito em três décadas teve resultados frustrantes. Talvez estejamos entrando numa área onde as pesquisas estão claramente produzindo resultados marginais decrescentes, o que sugere uma necessária mudança de perspectiva.
A situação é difícil, porque, gostemos ou não, o exercício responsável da política econômica exige uma certa previsibilidade sobre o comportamento de algumas variáveis, dentre as quais sobressai a taxa de câmbio. Depois de uma análise de mais de 150 artigos de caráter teórico e empírico, a autora, Barbara Rossi, resume as suas observações em cinco conclusões:
1) o sucesso da previsão da taxa de câmbio, num intervalo fora da amostra utilizada, depende da escolha do previsor. Ainda que haja desacordo, na literatura, em geral as evidências empíricas não são favoráveis aos previsores tradicionais (taxa de juros, produtividade, preços, PIB e moeda). Por outro lado, a previsão da taxa de câmbio entre dois países que coordenam pelo mesmo critério suas taxas de juros (regra de Taylor) parece ser mais promissora;
2) em geral, os modelos lineares parecem ter mais sucesso. Nos modelos lineares de apenas uma equação, a escolha do previsor é mais importante do que a especificação do próprio modelo;
3) a transformação dos dados informativos (extração de tendência, uso de filtros, correções sazonais) pode ter efeito sobre a capacidade de previsão do modelo. Essa não parece depender da frequência das informações, mas é sensível à escolha do país;
4) os resultados empíricos mostram que a escolha do modelo que vai controlar a capacidade preditiva, o horizonte em que ela será feita, o período amostral e o método da avaliação são muito importantes. O modelo de passeio ao acaso ("random walk without drift") é a referência ("benchmark") que deve ser superada; e
5) finalmente, diz a autora: "Em geral, alguns fatores (fundamentais da regra de Taylor e ativo externo líquido) revelam certa capacidade de previsibilidade nos horizontes mais curtos, e outros (fundamentais monetários, especialmente em modelos de painel) uma habilidade preditiva em horizontes longos". E continua: "Nenhum dos previsores, modelos ou testes apresentam suporte empírico sistemático para todos os modelos, países e horizontes de tempo. Tipicamente, quando a previsibilidade aparece, ela o faz ocasionalmente, para alguns países e por curto período de tempo", para concluir: "Dessa forma, o enigma proposto por Meese e Rogoff em 1983, não parece ter sido até agora convincentemente superado".
Não tenho competência para afirmar, mas suspeito que o uso dos fundamentais da regra de Taylor na construção de taxas de câmbio entre dois países pode ser vítima de uma "petitio principii". Se a hipótese for verdadeira, aumenta ainda mais a pobreza dos resultados de 30 anos de ativa pesquisa a respeito da previsibilidade da taxa cambial, da qual parecem tão seguros alguns economistas em prejuízo de sua credibilidade e da profissão.
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* Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras
E-mail: contatodelfimnetto@terra.com.br
Fonte: Valor Econômico on line, 24/09/2013
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