Jung Mo Sung*
Um homem sensato se revolta com a natureza
das coisas? É claro que não, pois uma das características da sensatez é,
precisamente, ter juízo e equilíbrio para não ir contra a realidade como ela é.
Revoltar-se contra a natureza das coisas e a própria natureza como tal é sinal
de imaturidade ou de insensatez. Como a sociedade precisa mais de pessoas
sensatas do que insensatas, a conclusão seria que o melhor para vida social é menos
rebelião contra a natureza da vida social. Conclusão essa que é compartilhada pela
maioria da população.
Ao mesmo tempo, muitas pessoas diriam que
não é sensato aceitar a realidade social e ambiental em que vivemos. A grande
desigualdade social, as injustiças nas relações econômicas e sociais e os
problemas ambientais são sinais de que as coisas não estão bem.
Ora, o que é, então, ser sensato nos dias
de hoje? Aceitar as "regras do jogo”, a "natureza das coisas” da vida social,
ou se rebelar? Isso depende do que entendemos por "natureza das coisas”.
Na Antiguidade, os povos acreditavam que a
vida como eles conheciam era fruto do destino ou da vontade onipotente dos
deuses. Não havia alternativa, por isso ninguém discutia a questão ética, da
injustiça ou justiça, sobre a vida social ou familiar. Quando a vida que
vivemos é compreendida como sendo conforme a vontade divina ou dos poderes
espirituais da natureza, a discussão sobre injustiça ou justiça não faz
sentido. Hoje, por ex., ninguém discute sobre a justiça ou injustiça da "lei da
gravidade” porque é uma "lei natural”. Assim também era no passado distante
sobre o papel das mulheres na sociedade e na família ou a fome e sofrimento dos
pobres e o poder e a riqueza dos reis.
É só quando grupos de pessoas oprimidas
conseguem imaginar um mundo diferente do que conhecem, um mundo onde seus
sofrimentos não mais existem, é que a sua realidade passa a ser percebida como
social e não mais como natural ou divina. Sem essa imaginação utópica (Franz
Hinkelammert), a realidade social não pode ser criticada de modo radical.
Geralmente, no passado e no presente, os pobres expressam essa imaginação
através de linguagens religiosas por dois motivos básicos. Primeiro, porque
falam de um mundo que ainda não veem, precisam de imagens e símbolos típicos da
linguagem religiosa; segundo, porque percebem que, sendo pobres e fracos,
precisam do poder ou ajuda de Deus para realizar esse sonho. Assim, eles
criticam a religião e deus dominantes e expressam a fé em um novo Deus.
Se Deus que descobrem não está de acordo
com o mundo que os sensatos dizem ser "natural” ou "divino”, qual a razão, a
causa, da situação que agora é percebida como injusta? A resposta não pode mais
ser "leis da natureza” ou vontade divina. Só pode ser responsabilidade humana.
Em linguagem religiosa: só pode ser fruto do pecado. Só na medida em que a
realidade social é vista como fruto do pecado, ou da injustiça, é que ela pode
ser transformada profundamente. E esse juízo só é possível a partir da
imaginação utópica de um mundo sem injustiças e mortes antes do tempo. Reino de
Deus foi o nome dado por Jesus para essa "imaginação utópica”; imaginação essa
que foi entendida, pela fé, como "visão” dada pelo Espírito.
Hoje, quando a expansão do "império
capitalista global” é vista como "evolução natural”, o cristianismo ainda tem
uma contribuição importante a dar enquanto religião: anunciar o Reino de Deus
(a imaginação utópica) que permite ver como o império atual é fruto e expressão
do pecado! A força social do cristianismo não está no seu discurso meramente
ético, mas no seu discurso religioso capaz de desmascarar a insensatez das
pessoas sensatas do mundo; desmascarar o pecado do mundo a partir da fé em Deus
que deseja a vida abundante para todas e todos.
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* Diretor da Faculdade de Humanidades e Direito da Univ. Metodista de S. Paulo. Autor (com Hugo
Assmann) de "Deus em nós: o reinado que acontece no amor solidário aos pobres”.
Twitter: @jungmosung].
Fonte: Adital on line, 30/06/2012
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