Marion Strecker*
Quem nunca se sentiu por baixo porque teve dificuldade de lidar com um equipamento novo?
O lado B do povo antenado é gostar de humilhar os normais, que não
"evoluíram" a ponto de criar tais antenas na cabeça. Estou ironizando
porque fico irritada. Em defesa das pessoas normais, digo que, se um
aparelho eletrônico não é tão fácil de usar quanto uma geladeira, o
problema está no aparelho.
Quem nunca se sentiu por baixo porque teve dificuldade de lidar com um
equipamento? Quem nunca se sentiu refém ao pedir ajuda para consertar
uma configuração? Vão dizer que os mais jovens têm menos dificuldades.
Claro! Inclusive porque os mais jovens têm menos medo de errar, já que
não são eles que normalmente pagam por aparelhos quebrados. Um bebê pode
esmurrar um eletrônico até fazê-lo funcionar.
Já estou preparada para a reação dos espertinhos. Convivo com eles há
tempo suficiente para saber como mistificam pequenos saberes. Posam de
modernos, avançados, mas agem como tiranetes. O lado B da indústria da
tecnologia é forçar o público a perder tempo, engolir custos e servir
interesses alheios.
Imersa nesse pensamento, recebo mensagem pelo Facebook: "Ouça com as
mãos, veja com o celular. Som na caixa: Novo clipe interativo do Arcade
Fire. ARRASADOR!!!!"
Gosto deles, então cliquei. Fui levada a uma página que pediu um código
que eu não tinha. Li com atenção. A página informava aos sem-código como
obter um: acessar o endereço pelo computador.
Então iPad não é computador? OK. Tudo pelo Arcade Fire. Fui ao
escritório e liguei o micro. Então a página carregou diferente e veio a
mensagem fatal, em inglês: "Esta experiência não é apoiada pelo seu
navegador. Por favor, tente de novo usando o Google Chrome".
Pronto. Conheço esses truques há quase 20 anos. Chrome é o software que o
Google desenvolveu para concorrer com navegadores de outras empresas.
Já usei razoavelmente o Chrome. Acho até que ele serviu para que os
demais fabricantes melhorassem seus produtos. Mas daí a querer baixar
mais um software e entupir meus equipamentos. Hello, Google. Não poderia
ter feito propaganda sem obrigar as pessoas a baixar o Chrome? Vocês
acham que de graça (videoclipe) vale até ônibus errado (software que não
quero)?
Estamos num mundo em que a propaganda não pode ser claramente
propaganda. Tem de vir disfarçada de "conteúdo". Quanto mais disfarçada,
melhor. Como aqueles três caracteres (#ad) que algumas pessoas estão
usando no Twitter. Eles não se importam que boa parte do público não
saiba que "ad" é abreviatura de anúncio publicitário, só que em inglês.
Que a propaganda venha disfarçada de "conteúdo" é melhor para quem,
mesmo? Para quem ganha com ela, claro.
Muitos profissionais de informática, internet e marketing vão se irritar
com estes comentários e me chamar de ingênua, se não partirem para
reações mais agressivas. Paciência. Estamos quites. Também estou
irritada com os comentários deles, de que "não custa nada" baixar um
monte de coisas, que o Chrome é muito melhor que os concorrentes, que o
preço da evolução é "esse mesmo", que o Google nos proporciona música
"de graça".
O problema é que o mundo da tecnologia fica cada vez mais complicado
porque muita, muita gente mesmo ganha com essa complicação dos infernos.
---------------------------------
Nenhum comentário:
Postar um comentário