Roberto Amaral*
A
guerra cibernética já começou e para ela não estamos preparados, como não
estávamos em 1914 nem em 1942. E desta guerra já somos alvo
Por que estamos em guerra? Porque esta é a principal característica da pax
americana: Kosovo, Irã-Iraque, Iraque, Afeganistão, Líbano, Palestina,
Líbia, Síria, Israel. Por enquanto, enquanto durarem os escudos chinês e russo,
descansam os eurasianos. Mesmo assim, Rússia e China não estão livres da
espionagem eletrônica. Neste ponto, fazem companhia a Brasil, México,
Venezuela, Irã e Paquistão.
Mas a pergunta é esta: que faz o Brasil nesse rol, se não temos
fronteira com os EUA, se não temos arsenal nuclear e não pretendemos fabricar a
bomba, não abrigamos terroristas, não estamos em guerra interna e não
alimentamos a esperança de superar economicamente o gigante imperial e com eles
temos relações mais que amistosas? Contra o Brasil, o capricho da prepotência
chegou ao gabinete da presidente Dilma, que teve telefonemas seus, e-mails e
outras mensagens de texto rastreados pela Agência Nacional de Segurança, NSA,
dos EUA. Contra nós foram assestados pelos menos três programas, capazes de
acompanhar o tráfego de telefonia e dados. Para quê? Dizem os documentos até
aqui revelados por Edward Snowden, ex-funcionário da NSA, que os objetivos da
espionagem eram político-estratégicos e comerciais. De um lado pretendia
‘melhorar a compreensão dos métodos de comunicação e dos interlocutores da
presidente e seus principais assessores’ e de outro, atendendo tanto aos
interesses do Departamento de Estado quanto aos do Departamento de Comércio,
antecipar para os negociadores dos EUA os estudos do Itamaraty, e fornecer aos
seus empresários informações de seus concorrentes brasileiros em eventuais
disputas comerciais.
Neste último caso agem aqui e em todo o mundo.
Assim é a guerra do III milênio: terrorismo de Estado e guerras
assimétricas.
Não obstante seu declínio, que requer anos e anos para completar-se,
aprofunda-se a hegemonia (militar, científica, ideológica) dos EUA e nada
amaina sua agressividade. Nem a crise interna, nem o fracasso rotundo das
incursões no Afeganistão e no Iraque. Ao contrário, coincidindo com a crise do
capitalismo financeiro monopolista, que corrói a economia da União Europeia e
determina a dilapidação de direitos sociais, previdenciários, salariais e
trabalhistas em geral, a política dos EUA (que independe dos Bushs e dos
Obamas, como dos Nixons e dos Clintons) prima por iniciativas aventureiras, que
vão desde intervenções militares e assassinatos ‘cirúrgicos’, à invasão dos
sistemas internacional e nacionais de comunicação, desrespeitando a soberania
de Estados, e destroçando a ordem jurídica internacional. A insânia, que só a
impunidade pode explicar, chega ao ponto de interceptar, as comunicações de
presidentes de países com os quais não têm, ou não tinham, qualquer sorte de
beligerância.
Esta política, que associa intervencionismo e expansionismo sem
reservas, desrespeito ao multilateralismo e aos organismos internacionais, que
virtualmente decreta a inutilidade da ONU, se não pode ser contida, e não pode
no horizonte a olho nu, começa a despertar mal-estar e indignação. Pelo menos
entre os povos ofendidos. Embora os europeus tenham sido bastante
‘compreensivos’ ante a espionagem eletrônica, da qual muitos deles, aliás, são
sócios. Encolheram as unhas.
A direita alemã, leia-se Angela Merkel, acossada pela opinião pública em
ano eleitoral, calou-se sobre intervenção. O agravamento da crise francesa
silenciou o boquirrotismo do presidente Hollande. Barack Obama, para acalmar a
opinião pública interna, que ainda não esqueceu seus mortos no Vietnã e tem
presentes os fracassos das incursões ‘cirúrgicas’ no Iraque e no Afeganistão,
garante que usará apenas mísseis de longo alcance e jamais tropas do exército,
tropas de ocupação. Ou seja, promete matar sem que seus soldados entrem em combate.
