Hélio Schwartsman*
Filhas travam disputa na Justiça para definir se
corpo do pai vai ser enterrado ou enviado para os EUA, onde seria
mantido congelado para futura possível ressuscitação. O caso é
interessante porque nos faz refletir sobre a morte.
Embora a lei trate o óbito como um evento, ele é mais bem descrito como
um processo. Quando as células deixam de receber oxigênio e nutrientes,
nem todos os tecidos "morrem" ao mesmo tempo. Até três horas depois da
parada cardíaca, as pupilas e os músculos ainda reagirão a determinados
estímulos. Já as células ósseas mantêm-se transplantáveis por até 48
horas.
É justamente nessa noção de processo que se inscreve a lógica da
preservação criônica: embora a medicina atual não seja capaz de curar um
dado paciente, seus parâmetros essenciais -isto é, suas memórias e
personalidade, que quase certamente correspondem a marcas físicas no
cérebro-, mesmo depois da morte oficial, poderiam ser mantidos
congelados até que existam tecnologias capazes de tratá-lo. Se a coisa
funcionasse, a imortalidade estaria ao alcance pelo menos dos mais
ricos.
E a questão social nem é a maior das encrencas propostas pela criônica.
Em termos legais, o congelamento é uma forma de enterro. Mas isso só faz
sentido se partimos do pressuposto de que a ressuscitação é impossível
-o que ninguém pode afirmar com certeza. De outra forma, o sujeito
deveria ser tratado como um paciente em coma, o que criaria uma série de
dúvidas jurídicas.
Se admitimos que ele tem ainda chance de recuperação, então o que
chamamos de declaração de óbito seria uma forma de eutanásia, o que
traria complicadas implicações éticas. A morte definitiva só ocorreria
em caso de perda irreparável de toda informação contida no cérebro.
A verdade é que, apesar de todos os grandes avanços da biologia e da
medicina, ainda não dispomos de um conceito muito bom de morte.
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* Escritor. Articulista da Folha
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