Nas estratégias para pregar uma nova estética, estava a tentativa
de uma época em transformar suas limitações em motivos de celebração.
Por sorte, essa época não precisa mais ser a nossa
Por Vladimir Safatle, na Carta Capital
Uma dos pressupostos mais arraigados do pensamento contemporâneo
sobre as artes consiste na defesa de que nossa era seria caracterizada
como pós-moderna. No campo artístico, tal discussão encontra sua origem
nos debates sobre arquitetura, onde era questão de afirmar a
obsolescência de uma matriz construtiva baseada na centralidade das
exigências do plano, da forma e da função.
A distância entre a funcionalidade dos prédios de Le Corbusier e o
jogo livre de formas de alguém como Michael Graves seria medida pela
diferença entre o modernismo e o pós-modernismo. Nesse sentido, o
pós-modernismo seria caracterizado pela liberdade formal que se
distancia das exigências de totalidades funcionais, pelo hibridismo das
referências e citações, assim como pela atitude irônica e paródica a
respeito do peso tanto das tradições quanto da própria “tradição da
forma crítica”.
Rapidamente, a discussão proliferou da arquitetura para o domínio das
outras artes e daí para uma teoria geral das sociedades do capitalismo
avançado. Para mostrar-se consciente das mutações maiores da
sensibilidade contemporânea, era necessário falar de uma “literatura
pós-moderna”, de um “cinema pós-moderno” e de uma “música pós-moderna”.
Isso a despeito da brutal incongruência das descrições.
Pois ao se falar do pós-modernismo, pressupunha-se
que o termo desse conta tanto de um período histórico (a arte que viria
temporalmente após o modernismo) quanto de uma característica
estilístico-formal (a arte cuja forma já não podia ser compreendida a
partir do cânone modernista). Se esta sobreposição parecia dar conta de
um movimento interno no campo da arquitetura, ela não se demonstrava,
porém, tão profícua na análise de outras linguagens artísticas.
Por exemplo, nada mais pueril do que procurar algo como uma música
pós-moderna. Se quisermos pensar em um compositor que alia crítica das
exigências de totalidades funcionais, hibridismo e referências e
citações, assim como atitude paródica a respeito dos materiais musicais,
nosso pensamento irá diretamente a Igor Stravinski.
Os clássicos estudos do filósofo Theodor Adorno sobre o compositor de Pulcinella acabam
por fornecer, de maneira involuntária, a primeira imagem de um “artista
pós-moderno”. Stravinski é, no entanto, juntamente com Schoenberg,
Debussy e Bartok, um dos pilares do modernismo musical. Ele demonstra
como o modernismo musical era composto de várias tendências que iam da
defesa estrita da autonomia (como em Schoenberg) ao uso deliberado da
montagem e da paródia.
Fazer colocações dessa natureza talvez seja uma maneira de insistir
na verdadeira natureza tática do uso do conceito de “pós-modernismo”.
Longe de um conceito descritivo, que visaria individualizar estilos e
épocas, o que temos é um conceito valorativo que procura afirmar um
estado de coisas no qual as aspirações críticas do modernismo pareciam
ter perdido força. Ele era a peça central na tentativa em transformar a
deposição da força crítica da arte em afirmação descomplexada da
cumplicidade entre arte e ordem estabelecida.
Pois, por exemplo, a crítica ao “formalismo” da arte modernista era
sempre feita em nome da afirmação da cumplicidade da arte com os
domínios mais fetichizados da cultura (como as histórias em quadrinhos, a
moda, a música pop, a pornografia etc.).
Jeff Koons e seus amigos do grupo neo-geo são exemplos maiores de
artistas dessa natureza. Por sua vez, a afirmação da força paródica no
interior dos processos de criação era vendida como expressão da
autonomia de uma individualidade que não precisava mais limitar sua
inventividade por meio do respeito ao cânone. Tal força paródica era,
porém, uma maneira astuta de submeter todo e qualquer material aos
mesmos procedimentos, como se fosse questão de uma profunda indiferença
em relação a uma história que, agora, parecia se submeter à forma geral
da equivalência. Ou seja, a paródia era modo de dissolução de toda
singularidade em prol da posição de uma insensibilidade geral a todo e
qualquer material, que poderia a partir de então associar-se com todo e
qualquer outro.
Nessas estratégias estavam a tentativa de uma época em transformar
suas limitações em motivos de celebração. Por sorte, essa época não
precisa mais ser a nossa.
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Fonte: http://ponto.outraspalavras.net/2012/06/21/pos-modernismo-nunca-existiu/
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