O fato objetivo é que a guerra já começou e que para ela não estamos
preparados, como não estávamos nem 1914 nem em 1942. E desta guerra já somos
alvo, e dessa condição temos ciência desde pelo menos 2001, segundo depoimento
do general Alberto Cardoso, na qualidade de ministro do Gabinete de Segurança
Institucional da Presidência no governo FHC. O então responsável pela nossa
inteligência referia-se ao projeto Echelon – comandado pelos EUA (leia-se NSA),
e, nas suas palavras, integrado ainda pelo Reino Unido, Canadá e Alemanha –,
que, naquela altura já tinha capacidade de interceptar comunicações por e-mail,
voz e fac-símile. Em depoimento prestado ao Congresso brasileiro em 2008, no
segundo governo Lula, portanto, o engenheiro eletrônico Otávio Carlos Cunha da
Silva, diretor do Cepesc (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento para Segurança
das Informações, da Agência Brasileira de Inteligência - ABIN), confirmou aos
parlamentares: "O Echelon intercepta todas as comunicações […] tudo o que está
no ar, em satélites, links de micro-ondas, torres”.
Mais recentemente, em 2012, em palestra em Seminário de que resultou a
publicação Política de defesa e Projeto nacional de desenvolvimento, o
general José Carlos dos Santos, comandante do Centro de Defesa Cibernética-CDCiber,
dá conta da Guerra Cibernética e cita vários de seus empregos, pela Rússia,
pelos EUA e por Israel, entre os quais a ação combinada entre norte-americanos
e israelenses para atrasar o programa nuclear iraniano: "Foi desenvolvido um malware,
um vírus que, aplicado aos sistemas de controle das ultra centrífugas, fazia
com que estas atingissem velocidades de operação bem acima de sua zona de
conforto, provocando superaquecimento e destruição física das máquinas”.
Mais e mais a diplomacia dos EUA é exercida pelo Departamento de Defesa,
em permanente guerra não declarada na qual avulta o papel de agências de
inteligência e ataques cibernéticos a alvos civis ou militares, incluindo
assassinatos de adversários escolhidos, líderes políticos ou cientistas. E não
há razão objetiva para não suspeitarmos que pelo menos China e Rússia, além da
Otan, trabalhem com os mesmos objetivos e as mesmas armas. Estaremos nós
preocupados com essa dependência tecnológica? Teremos já consciência de suas
consequências industriais e militares? Captura de dados de GPS pode ser usada
para teleguiar mísseis balísticos com vistas ao assassinato, como sabe o
governo de Israel. Provocando um blecaute é possível congelar uma estrutura, ou
promover dano físico de instalações industriais, hidroelétricas, nucleares,
militares etc., como foi o exemplo da Usina de Natanz, no Irã. É inimaginável o
que pode ser alcançado como interferência nos sistemas aéreos e espaciais.
Em depoimento à Comissão de Relações Exteriores do Senado Federal após a
revelação da espionagem dos EUA no Brasil, o ministro da Defesa, Celso Amorim,
reconheceu que nossas vulnerabilidades "existem e são muitas”, porque, além de
os softwares de segurança serem todos estrangeiros, todas as comunicações,
inclusive as de segurança, passam por um satélite que não é brasileiro. "No meu
computador, por exemplo, eu aperto um botão e ele deve ligar direto com a
Microsoft. E sou Ministro da Defesa”. E acrescenta: "O que eu tenho de
importante a dizer não faço na internet, faço por outros meios”. Quais?
O Ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, pretende resolver o desafio
da espionagem com projeto de lei de proteção de dados individuais que promete
enviar ao Congresso Nacional, bem como com a aprovação do Marco Civil da
Internet, "que prevê o armazenamento de dados de brasileiros em território
nacional”. A questão, porém, não é de legislação interna, mas de política de
Defesa e supõe suporte tecnológico, especialmente na garantia do livre e seguro
trânsito de informações, estratégicas ou não. Que não possuímos. Depende de uma
agência de informação, que não possuímos (a ABIN é um triste arremedo) e
depende de serviços de contraespionagem, que dependem de decisões políticas, de
tecnologia e de muitos recursos. Depende de estarmos preparados para
ciberguerra. E depende, apenas para cuidar da imagem ferida do pais, de
diplomacia. Até aqui temos falado muito e agido muito pouco, porque a única
coisa a fazer é, ab initio, suspender a viagem da presidente Dilma aos
EUA em outubro. O resto, não passa do resto.
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*Cientista político e ex-ministro da Ciência e Tecnologia entre 2003 e 2004.
Fonte: http://www.adital.com.br/site/autor.asp?lang=PT&cod=13308
Imagem:
forensedigital.com.br
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