sábado, 30 de junho de 2012

Jonathan Franzen: “Me dei conta de que estava roubando Tolstói”

Jonathan Franzen é uma das estrelas da décima edição da Flip (Foto: Getty Images)

Jonathan Franzen é uma das estrelas da décima
edição da Flip (Foto: Getty Images)

O autor americano vem ao Brasil para a Flip. Em entrevista a ÉPOCA, diz que a trama central de seu romance "Liberdade" se parecia com a de "Guerra e Paz", do escritor russo

LUÍS ANTÔNIO GIRON
 
O escritor e admirador de pássaros americano Jonathan Franzen, de 52 anos, é uma das grandes atrações da décima edição da Feira Literária Internacional de Paraty (Flip), que começa na quarta-feira (4). Ele conversou nesta semana com ÉPOCA de seu apartamento em Uptown, em Nova York. Falou de pássaros e de seus hábitos de consumo cultural. Diz, por exemplo, que não gosta mais de ir ao cinema. Abaixo, trechos da conversa.
Leia a entrevista exclusiva de Franzen e a reportagem sobre a décima e maior edição da Flip em ÉPOCA que chega às bancas e ao seu tablet (baixe o aplicativo) neste fim de semana.
ÉPOCA – Seu romance Liberdade foi celebrado em 2010 como herdeiro da tradição moderna, foi chamado de o “grande romance americano”, um exemplo do romance social. É isso mesmo, ou os críticos exageram?Jonathan Franzen – Meus dois últimos romances, As correções e Liberdade, abordam questões de família. Em Liberdade, somente o primeiro capítulo discorre sobre os assuntos do momento, a decadência da América etc. São dois ou três temas políticos que chamaram a atenção dos resenhistas. Mas não posso chamar o que fiz de “grande romance” nem mesmo “romance social”. São tentativas.
ÉPOCA – O senhor diz que o escritor precisa viajar, conhecer o mundo e viver intensamente o que escreve, e se transformar no final de um livro. Não é um programa romântico em um mundo em que os autores se acomodaram diante do computador?
Franzen –
Eu me considero romântico no sentido modernista do termo. O Modernismo fez a reciclagem do Romantismo, colocando o sujeito no centro da criação literária, bem como a busca de novas formas de linguagem e narrativa. Nesse sentido, sou romântico e modernista. Eu me identifico com a obra de Novalis [poeta alemão], mas principalmente com as de Marcel Proust, Joseph Conrad e William Faulkner. Todos escritores que correram riscos e dedicaram suas vidas à escrita.

ÉPOCA – No seu anseio em ser legível, as histórias de Faulkner não são fragmentárias demais?
Franzen –
Pois é, eu busco uma forma mais clássica e linear de contar histórias do que a de Faulkner. Sou uma pessoa convencional, e talvez por isso eu queira narrar minhas histórias de modo direto e sem ornamentos ou armadilhas. Faulkner experimenta com a linguagem e com os blocos narrativos. Meu romance favorito de Faulkner é justamente o fragmentário Absalão, Absalão! Só que basta penetrar no emaranhado narrativo do livro para sentir a clareza e a força de Faulkner. Dele eu recomendo também a leitura de Santuário e A aldeia, romances em que Faulkner se esforça por não ser difícil. E, de fato, são textos que prendem do começo ao fim.

ÉPOCA – É quase impossível para um romancista não ser chato. Há passagens difíceis em Conrad e Proust...
Franzen –
É verdade. Páginas e páginas insuportáveis, mesmo em uma obra maravilhosa como Em busca do tempo perdido, de Proust. Conrad também é enrolado, mas dificilmente você encontra romance mais divertido que Nostromo. Autores como Proust e Conrad forçaram os limites da palavra em suas obras, e apontaram para novas possibilidades de narrar uma história.
ÉPOCA – Há duas citações interessantes nos seus dois últimos romances. Em As correções, o senhor cita a série Crônicas de Nárnia, de C.S. Lewis. Em Liberdade, é a vez de citar Guerra e Paz, de Liev Tolstói. Qual o motivo para isso? É uma relação intertextual?
Franzen –
Eu citei Nárnia por dois motivos. Em primeiro lugar, porque adoro a premissa da história: um guarda-roupa no fundo de uma casa que abre as portas para um outro mundo. Ora, essa deveria ser a razão de existir de todas as histórias infantis, levar as crianças para um universo desconhecido. E aqui entra o segundo motivo: um dos heróis do livro, o menino Edmundo Pevensie, é o que deveriam ser os heróis de histórias infantis: ele não é comportado, e às vezes age com egoísmo, como um menino de verdade. Os livros infantis são tristemente dominados pelo maniqueísmo Bem e Mal. Nárnia prova que é possível fazer uma história bonita sem disfarçar a realidade. Bom, quanto a Guerra e Paz, coloquei a citação na boca de Patty [protagonista do romance] porque, enquanto escrevia Liberdade, me dei conta de que eu estava simplesmente roubando a trama central de Guerra e Paz de Tolstói. Foi um roubo inconsciente do qual tentei me redimir, citando a fonte.

