Entrevista com Salvatore Veca
Tendo chegado ao limiar dos 70 anos (que ele completará em outubro) e firme nas suas convicções laicas, o filósofo Salvatore Veca olha favoravelmente para o diálogo entre crentes e não crentes, que o Papa Francisco relançou com a carta a Eugenio Scalfari.
Mas considera que ele só pode dar frutos com condições específicas:
"É
preciso que se trate de um debate autêntico. É o requisito que
caracterizava as iniciativas de Carlo Maria Martini, e que eu também capto nas palavras de Jorge Mario Bergoglio.
Podem-se gerar resultados interessantes e inovadores quanto mais cada
um dos interlocutores se expresse com um sentido de veracidade, com
franqueza, sem esconder nada das suas crenças por razões diplomáticas.
Como dizia Confúcio, sejam leais a si mesmos e, assim, atentos aos outros".
Francisco defende que a verdade cristã não é absoluta, pois
se expressa em relação com Deus, mas não é nem variável nem subjetiva. O
que o senhor pensa a respeito?
O pontífice expõe uma ideia da verdade fundamentada em uma relação
que consiste em se confiar a Deus através do encontro com Jesus Cristo.
Quando ele escreve que não é uma verdade absoluta, isso significa que
não pode ser desvinculada ou incondicionada, pois pressupõe uma forte
relação com o Outro. Certamente não é uma verdade mutável, mas é
impossível isolá-la, imunizá-la de contatos externos, esculpi-la na
rocha, porque ela só vive na relação e é, portanto, por sua natureza,
aberta.
Também para quem professa crenças não religiosas?
Sim, porque, a partir da relação com o Outro, desenvolve-se a relação
com os outros, que, aliás, são criaturas feitas à imagem e semelhança
de Deus.
Mas, se a solução é confiar-se à divindade, a verdade absoluta, tendo saído pela porta, não entra novamente pela janela?
É inevitável em uma dimensão religiosa. Tudo o que tem significado
para nós depende do fato de que nos conectamos com sujeitos externos. No
caso da fé, porém, não é que Deus obtenha significado da relação
conosco. No mínimo, ele é o significado supremo. Na perspectiva
religiosa, a referência à relação sempre encontra esse ponto de parada.
Portanto, a discordância com os laicos não pode desaparecer?
Permanece a diferença. Mas se todos pensassem do mesmo modo, não
teria sentido dialogar. O papa não pretende esconder as dissonâncias,
que são úteis, ajudam a refletir sobre nós mesmos em relação aos outros.
Como o senhor avalia o trecho em que Bergoglio escreve que
mesmo aqueles que não têm fé em Deus podem evitar o pecado, ouvindo a
própria consciência?
Parece-me alinhado com a herança do Concílio Vaticano II, muitas vezes desatendida ou dissipada nos últimos anos. No entanto, é uma afirmação forte. Fiódor Dostoiévski dizia que, se Deus não existe, tudo é permitido. Ao invés, Francisco
admite a existência de uma ética laica: uma conduta baseada no
julgamento que se refere ao bem e ao mal, mas independente de toda
crença religiosa.
Francisco reafirma a convicção de que o ser humano continuará
existindo mesmo depois da extinção da vida na Terra. Como o senhor
responde a isso, como uma pessoa laica?
Eu entendo que é possível sentir uma certeza desse tipo, com base na
ideia de que há em nós um componente sobrenatural. Mas isso é dissonante
com relação ao meu modo de pensar: eu acho razoável considerar que, no
universo, não restará nada do ser humano. No entanto, me interessa
discutir a concepção de Bergoglio e ver o que ele me sugere. Pode acontecer que, mesmo sem modificar as minhas convicções, eu me abra a uma perspectiva nova.
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A reportagem é de Antonio Carioti, publicada no jornal Corriere della Sera, 12-09-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto
Fonte: IHU on line, 13/09/2013
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