FÁBIO PRIKLADNICKI*
Freud conta uma anedota espirituosa sobre Heinrich
Heine, o célebre poeta alemão do século 19. Parece que Heine, no leito
de morte, foi lembrado por um padre sobre a misericórdia de Deus, que
perdoaria seus pecados. Ao que Heine, um judeu convertido ao
cristianismo, concluiu: “É claro que perdoará: esse é o trabalho dele”.
Lembrei disso quando uma amiga descrente, como eu, perguntou em tom meio irônico e meio aflito: “E se todo mundo estiver certo, menos nós, e Deus realmente existir?”. Minha resposta é que estou tranquilo. Ele vai me perdoar, afinal, é o trabalho dele. E mais: essa é a única forma divina que eu imaginaria. Na verdade, também acreditaria em um Deus na forma da Camila Pitanga, mas, ok, vocês entenderam meu ponto.
Os crentes dizem que todo mundo apela para Deus na hora do vamos ver. No início, eu negava. Hoje, não me importo. Na hora H, você pode acabar mesmo agindo irracionalmente. Pode desviar o carro para o lado errado, pode esquecer a camisinha, pode usar um xingamento pesado demais. Não significa que você seja um patife, significa que você é humano.
Nas últimas semanas, foram celebrados Rosh Hashaná (o Ano-Novo judaico) e Iom Kipur (o dia do perdão). Essas datas costumavam me motivar certa angústia. Era o momento em que meu pai perguntava se deveria reservar lugar para mim na sinagoga, e eu recusava, ano após ano, explicando que a religião não me mobiliza. Houve um momento em que ele desistiu, mas eu sempre tinha a impressão de que esperava que me manifestasse.
Meu pai aceitava minhas revistas de videogame, meus discos de heavy metal e até minha opção pelo jornalismo. Mas nunca entendeu direito esse negócio de ser ateu. Como assim, um judeu ateu? E lá ia eu falar em Woody Allen, Freud, Marx. Tudo bem, Marx não era exatamente um judeu apaixonado, mas, de novo, vocês entenderam meu ponto.
No fundo, talvez meu pai não se importasse muito se eu acreditava ou não. Apenas queria que eu estivesse na sinagoga com a família nas datas judaicas mais importantes – imagine algo como a Páscoa e o Natal juntos, só que sem chocolates e sem presentes (embora a Páscoa judaica seja o Pessach, e o Natal corresponda a Chanucá, estas datas não têm tanto prestígio social quanto Rosh Hashaná e Iom Kipur).
Passei a frequentar a sinagoga depois que meu pai nos deixou. Lá dentro, não sei se me sinto perto de Deus, mas me sinto perto da família. Os amigos ateus talvez se decepcionem. Mas é claro que me perdoarão: alguém tem que fazer o trabalho de Deus.
Lembrei disso quando uma amiga descrente, como eu, perguntou em tom meio irônico e meio aflito: “E se todo mundo estiver certo, menos nós, e Deus realmente existir?”. Minha resposta é que estou tranquilo. Ele vai me perdoar, afinal, é o trabalho dele. E mais: essa é a única forma divina que eu imaginaria. Na verdade, também acreditaria em um Deus na forma da Camila Pitanga, mas, ok, vocês entenderam meu ponto.
Os crentes dizem que todo mundo apela para Deus na hora do vamos ver. No início, eu negava. Hoje, não me importo. Na hora H, você pode acabar mesmo agindo irracionalmente. Pode desviar o carro para o lado errado, pode esquecer a camisinha, pode usar um xingamento pesado demais. Não significa que você seja um patife, significa que você é humano.
Nas últimas semanas, foram celebrados Rosh Hashaná (o Ano-Novo judaico) e Iom Kipur (o dia do perdão). Essas datas costumavam me motivar certa angústia. Era o momento em que meu pai perguntava se deveria reservar lugar para mim na sinagoga, e eu recusava, ano após ano, explicando que a religião não me mobiliza. Houve um momento em que ele desistiu, mas eu sempre tinha a impressão de que esperava que me manifestasse.
Meu pai aceitava minhas revistas de videogame, meus discos de heavy metal e até minha opção pelo jornalismo. Mas nunca entendeu direito esse negócio de ser ateu. Como assim, um judeu ateu? E lá ia eu falar em Woody Allen, Freud, Marx. Tudo bem, Marx não era exatamente um judeu apaixonado, mas, de novo, vocês entenderam meu ponto.
No fundo, talvez meu pai não se importasse muito se eu acreditava ou não. Apenas queria que eu estivesse na sinagoga com a família nas datas judaicas mais importantes – imagine algo como a Páscoa e o Natal juntos, só que sem chocolates e sem presentes (embora a Páscoa judaica seja o Pessach, e o Natal corresponda a Chanucá, estas datas não têm tanto prestígio social quanto Rosh Hashaná e Iom Kipur).
Passei a frequentar a sinagoga depois que meu pai nos deixou. Lá dentro, não sei se me sinto perto de Deus, mas me sinto perto da família. Os amigos ateus talvez se decepcionem. Mas é claro que me perdoarão: alguém tem que fazer o trabalho de Deus.
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* Colunista da ZH
Fonte: ZH on line, 19/09/2013
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