FABRÍCIO CARPINEJAR*
Minha filha saiu de casa para morar com o namorado.
Estávamos estremecidos. A gente não se falava tanto quanto antes, não nos perguntávamos tanto quanto antes.
Os telefonemas e os encontros foram ficando econômicos, com pausas apressadas e interrupções súbitas.
Dois cachorros magros escondendo as vozes como ossos no quintal.
Ela tem 19 anos, já é adulta e não aceita coisa alguma que seja imposta e que fuja daquilo que planejava.
Eu sou pai, e minha chatice é eterna, não escapo da preocupação com o futuro e com a universidade que pretende cursar.
Incomodo mesmo, recupero o assunto do vestibular sempre que abre uma brecha. Ela se irrita com a pressão.
Decidi ser duro, inflexível, ganhá-la no cansaço. Acredito que, com paciência, a ditadura poderia render frutos.
Só que a vida não pede para que a gente tire os óculos para nos bater.
Com o divórcio, eu adoeci e a filha armou uma trégua e veio me cuidar. Dar sopa, chá e oferecer seu olhar caído para levantar o meu.
Desde que viu seu pai enfraquecido, ela mudou. Ou eu mudei. Na verdade, ambos mudaram. Não existe mudança no amor que não seja recíproca.
Mariana assumiu o posto de conselheira e sentei na cadeira de aconselhado. Invertemos os papéis. Ela me ajudando a entender e organizar o passado e eu, absolutamente surpreso e estarrecido com sua maturidade.
Meses de intensa troca, convívio miúdo e a certeza de que não perdemos em nada de nossa intimidade.
Mas faltava algo, faltava atravessar uma fronteira entre as palavras amenas e educadas. Ainda era gentileza. Ainda havia formalidade entre nós.
Faltava algo que somente tive em sua infância: que demonstrasse uma fé, uma confiança, uma esperança em mim mais do que em qualquer homem.
Quando regressávamos de viagem de São Paulo, testemunhei o milagre.
Lado a lado, no meio do voo, ela adormeceu em meus ombros.
Fazia muito tempo que eu não vigiava seu sono. Fazia muito tempo que não se entregava ao cheiro de meu casaco. Fazia muito tempo que não controlava sua respiração.
Naquele instante, com a mão trocada, acarinhei seus cabelos e cantei baixinho sua música de ninar: “Lá vem a morena subindo a ladeira, com o pote de mel, um pote de luz, bem perto do céu...”.
Ela regressou ao meu colo, ao colo de pai, que é muito mais importante do que voltar para casa.
Estávamos estremecidos. A gente não se falava tanto quanto antes, não nos perguntávamos tanto quanto antes.
Os telefonemas e os encontros foram ficando econômicos, com pausas apressadas e interrupções súbitas.
Dois cachorros magros escondendo as vozes como ossos no quintal.
Ela tem 19 anos, já é adulta e não aceita coisa alguma que seja imposta e que fuja daquilo que planejava.
Eu sou pai, e minha chatice é eterna, não escapo da preocupação com o futuro e com a universidade que pretende cursar.
Incomodo mesmo, recupero o assunto do vestibular sempre que abre uma brecha. Ela se irrita com a pressão.
Decidi ser duro, inflexível, ganhá-la no cansaço. Acredito que, com paciência, a ditadura poderia render frutos.
Só que a vida não pede para que a gente tire os óculos para nos bater.
Com o divórcio, eu adoeci e a filha armou uma trégua e veio me cuidar. Dar sopa, chá e oferecer seu olhar caído para levantar o meu.
Desde que viu seu pai enfraquecido, ela mudou. Ou eu mudei. Na verdade, ambos mudaram. Não existe mudança no amor que não seja recíproca.
Mariana assumiu o posto de conselheira e sentei na cadeira de aconselhado. Invertemos os papéis. Ela me ajudando a entender e organizar o passado e eu, absolutamente surpreso e estarrecido com sua maturidade.
Meses de intensa troca, convívio miúdo e a certeza de que não perdemos em nada de nossa intimidade.
Mas faltava algo, faltava atravessar uma fronteira entre as palavras amenas e educadas. Ainda era gentileza. Ainda havia formalidade entre nós.
Faltava algo que somente tive em sua infância: que demonstrasse uma fé, uma confiança, uma esperança em mim mais do que em qualquer homem.
Quando regressávamos de viagem de São Paulo, testemunhei o milagre.
Lado a lado, no meio do voo, ela adormeceu em meus ombros.
Fazia muito tempo que eu não vigiava seu sono. Fazia muito tempo que não se entregava ao cheiro de meu casaco. Fazia muito tempo que não controlava sua respiração.
Naquele instante, com a mão trocada, acarinhei seus cabelos e cantei baixinho sua música de ninar: “Lá vem a morena subindo a ladeira, com o pote de mel, um pote de luz, bem perto do céu...”.
Ela regressou ao meu colo, ao colo de pai, que é muito mais importante do que voltar para casa.
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* Poeta. Escritor. Cronista da ZH
Fonte: ZH on line, 10/09/2013
Imagem da Internet
Me identifiquei com sua historia. Cá estou eu às 4 da manhã, sem conseguir dormir, com um aperto no peito e com lagrimas nos olhos pq minha filha saiu de casa. Ela tem 18 anos e nossa relação estava ficando muito estressante, pois como mãe cobrava sua responsabilidade em casa, seus estudos e etc. E numa dessas cobranças ferrenhas, ambas exaltamos e eu lhe disse q se não tivesse contente que fosse embora.E ela me disse que eu nunca fui sua amiga. Chorei e ainda choro muito. Eis que há duas semanas, acertou de dividir um apto com uma amiga, se mudou pra lá e surpreendentemente se matriculou numa faculdade e 2ª feira começou a ir às aulas. Em partes fiquei feliz e orgulhosa pq ela começou finalmente a faculdade, mas fiquei triste por não participar desse momento dela e de tudo ter terminado desse jeito. Aquela necessidade de saber se já comeu, se está em segurança, se está chegando cedo em casa... isso tudo me consome. De saber que minha pequena não está aqui sob meus cuidados. Aquela sensação de que talvez tenha falhado como mãe, que tentando ser amiga, me tornei um tanto permissiva. Eu não sei em que momento em que começamos a nos distanciar, só sei que eu a amo muito e isso tudo está doendo demais. :( ♥
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