sexta-feira, 22 de junho de 2012

A crise é política e quatro novos atores sobem ao tabuleiro


A percepção de que a humanidade está vivendo uma crise mundial e que está chegando ao fim a hegemonia dos Estados Unidos é falsa. A crise é eminentemente política, que passa por um pesado conflito de poder. O momento é de incerteza e as questões técnicas de economia são secundárias, afirmou o filósofo, economista e cientista político José Luis Fiori.

A reportagem é de Edelberto Behs e publicada pela Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação (ALC), 21-06-2012.

A convite da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), de São Leopoldo, Fiori palestrou, ontem, sobre “Mudanças e Tendências do Sistema Mundial: a Conjuntura e a História”. Pelo menos quatro novos atores sobem ao palco mundial e o tabuleiro mais complicado é, sem dúvida, o da Europa, com a ascensão da Alemanha, que pode mudar a face geopolítica do mundo.

O professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) admitiu a complexidade da dimensão econômica financeira, ela é importante, mas não é a questão central que a humanidade enfrenta no momento.

A crise presente, analisou Fiori, decorre de uma contradição endógena da tendência que existe entre o sistema econômico e político que se move de forma globalizante e nacionalmente. “As transformações que estão acontecendo são e foram produzidas pela escalada vertiginosa, pelo impulso expansivo e destrutivo do poder americano, que, aliás, segue intacto e em expansão”. 

Sobre o futuro, parece mais provável a Fiori que esteja em fase de redesenho um novo núcleo central do sistema capitalista mundial. Esse núcleo terá cinco potências que controlam um terço do território mundial e quase a metade da população, que são China, EUA, Europa, Irã e Brasil. As potências não estão exigindo uma nova ordem mundial, mas um reordenamento da hegemonia regional, explicou.

Ao contrário do que analistas internacionais, economistas e jornalistas afirmam a China não vai desbancar os Estados Unidos do topo das nações, avaliou o palestrante. “A China é um ator regional incontornável, mas não é um ator global. Ela não tem capacidade de projeção de poder sobre o mundo”, disse.

A Europa volta a ter uma grande potência econômica, com um exército significativo. A Alemanha de Hitler, com todo o poderio bélico que o Führer construiu, não conseguiu competir com a moeda e a finanças inglesa e norte-americana. “Hoje os alemães, aproximando-se da Rússia, estão jogando de maneira pouco sutil, mas de forma clara contra o triângulo Estados Unidos, França e Inglaterra. Aqui se entra num terreno mais complicado, não pelo fator econômico. mas pelo ressurgimento de uma velha e complicadíssima potência, que é a Rússia, bem mais imprevisível do que era a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas”, discorreu o professor da UFRJ.

Um outro tabuleiro é o Oriente Médio, com o Irã, que já se transformou numa potência regional. É, talvez, o tabuleiro mais explosivo, do ponto de vista de ameaça imediata, mas o de menor repercussão no todo. O quarto tabuleiro, muito menos tenso e complexo, é o desafio da absorção do Brasil como nova potência no Atlântico Sul.

“Nesses quatro tabuleiros se esconde o futuro”, previu o cientista social. Em todos eles existe um ator que parece externo, mas que é transcendental e não chega a ser uma incógnita variável, pois trata-se de uma certeza absoluta, que são os Estados Unidos. Sua hegemonia é incontestável, pois tem uma capacidade de interferência, em terra, mar e céus, em todos os campos do mundo. Os Estados Unidos mantém acordos militares com 130 países do mundo, lembrou Fiori.

O expansionismo dos Estados Unidos é contínuo e injeta energia em vários centros do sistema. Fiori frisou que não haveria reconstrução da Alemanha e do Japão, se não fosse a maneira como os Estados Unidos absorveram os derrotados na II Grande Guerra.”Trata-se de uma parceria virtuosa, não é obra do mercado, é estratégia, uma verdadeira genialidade estratégica dos últimos dois séculos”, disse.

De acordo com Fiori, os Estados Unidos estão mudando a sua gestão de inserção mundial, que será exercida na forma de império, mais bem ao estilo romano, com um mínimo de intervenção e uso de tropas, mas administrando os equilíbrios e as divisões internas dos outros.

Esse novo reordenamento seguirá, de acordo com a análise do cientista político, o sistema globalizado, que só tem uma forma de viver: expandindo-se sem parar. Ele será movido pela contradição do nacional e do global. O paradoxo desse sistema é que ele é movido, para se inovar e construir constantemente, por grandes predadores. Daí que a guerra é co-constitutiva do sistema, comprovado historicamente. Entre 1650 e 1950 a Grã-Bretanha, a grande potência da época, esteve envolvida em 140 a 150 guerras. Os Estados Unidos tem o envolvimento médio de uma guerra a cada três anos. Neste novo século, o país hegemônico está em guerra desde o início, há 12 anos, o mais longo período contínuo de todos os tempos.
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Fonte: IHU on line, 22/06/2012
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