L. Fernando Veríssimo*
Deus criou o Céu e a Terra e o Dia e a Noite, e deu nome às plantas, aos bichos e às coisas. Mas também era preciso dar nome aos sentimentos e às emoções, a perplexidades e a situações inusitadas e, sentindo-se despreparado para a tarefa, Deus criou os franceses.
Os franceses
têm a expressão certa para tudo, inclusive para o inexprimível, que
eles chamam de “je ne sait quoi”. O francês é a única língua do mundo
com uma definição para a incapacidade de definir.
Eles não apenas têm um nome para “fazer beicinho”, “bouder”, como inventaram uma peça da casa que teoricamente existe só para a mulher se recolher enquanto o faz, o “boudoir”. Outra expressão francesa que não ocorreria a mais ninguém é “esprit d’escalier”, ou o espírito que só se faz presente quando a gente já está descendo a escada, depois de falhar na hora de ser brilhante. Se não fossem os franceses, não saberíamos como chamar a sensação de que a boa frase ou a resposta arrasadora geralmente só nos vêm quando não adianta mais. Na escada ou, mais recentemente, no elevador.
Outra boa frase francesa era “épater les bourgeois”. Caiu em desuso, em primeiro lugar porque todas as frases prontas francesas foram ficando antigas num mundo cada vez mais americano, mas também porque foi ficando cada vez mais difícil espantar a burguesia. Depois da revolução sexual e do escancaramento da privacidade, nada mais espanta ninguém e o que antes chocava hoje vira moda.
O que ainda funciona – tanto que, no Brasil, se transformou num gênero jornalístico – é “épater la gauche”, contrariar o pensamento convencionalmente progressista, ou apenas correto, com reacionarismo explícito. Os “épateurs” da esquerda podem ser divertidos, mas, como em todo “succès d’escandale” (que remédio, sou um antigo), nunca se sabe se o sucesso se deve ao talento para escandalizar ou se o escândalo dispensa o talento, e basta ser contra para aparecer. De qualquer maneira, “hélas”, aos poucos as frases feitas francesas vão perdendo a atualidade e – ça va sans dire – a utilidade
Eles não apenas têm um nome para “fazer beicinho”, “bouder”, como inventaram uma peça da casa que teoricamente existe só para a mulher se recolher enquanto o faz, o “boudoir”. Outra expressão francesa que não ocorreria a mais ninguém é “esprit d’escalier”, ou o espírito que só se faz presente quando a gente já está descendo a escada, depois de falhar na hora de ser brilhante. Se não fossem os franceses, não saberíamos como chamar a sensação de que a boa frase ou a resposta arrasadora geralmente só nos vêm quando não adianta mais. Na escada ou, mais recentemente, no elevador.
Outra boa frase francesa era “épater les bourgeois”. Caiu em desuso, em primeiro lugar porque todas as frases prontas francesas foram ficando antigas num mundo cada vez mais americano, mas também porque foi ficando cada vez mais difícil espantar a burguesia. Depois da revolução sexual e do escancaramento da privacidade, nada mais espanta ninguém e o que antes chocava hoje vira moda.
O que ainda funciona – tanto que, no Brasil, se transformou num gênero jornalístico – é “épater la gauche”, contrariar o pensamento convencionalmente progressista, ou apenas correto, com reacionarismo explícito. Os “épateurs” da esquerda podem ser divertidos, mas, como em todo “succès d’escandale” (que remédio, sou um antigo), nunca se sabe se o sucesso se deve ao talento para escandalizar ou se o escândalo dispensa o talento, e basta ser contra para aparecer. De qualquer maneira, “hélas”, aos poucos as frases feitas francesas vão perdendo a atualidade e – ça va sans dire – a utilidade
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* Jornalista. Escritor.
Fonte: ZH on line, 19/09/2013
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