Leonardo Boff*
Há dois anos dei uma palestra na Universidade suiça de
Lausanne por ocasião de um título que me foi conferido. Resumo aqui o
essencial de um pensamento mais detalhado e longo exposto naquela
ocasião. Ele vem a propósito da conclusão da Rio+20.
O grande tema da Rio+20 era “Que futuro queremos”. O documento final,
entretanto, não nos fornece a rota nem os meios de percorrê-la. Ele é
medroso, sem ambições e sem sentido ético e espiritual da história
humana. Refém de uma visão reducionista e até materialista da economia
não forjou um novo e necessário software social e
civilizacional que nos desse esperança de um futuro que não fosse
simplesmente o prolongamento do passado e do presente. Este deu tudo o
que tinha que dar. Levá-lo teimosamente avante é empurrar-nos para o
abismo que se abre lá na frente, num tempo não muito distante.
Depois das crises que afligem toda a humanidade, particularmente a
do aquecimento global, da insustentabilidade do planeta Terra e
ultimamente da econômico-financeira, atingindo o coração dos países
opulentos, o crescimento do fundamentalismo e a permanente ameaça do
terrorismo, os cenários dramáticos que muitos analistas sérios desenham
para o próximo futuro da Terra, da Humanidade, da vida e as poucas
chances para uma paz duradoura, uma angustiante pergunta nos assalta:
qual será o próximo passo agora depois da Rio+20?
Façamos algumas constatações: consolidou-se a aldeia global; ocupamos
praticamente todo o espaço terrestre e exploramos o capital natural até
os confins da matéria e da vida, com a utilização da razão
instrumental-analítica; provocamos uma imensa crise civilizatória que se
revela nas várias crises enunciadas acima.
Perguntamo-nos: E agora o que virá? Mais do mesmo? Mas isso é muito
arriscado, pois o paradigma atual está assentado sobre o poder como
dominação da natureza e dos seres humanos. Não devemos esquecer que ele
criou a máquina de morte que pode destruir a todos nós e a vida de Gaia.
Esse caminho parece ter-se esgotado, embora ainda dominante.
Do capital material somos forçados passar ao capital espiritual. O
capital material tem limites e se exaure. O espiritual, é infinito e
inexaurível. O capital espiritual feito de o amor, de compaixão, de
cuidado, de criatividade, realidades intangíveis e valores infinitos
que não há limites.
Este foi parcamente aproveitado por nós. Mas ele pode representar a
grande alternativa que supera a crise atual e inaugura um novo patamar
civilizatório.
A centralidade do capital espiritual reside na vida, na autonomia dos
cidadãos, na relação inclusiva, no amor incondicional, na compaixão, no
cuidado de nossa Casa Comum, na alegria de viver e na capacidade de
transcendência.
Não significa que tenhamos que dispensar a tecnociência. Sem ela não
atenderíamos as demandas humanas. Mas ela não seria mais destrutiva da
natureza e da vida. Se no capital material a razão instrumental era seu
motor, no capital espiritual é a razão cordial e sensível que organizará
a vida social e a produção consoante os ciclos da natureza e dentro dos
limites de cada ecossistema. Na razão cordial estão radicados os
valores; dela se alimenta a vida espiritual pois produz as obras do
espírito que referimos acima: o amor, a solidariedade e a
transcendência.
Usando uma metáfora do grande escritor irlandês C.S. Lewis diria: se
no tempo dos dinossauros houvesse um observador hipotético que se
perguntasse pelo próximo passo da evolução, provavelmente diria: o
aparecimento de espécies de dinos ainda maiores e mais vorazes. Mas ele
estaria enganado. Sequer imaginaria que de um pequeno mamífero que vivia
na copa das árvores mais altas, alimentando-se de flores e de brotos e
tremendo de medo de ser devorado pelos dinossauros, iria irromper,
milhões de anos depois, algo absolutamente impensado: um ser de
consciência e de inteligência – o ser humano – com uma qualidade
totalmente diferente daquela dos dinossauros. Não foi mais do mesmo. Foi
uma ruptura. Foi um passo diferente.
Cremos que agora poderá surgir um ser humano com outro passo, pois
será marcado pelo inexaurível capital espiritual. Agora é o mundo do ser
mais que o mundo do ter.
O próximo passo, então, seria exatamente este: descobrir o capital
espiritual inesgotável e começar a organizar a vida, a produção, a
sociedade e o cotidiano a partir dele. Então a economia estará a serviço
da vida e a vida se imbuirá dos valores das relações abertas e
inclusivas, da mutualidade ser humano-Terra, da auto-realização e da
alegria. uma verdadeira alternativa ao paradigma vigente.
Mas este passo não é mecânico. É resultado de uma coligação de forças
ao redor de valores e princípios assumidos por todos, biocentrados e
ecoamigáveis. Quer dizer, ele é oferecido à nossa liberdade. Podemos
acolhê-lo como podemos também recusa-lo. Mas mesmo recusado, ele
permanece como uma possibilidade sempre presente e pronta a irromper.
Ele não se identifica com nenhuma religião. É algo anterior, que emerge
das virtualidades daquela Energia de fundo, poderosa e amorosa, que
sustenta todo o universo, a cada um de nós e que penetra em toda a
evolução consciente. Quem o acolhe, viverá outro sentido de vida,
vivenciará também um novo futuro, diferente daquele imaginado pela
Rio+20. Os outros continuarão sofrendo os impasses do atual modo de ser e
se perguntarão, angustiados, pelo seu futuro e até sobre o eventual
desaparecimento da espécie humana.
Foi Pierre Teilhard de Chardin que ainda nos anos 30 do século XX teve o sonho da irrupção da noosfera. Noos em grego significa a mente e o espírito totalmente abertos. A noosfera seria
a irrupção da humanidade como espécie, da mente e do coração
sincronizados e batendo em uníssono. Seria a etapa nova da
antropogênese, a superação do antropoceno, a inauguração da era ecozóica
e uma idade também nova de Gaia.
Estimo que o legado positivo da atual crise mundial seja nos abrir a possibilidade de realização da noosfera.
Dizem por aí que Jesus, Buda, Francisco de Assis, Rumi, Gandhi, Irmã
Dorothy e tantos outros mestres e testemunhas do passado e do presente
teriam, antecipadamente, dado já esse passo.
Eles são nossas estrelas-guia, os alimentadores de nosso
princípio-esperança e a garantia de que ainda temos futuro. As dores
atuais não seriam estertores de uma civilização moribunda mas os sinais
de um parto de um novo modo sustentável de viver e de habitar o nosso
planeta Terra. Seremos humanos, reconciliados conosco mesmos, com Mãe
Terra e com a Última Realidade.
Como disse sugestivamente uma de nossas melhoras pensadoras dos novos
paradigmas Rose Marie Muraro:” Quando desistirmos de ser deuses,
poderemos ser plenamente humanos, o que ainda não sabemos o que é mas
que já o tínhamos intuído desde sempre”.
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Fonte: http://leonardoboff.wordpress.com/2012/06/24/
Imagem da Internet
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