"TODO O MEU REINO É DESTE MUNDO!"
ALGUNS LAÇOS ENTRE CAMUS & NIETZSCHE*
(por Hélder Ribeiro)
"A
origem da ética de Albert Camus está na monstruosidade que consiste em
sacrificar os corpos às ideias. Encontramos talvez aqui o segredo do
laço que une as concepções de Camus e de Nietzsche. Se Nietzsche
empreende uma genealogia da moral cristã, para compreender como esta
veio a produzir a negação da própria vida, e isto no contexto da
sociedade burguesa do século XIX, Camus empreende uma genealogia da
moral política do século XX, para compreender como esta veio a produzir a
negação hitlerista e estalinista da vida.
Como na Genealogia da Moral,
Camus pensa que a cultura e a moral do Ocidente chegaram a um
envenenamento inexorável da vida e trata-se de tirar a máscara. (...)
Que deve Camus a Nietzsche? Mais do que afirmações, o clima do seu
pensamento, e acima de tudo a recusa global da ficção platônico-cristã
dos dois mundos. Não há Além que repare a decepção multiforme de
cá-de-baixo e que nos conduza ao Uno. Quando Camus suspira pela unidade,
não a refere à ideia platônica que supõe o ultrapassar das aparências.
As aparências são a única verdade. O Uno deve descobrir-se na própria
dispersão do sensível e a tentação mística só pode ser naturalista.
"Todo
o meu reino é deste mundo", escreve Camus. É a fórmula mais flagrante
desta convicção. O corolário é a exaltação do corpo e das verdades que o
corpo pode tocar. A verdade do corpo ultrapassa a verdade do espírito.
Ora, o mais alto poder do corpo é a arte, que opera uma transmutação do
sensível sem o recusar.
O
niilismo de Nietzsche, procedendo de uma experiência extrema do
desespero, quebrando todos os ídolos do progresso com o mesmo cuidado
com que recusava a sombra de Deus, chega, no entanto, a um consentimento
radioso, dionisíaco, ao Todo do ser real do mundo, na sua totalidade e
em cada realidade particular. O consentimento que dorme na revolta de
Camus e lhe dá um sentido, esse "amor fati" que no sim à vida inclui a
própria morte, de modo que chega a chamá-la de "morte feliz", provém em
parte de Nietzsche..."
* * * * *
* Trecho
do autor português HÉLDER RIBEIRO, extraído de sua obra "Do Absurdo à
Solidariedade: A Visão de Mundo de Albert Camus" (Lisboa: Editorial
Estampa, 1996. Pg. 89-90).
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Fonte: http://acasadevidro.com/2013/09/08/lacos-entre-camus-nietzsche/
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