Rubens Ricupero*
Se guerras e morticínios resolvessem alguma coisa, os EUA não estariam atolados no Afeganistão
Nunca se viu coisa igual: o presidente e todos os líderes do Congresso
querem atacar a Síria, mas o povo americano se recusa. A culpa seria de
Obama, que teria mostrado repugnância inicial à ação militar e, ao se
decidir, não adotou a implacável determinação dos "guerreiros de
poltrona". A explicação não convence. No Reino Unido e na França, onde
os governantes desde o começo favoreceram a agressão, a população também
é contra.
O ataque à Síria seria a nona agressão ocidental a um país islâmico ou
árabe em poucos anos. Tudo indica que os povos ocidentais finalmente
decidiram dar um basta! Se guerras e morticínios resolvessem alguma
coisa, os EUA não estariam atolados no Afeganistão numa guerra que já
dura mais que o dobro da Segunda Guerra Mundial!
As mentiras e manipulação da invasão do Iraque têm muito a ver com a
reação. Da mesma forma que ela reflete a falência da autoridade moral
dos EUA. Depois de anos de horrores em Guantánamo, de centros de tortura
secretos, de assassinatos com "drones", de massacres perpetrados por
soldados enlouquecidos, ninguém mais acredita que a ação americana se
inspire na defesa dos direitos humanos.
Não convém extrair conclusões exageradas de uma situação-limite de
fadiga de guerra. No final dos anos 1970, os desastres do Vietnã, do
Camboja e do Laos geraram também atitude de desengajamento de aventuras
bélicas. O Congresso chegou a proibir operações clandestinas conduzidas
por Kissinger, com a cumplicidade ativa da África do Sul do apartheid,
para derrubar o governo de Angola, então defendido por Cuba.
Vivi de perto aqueles dias como conselheiro da Embaixada do Brasil em
Washington. Lembro como a atmosfera política se assemelhava
estranhamente aos tempos atuais. Um presidente democrata, Jimmy Carter,
pacifista e voltado para temas internos; denúncias contra as agências de
espionagem seguidas de leis para tentar discipliná-las; abstenção de
novos conflitos militares no exterior.
Bastou o incidente dos reféns na embaixada americana em Teerã e a
eleição de Reagan para que os EUA recuperassem o apetite pelas
intervenções: Granada, Panamá, ajuda aos contras na Nicarágua, ofensiva
em El Salvador, Guatemala etc.
Carter ficou com a imagem de fraco e irresoluto. Penso, ao contrário,
que é um dos presidentes mais injustamente subestimados da história
americana recente. Nenhum dos sucessores deixou como ele o sólido legado
diplomático do maior avanço jamais registrado no Oriente Médio: os
acordos de Camp David entre Israel de Begin e o Egito de Sadat (1979).
Sem esquecer realização sempre ignorada: os tratados com Torrijos
transferindo ao Panamá o controle do canal (1977).
Hoje, todo mundo esqueceu. Na época, porém, os republicanos acenavam com
perigos mortais à segurança dos EUA se o canal passasse às mãos
panamenhas. Sabe lá o que se teria sucedido com Reagan!
Carter só governou quatro anos e tinha ainda de enfrentar a União
Soviética de Brejnev. Legou obra diplomática sólida, que dura até hoje.
Agora que os EUA não enfrentam mais o desafio da Guerra Fria, o que
deixará após dois mandatos o Prêmio Nobel Obama?
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* Jurista. Colunista da Folha.
Fonte: Folha on line, 16/09/2013
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