ÉPOCA – O senhor conhece os brasileiros autores do passado?
Franzen –
Tenho apreço por Clarice Lispector. Machado de Assis é genial, ainda que afetado pelo ambiente literário europeu. Um autor para o qual não me considero preparado é Jorge Amado. Os romances dele têm um realismo social que me lembra os panoramas engajados de John Steinbeck, em As vinhas da ira. Tanto Amado como Steinbeck têm um tom autoindulgente em algumas obras. Steinbeck não sustenta esse tom em boa parte de sua produção. É um escritor muito rico. Quanto a Jorge Amado, ainda quero ler mais obras dele para formar uma opinião.
Ir ao cinema se tornou chato. Entrar em uma fila, pagar US$ 15 dólares e sentar em uma cadeira suja cercado por adolescentes barulhentos não é coisa que me agrade mais"
Jonathan Franzen
 
ÉPOCA – Algumas histórias de Jorge Amado pertencem ao gênero fantástico, e lembram o boom latino-americano dos anos 60.
Franzen –
Os leitores estão meio cansados desse sabor de fantasia da literatura latino-aAmericana. Hoje percebo um retorno ao realismo. É o caso do escritor colombiano Juan Gabriel Vasquez, preocupado em investigar a realidade e a violência da América Latina. Esse me parece um caminho mais interessante do que o realismo fantástico.

ÉPOCA – Quando o senhor avista pássaros, imagino que se esforce em ouvir o canto deles.
Franzen –
Sim, faz parte do meu trabalho de ambientalismo escutar pios e gorjeios. Aqui mesmo onde moro é mais fácil ouvi-los cantar do que enxergá-los. Admiro a riqueza melódica do canto dos pássaros.

 
 
  
ÉPOCA – Isso me faz lembrar o escritor francês Pascal Quignard, que afirma que eles inventaram a música. O homem só fez roubar e codificar o canto dos pássaros. Que tipo de música humana o senhor gosta de ouvir?Franzen – Música é um tipo de coisa que não consigo ouvir enquanto escrevo. Porque é uma arte que exige atenção exclusiva. Ouço música quando não estou escrevendo, quando meus sentidos estão abertos e ainda estou imaginando que história vou contar. Estou ouvindo rock’n’roll, pensando no próximo romance. As composições de Steve Reich são atuais e acessíveis, cheias de uma imprevisibilidade que me atrai. Rock, Reich e [Igor] Stravinsky. Aprecio menos Olivier Messiaen e suas composições baseadas em canto de pássaros do que Stravinsky. Seus ritmos são complexos, mas, ao mesmo tempo, atingem diretamente o corpo inteiro . É uma arte complexa que chega até nós de forma transparente e simples. A música de Stravinsky é uma boa imagem para definir o que eu faço em minha obra literária: simplicidade superelaborada.

ÉPOCA – É verdade que o senhor prefere ver filmes em casa a ir ao cinema?
Franzen –
Sim. A experiência de ir ao cinema se tornou chata. Entrar em uma fila, pagar 15 dólares por um ingresso (eu não precisaria mais pensar nisso, mas continuo pensando) e sentar em uma cadeira suja cercado por adolescentes barulhentos não é coisa que me agrade mais. O DVD supre minha necessidade de ver filmes e séries de televisão. O DVD player é uma das conquistas tecnológicas que eu considero importante.
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Fonte: http://revistaepoca.globo.com/cultura/noticia/2012/06/jonathan-franzen-me-dei-conta-de-que-estava-roubando-tolstoi.html

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