Fernando Reinach*
Se os brasileiros importassem casacos feitos de pele de
panda, certamente estaríamos contribuindo para a extinção desse
simpático urso chinês. Do mesmo modo, se os chineses usassem casacos de
mico-leão-dourado, seriam acusados de contribuir para a destruição da
biodiversidade brasileira. Imagine que a balança comercial entre China e
Brasil se restringisse a esses dois produtos: poderíamos dizer que a
balança comercial de ameaças à biodiversidade entre os dois países
estaria equilibrada.
Mas o comércio entre Brasil e China não é tão simples: exportamos
soja, frango, madeira e minério. Importamos roupas e centenas de outros
produtos industriais. Ao produzirmos tudo o que exportamos para a China,
contribuímos para a extinção de espécies da Amazônia e do Cerrado. Por
sua vez, ao produzir tudo o que nos vendem, os chineses poluem seus rios
e também destroem parte da sua biodiversidade. Será possível calcular a
balança comercial de ameaças à biodiversidade entre Brasil e China?
Qual seria o valor líquido dessa balança? Estaríamos importando três
ameaças a espécies chinesas e exportando cinco ameaças a espécies
brasileiras?
Parece conversa de louco, mas cientistas mapearam o impacto do
comércio internacional sobre o risco de extinção de espécies ameaçadas.
Não é tão complicado. Os cientistas selecionaram 6.964 espécies
listadas por órgãos internacionais como ameaçadas de extinção em 187
países. Em seguida fizeram um levantamento das 166 atividades humanas
que ameaçam essas espécies (por exemplo, desmatamento e poluição). Para
cada uma das espécies, eles identificaram quais das atividades humanas
contribuíam para a extinção de cada espécie em cada um dos países. Isso
gerou um banco de dados com 171.825 combinações de espécies, países e
atividades econômicas (exemplo: no Brasil, o mico-leão-dourado é
ameaçado pela destruição da Mata Atlântica para a produção de frutas).
Esse primeiro banco de dados foi integrado a um segundo, com 15.909
tipos de transações comerciais, tanto internas quanto entre países
(exemplo: exportações de frutas do Brasil, importação de carros da
China).
Cruzando estes dois bancos de dados, é possível identificar o fluxo
comercial responsável pela ameaça a cada uma das espécies. Examinando o
exemplo de Madagascar, fica fácil entender o tipo de resultado desse
estudo. Lá existem 359 espécies em risco de extinção. Metade da culpa
por esse risco vem de atividades econômicas que geram produtos
consumidos dentro do próprio país; 25% da culpa recai sobre produtos
exportados para a União Europeia e 25% para a China. O restante da culpa
é dividida entre Japão e EUA. Um mapa interativo com todos os dados do
estudo para cada país pode ser consultado no site
worldmrio.com/biodivmap.
Com base nesses dados, é possível descobrir que alguns países, no
balanço final, são "importadores" de extinção de espécies, ou seja, as
mercadorias que importam causam mais ameaças no restante do mundo que as
mercadorias que eles exportam causam em suas espécies. Exemplos desse
grupo são EUA, Japão, Coreia do Sul e Canadá. Outros países são
"exportadores" de extinção, ou seja, as mercadorias que exportam causam
mais estragos em casa do que o estrago feito no restante do mundo pelas
mercadorias que eles importam. É o caso de Madagascar, Tailândia e
Indonésia.
Surpresa. O que me surpreendeu foi o caso do Brasil.
Imaginei que éramos um "exportador" de extinção, pois destruímos a
Floresta Amazônica para produzir carne e grãos, exportamos madeira e
minerais e importamos muitos produtos industrializados. O estudo (veja no site indicado acima)
indica que o Brasil tem 356 espécies entre as estudadas. A maioria
delas é impactada principalmente por atividades econômicas que suprem
nosso mercado doméstico. Somente 35 delas estão sob ameaça por
atividades de exportação.
Por outro lado, nossa atividade de importação afeta 76 espécies ao
redor do mundo. Assim, apesar de nossa imensa biodiversidade, nossa
balança comercial de ameaças à biodiversidade é mais parecida com a de
um país europeu do que com a de um país agrícola do Sudeste Asiático.
É claro que esse trabalho é preliminar e os autores listam
extensivamente os potenciais problemas e dificuldades de um estudo tão
abrangente como esse, mas o interessante é que pela primeira vez foi
mapeada, em escala global, a responsabilidade dos produtos que circulam
nas rotas do comércio internacional pela destruição da biodiversidade do
planeta.
Estudos como este serão aperfeiçoados e se tornarão instrumentos
importantes na divisão, entre os países, da responsabilidade pela
destruição da biodiversidade. Também ajudarão na discussão de quem deve
pagar a conta associada à preservação da biodiversidade. Um bom assunto
para os corredores da Rio+20.
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* BIÓLOGO
MAIS INFORMAÇÕES: INTERNATIONAL TRADE DRIVES BIODIVERSITY THREATS IN DEVELOPING NATIONS. NATURE, VOL. 486, PÁG 109, 2012
MAIS INFORMAÇÕES: INTERNATIONAL TRADE DRIVES BIODIVERSITY THREATS IN DEVELOPING NATIONS. NATURE, VOL. 486, PÁG 109, 2012
Fonte: Estadão on line, 14/06/2012
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